Vender ou transferir um imóvel, contar com a coleta do lixo e ter ligações de energia elétrica. Ações simples que ainda não fazem parte do cotidiano de todos os moradores de Santa Maria. Isso porque 137 áreas esperam a regularização fundiária – processo que inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais necessárias para que núcleos informais sejam incluídos no mapa do município. É essa regularização que concede aos moradores a propriedade do local em que residem.
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O Núcleo Urbano Monte Betel é uma dessas áreas. A ocupação por pessoas que, aos poucos, foram construindo raízes no local, iniciou em 2015 e se intensificou em 2016. Se há nove anos, poucas casas eram visíveis no espaço, em 2024 já são 118 - conforme dados da prefeitura de Santa Maria (veja mapas abaixo). O secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Wagner Bitencourt, explica que a prefeitura entendeu que a melhor alternativa seria o processo de regularização fundiária no Monte Betel. Caso contrário, por ser um local público, a área passaria por uma reintegração de posse:
– A regularização fundiária consiste em medidas sociais, ambientais, sociais, jurídicas e urbanísticas. No caso da Monte Betel, quando começou a ser ocupada em 2015, existia a possibilidade de uma reintegração de posse daquele imóvel porque era um local público. Mas o município entendeu que o melhor era trabalhar o processo de regularização fundiária e acabou desistindo do processo de reintegração de posse – afirma o secretário.
As etapas da regularização
A primeira etapa consiste em delimitar a área. Ou seja, é como se um contorno de caneta passasse pelo limite do espaço a ser regularizado. A partir disso, é feito um levantamento topográfico que mapeia as características da superfície de determinado terreno. Esses estudos iniciais são importantes para avaliar os melhores pontos para a instalação de postes de luz ou tubulações de água e até mesmo a largura necessária para estruturar a rua e o calçamento.
Assim, uma proposta urbanística foi realizada para a área do Monte Betel. Para as outras 136 áreas em Santa Maria, é preciso fazer o mesmo processo. Conforme Bitencourt, em 2023 a Corsan implementou, em parceria com o município, a rede de água. O próximo passo seria a regularização da rede elétrica.
– Da mesma forma que foi feita a implementação da rede de água, aconteceria o mesmo com a rede elétrica a cargo da RGE. Esta implantação da rede regular é uma etapa da regularização – explica o secretário da pasta.
A instalação regular da rede elétrica no local é importante para que o processo tenha continuidade. Redes clandestinas ou postes que não atendem a proposta urbanística, por exemplo, impedem obras de infraestrutura e até a passagem de caminhões de lixo. Então, são a partir de instalações de rede de água e energia elétrica que as obras de infraestrutura tem andamento, como a abertura de ruas e a individualização dos lotes.
Uma vez finalizado, o processo culmina na titulação dos lotes no nome de cada morador. Com ela, o proprietário pode vender ou transferir o imóvel com segurança jurídica. Regularizado, o local também poderá ser ampliado e reformado, utilizando todos os benefícios que, porventura, ela traga aos proprietários. Mas, no caso do Monte Betel, esse processo não tem sequer previsão para ser finalizado.
Regularização fora do prazo e moradores sem energia elétrica
O secretário Wagner Bitencourt explica que o processo na área da Monte Betel ainda aguarda a regularização da rede elétrica. Segundo ele, uma carta de anuência foi fornecida à RGE, em março de 2022, e esses prazos já foram esgotados. Recentemente, essa etapa ficou ainda mais difícil de ser concluída. Isso porque, há 20 dias, em 24 de maio, os moradores foram surpreendidos com o corte de energia elétrica das residências. Na ocasião, a RGE retirou ligações clandestinas, conhecidas como “gatos”, do local. Conforme a própria concessionária, foram retirados 120 quilos de fios da Monte Betel. A partir disso, os moradores entraram com uma ação contra a RGE e no sábado (25), a Justiça Estadual determinou a religação da energia elétrica que havia sido cortada. Porém, três dias depois, o órgão reconsiderou a decisão e os moradores seguem sem energia elétrica no local.
– O município não solicitou nenhum desligamento da rede clandestina, mas todavia, a supressão dessa rede clandestina faz parte da regularização fundiária. Mas, nós entendemos que esse desligamento deveria ter sido feito de forma mais escalonada e antes de qualquer ação, anunciada aos moradores através de uma comunicação de porta em porta – esclarece o secretário.
Conforme Bitencourt, a Secretaria vai formalizar um pedido de informação à RGE com data de conclusão da rede regular para que a gente possa acompanhar de perto como serão os próximos passos a serem executados pela distribuidora. Enquanto isso, moradores seguem sem energia elétrica. Segundo relato de quem reside no local, a RGE instalou alguns relógios em casas que já tinham o poste para receber a ligação. Outras, sem condições de custear a compra do poste, ainda convivem com as dificuldades de estar sem energia elétrica:
– Tem muita casa que ainda está sem luz. Nessa situação, estamos sujeitos o tempo todo a ficar sem luz. É ruim porque a gente tem criança pequena. Então, a gente vive sem ter uma garantia – afirma o reciclador Edson Silva de Freitas, 53 anos, morador do Monte Betel.
A dona de casa Denise Dos Santos, 48, teve a energia religada no início do mês mas acompanha de perto a situação dos vizinhos que ainda convivem com a falta da regularização:
– É difícil. Tem muita comida estragando. Minha filha que mora aqui do lado teve que levar as coisas dela lá para casa. No meu caso, fiquei mais de cinco dias sem luz e perdi um freezer inteiro de carne. Depois, vieram aqui e colocaram o relógio, mas ainda tem muita gente nessa situação.
A RGE foi questionada pela reportagem sobre o caso mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.
O caso Monte Betel em datas:
- 24 de maio (sexta-feira): moradores da Vila Monte Betel foram surpreendidos com o cumprimento de uma ordem judicial para o corte de energia elétrica nas residências. Na data, a RGE retirou ligações clandestinas, conhecidas como “gatos”, do local.
- 25 de maio (sábado): Justiça Estadual assina medida que determinou a religação da energia elétrica que havia sido cortada no Monte Betel no prazo de uma hora e com multa de R$ 1 milhão em caso de descumprimento da ordem judicial.
- 28 de maio (terça-feira): Após determinar a religação da energia elétrica, a Justiça Estadual reconsiderou a decisão. Com a reavaliação da medida, moradores seguem sem energia elétrica e devem recorrer.
Regularização fundiária em Santa Maria:
- Processos em andamento: 137
- Processos finalizados: 59
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