
Foto: Gabriel Haesbaert (Arquivo/Diário)
No mês de fevereiro, a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) voltou a ser alvo da Polícia Federal, que deflagrou a Operação Fafnir para investigar um suposto esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro por uma servidora na instituição. A ação da PF levantou questionamentos quanto à ligação da fundação e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), uma vez que a Fatec está vinculada à UFSM desde 1979.
A Fatec é uma fundação de apoio, o que significa que ela funciona como uma ponte entre a UFSM e financiadores de projetos, seja no setor público ou privado. É uma entidade independente, sem ligação financeira ou jurídica com a universidade. Entretanto, a Fatec colabora diretamente na administração das verbas destinadas ao desenvolvimento dos projetos, estabelecendo parcerias com os setores e financiadores. O vínculo entre as duas entidades é formalizado por meio de um credenciamento renovado a cada dois anos.
Como a Fatec funciona?
A Fatec foi criada em 1978 por um grupo de professores do Centro de Tecnologia da UFSM para facilitar a execução dos projetos dentro da universidade. Pouco menos de quatro meses depois, ela foi vinculada à instituição federal.
A fundação capta verbas de diversas fontes, públicas e privadas, para financiar projetos acadêmicos e tecnológicos de várias instituições, entre elas a UFSM. Os valores arrecadados são utilizados para a compra de insumos e contratação de equipes. Apesar da parceria, a Fatec não recebe recursos do Orçamento da universidade e opera com autonomia financeira.
A UFSM fiscaliza os projetos conduzidos pela Fatec por meio de contratos e prestações de contas. Segundo o reitor da UFSM, Luciano Schuch, cada financiador também estabelece regras próprias de acompanhamento e controle.
- A Petrobras, por exemplo, tem diretrizes específicas para o repasse de verbas e fiscalização dos projetos. A gente fiscaliza, tem um plano de trabalho e vai dizer tudo que pode ser feito no projeto, com as etapas, com o cronograma, porque quem executa somos nós, nossa equipe da universidade, e quem paga é a Fatec. Então, nós estamos sempre fiscalizando, a gente tem o supervisor financeiro no projeto e o cronograma para cumprir - afirma Schuch.
O controle financeiro é, em sua maioria, mensal, mas semestralmente é feito uma prestação de contas geral de todos os projetos, para garantir maior transparência no serviço, garante Schuch. Para a execução dos projetos, há uma taxa de cerca de 10% que é destinada à Fatec, pela realização do serviço, e outros 10% para a União, já que as iniciativas são realizadas em um espaço público.
Outras fundações
Atualmente, a UFSM opera com outras quatro fundações de apoio, que, diferentemente da Fatec, com recredenciamento a cada dois anos, são recredenciadas anualmente: Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs); Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e Fundação Delfim Mendes Silveira (FDMS).
Cada uma atua em diferentes frentes, como engenharia, mobilidade elétrica e infraestrutura. Apesar da diversificação, a Fatec se destaca como a principal parceira da UFSM na execução de projetos acadêmicos e tecnológicos.
Conforme Schuch, mesmo que a Fatec não tivesse mais vínculos com a Federal, o que pode ocorrer, a universidade precisaria de outra fundação, pelo menos uma, para auxiliar no desenvolvimento dos projetos.
– Hoje, a gente tem muitos recursos do governo que tem que executar somente por fundações. Então, se nós não tivéssemos a Fatec, teríamos que operar com outras fundações, o que já acontece, e nós temos outras cadastradas. Sem fundação, a gente não funciona, a gente tem que ter pelo menos uma – esclarece o reitor.
Atualmente, a previsão da receita total da UFSM em relação aos projetos desenvolvidos pela Fatec é de mais de R$ 322 milhões, sendo que R$ 86 milhões já foram arrecadados. Além disso, a universidade tem 1.182 alunos e 638 servidores vinculados a essas iniciativas, e 65 funcionários CLTs/terceirizados. As informações sobre os projetos, parcerias e contratos podem ser acessadas no site da UFSM, na página de Transparência e Prestação de Contas.
Operação Rodin
A Fafnir não é a primeira investigação deflagrada pela Polícia Federal na Fatec. Em 6 de novembro de 2007, a Operação Rodin desmontou um suposto esquema envolvendo a contratação de empresas para aplicação de exames para obtenção de carteira de motorista no Rio Grande do Sul. Em 2014, a Justiça condenou 29 réus, com penas que variavam de dois a 38 anos de prisão. O valor estimado de danos causados aos cofres públicos é de R$ 90 milhões.
Como funcionou o esquema
A Fatec fechou com contrato com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para elaboração das provas da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A fundação dividiu a tarefa e 80% do faturamento com outras empresas, o que seria irregular, visto que o serviço deveria ser feito pela Fatec.
De acordo com a PF, havia um sistema de distribuição de propina a diretores do Detran, políticos e professores da UFSM, pago pelas empresas que prestavam serviço à autarquia. Além disso, o esquema utilizaria dinheiro público para o financiamento de campanhas de partidos políticos. O desvio no Detran seria, à época, seria de R$ 44 milhões.
Transparência
A transparência na gestão das fundações de apoio foi reforçada após a Operação Rodin. Desde então, novos mecanismos de controle foram implementados, incluindo supervisão financeira rigorosa, auditorias mensais, licitações e cotações para compras. A Fatec segue normativas públicas, mas também pode adotar práticas do setor privado para otimizar sua gestão.
Em entrevista ao programa Fim de Tarde CDN, da Rádio CDN 93.5 FM, no dia 19 de fevereiro, data em que foi deflagrada a operação Fafnir, o reitor Luciano Schuch reforçou que os desvios de recursos da Fatec não têm relação com os cofres da universidade. Segundo ele, alguns projetos da universidade foram prejudicados com os desvios dos recursos, já que são vinculados entre as instituições. Entretanto, ele garante que a Fatec está usando recursos próprios para impedir que projetos em andamento sejam prejudicados.
Além disso, o reitor afirmou que, desde a Operação Rodin, a Fatec tem sido "um exemplo de controle interno" e que "isso foi pontual com uma funcionária".
– Nós temos plena confiança na atual direção da Fatec, pelo trabalho que eles estão fazendo. O próprio sistema de controle interno da Fatec identificou (o desvio de recurso). Isso mostra que está funcionando, só que a gente não está livre, independente de ser uma universidade, de uma fundação, de uma empresa privada. Nós temos que ter elementos de controle para que a gente consiga realmente punir e servir de exemplo para que não aconteça mais nas nossas instituições.
O assessor jurídico da Fatec, Victor Hugo Vianna, falou ao vivo no Bom Dia, Cidade, da Rádio CDN 93.5 FM, no dia 20 de fevereiro, sobre a Operação Fafnir. Segundo Vianna, desde a Operação Rodin, a Fatec tem aprimorado cada vez mais os mecanismos de controle internos e que as irregularidades foram observadas e denunciadas pela própria instituição.
— A Fatec tem vários órgãos de controle, e um deles diagnosticou que existiam irregularidades, aparentemente formais, no trabalho dessa empregada. Mas foi necessária a abertura de uma sindicância para se apurar algo mais a fundo. E, óbvio, as conclusões da sindicância foram graves a ponto de culminar na demissão dela, e do encaminhamento para a Polícia Federal — explica.
Além disso, ele reforçou o compromisso da Fatec com a UFSM, com o Ministério Público e com a comunidade.
Operação Fafnir
A investigação teve início após a identificação de indícios de manipulação contábil e transferências irregulares, supostamente realizadas por uma funcionária da fundação, que foi afastada em agosto de 2024 e depois demitida. Além dela, o marido e os dois filhos do casal também são investigados. O prejuízo causado aos cofres da Fatec foi estimado em mais de R$ 4,7 milhões, entre os anos de 2019 e agosto de 2024.
Foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão, além do bloqueio de bens móveis e imóveis dos envolvidos. A Justiça Federal autorizou a quebra de sigilo bancário, fiscal e eletrônico dos investigados, bem como o sequestro de seis automóveis e três imóveis. Essas medidas visam garantir o ressarcimento aos cofres públicos ao final do processo.
Confira a nota da UFSM:
"A FATEC, Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência, identificou, por meio de seus controles internos, um desvio de recursos e comunicou imediatamente a UFSM, o Ministério Público e a Polícia Federal. Na época, a fundação instaurou sindicância relacionada à funcionária supostamente envolvida. Com a conclusão dos trabalhos internos, houve demissão da envolvida. A UFSM conta, atualmente, com cinco fundações aprovadas em Conselho Universitário para fazer a gestão de seus projetos, dentre elas, a FATEC. A UFSM possui personalidade jurídica diferente da FATEC e, apesar disso, acompanha o caso para proteger projetos, pesquisadores e supervisores financeiros impactados, direta e indiretamente, pela conduta da funcionária demitida."
A investigação corre em segredo de justiça.