Eros Roberto GrauAdvogado
Música é arte! Aristóteles ensinou-nos que o princípio da sua existência está no artista. O Direito, ao contrário, é uma prudência. Não é ciência nem arte. É capacidade, acompanhada de razão, de agir na esfera do que é bom ou mau para o ser humano. Razão intuitiva que não discerne o exato, porém o correto. Por isso há sempre, no texto da Constituição e das leis, mais de uma solução correta a ser aplicada a cada caso, nenhuma exata.
Entre a Música e o Direito há, contudo, certa semelhança. Ambos são alográficos, reclamando um intérprete: o da partitura musical, de um lado, e o intérprete do texto constitucional e da lei, de outro.Das artes há dois tipos: as alográficas e as autográficas. Nas primeiras (música e teatro), a obra se completa com o concurso do autor e de um intérprete. Nas artes autográficas (pintura e romance), o autor contribui sozinho à realização da obra. Em ambas há interpretação, mas distintas uma e outra.
A interpretação da pintura e do romance envolve unicamente compreensão de quem olha ou lê. A obra é completada, no seu todo, pelo autor. Sua fruição estética independe de qualquer mediação. Diversamente, a música e o teatro demandam compreensão mais reprodução: a obra reclama, para que possa ser esteticamente fruída, além do autor um intérprete que compreenda e reproduza a partitura musical ou o texto da peça teatral. A fruição estética que a obra enseja é alcançada mediante a compreensão/reprodução do intérprete.
O Direito é alográfico. O texto normativo não se completa no quanto tenha escrito o legislador. Sua “completude” somente é alcançada quando o sentido por ele expressado for produzido pelo intérprete. O sentido expressado pelo texto é distinto do texto. É a norma que resulta da interpretação. O intérprete “produz a norma” a ser aplicada a certos fatos, sem exceder o texto.
A interpretação do Direito é mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular, em cada caso.Os músicos interpretam partituras visando à fruição estética. Os juízes interpretam textos normativos vinculados pelo dever de aplicá-los, de sorte a proverem a realização de ordem, segurança e paz.
O intérprete musical interpõe-se entre o compositor e a plateia. Para os juízes, no entanto, não deve existir plateia. O Direito não é para produzir efeito estésico. A sensibilidade ao belo é estranha à atuação do juiz no desempenho do ofício de interpretar e aplicar textos da Constituição e das leis.
A aptidão humana de fruição do belo nada tem a ver com os juízes. Nem mesmo conosco, meros cidadãos, quando suportamos normas de decisão por eles produzidas. Para os juízes não há – não deveria haver! – plateia alguma.Leia o texto de João Gilberto Lucas Coelho