Estamos em uma democracia, e é normal haver discussão sobre os prós e contras de documentários e séries sobre tragédias, como a da Kiss. Há uma enxurrada de críticas nas redes sociais. É compreensível haver queixas a quem teve a coragem de fazer trabalhos jornalísticos ou ficcionais sobre um tema tão dolorido. Não repreendo quem critica, se essas críticas são de forma respeitosa, afinal, estamos em um país democrático. Eu mesmo não tenho, ainda, coragem de ver esses documentários, porque já sei da história toda e ela é muito dolorida. Mas pessoas de outros lugares vão ver pela primeira vez em detalhes e saber o que realmente aconteceu.
Dependendo das intenções e à primeira vista, pode parecer exploração comercial da tragédia. Porém, é preciso levar em conta também o outro lado. Há documentários, filmes e séries sobre outras tragédias, como o Holocausto, o ataque às Torres Gêmeas, sobre a queda de aviões, entre outros. São fatos que fazem parte da história e que precisam ser retratados, até para as novas gerações saberem o que ocorreu e tentar evitar que isso se repita.
A jornalista Daniela Arbex, que escreveu o livro que deu origem à série, reforça que é importante mostrar esse caso para revelar o quanto o Poder Judiciário precisa avançar no Brasil, afinal, várias tragédias, como a Kiss, Brumadinho e Ninho do Urubu, seguem impunes até agora.
No caso da Kiss, como eu disse outro dia, também é fundamental que o resto do mundo saiba dos erros cometidos aqui para que não sejam repetidos em outras cidades ou outros países. Há alguns anos, em Erechim, um músico usou fogos de artifício dentro de uma boate, e um frequentador denunciou porque sabia o que havia ocorrido na Kiss – a boate foi interditada. Ou seja, quem sabe já tenha sido evitada uma tragédia lá e em outros lugares porque as pessoas souberam dos erros cometidos na Kiss.
A divulgação da importância dos cuidados com a prevenção contra incêndios e contra o uso de espuma tóxica ainda é fundamental porque, após aquele 27 de janeiro, houve outras tragédias semelhantes em boates pelo mundo, como a Colectiv, na Romênia, onde morreram 64 pessoas, em 2015. Havia uso de fogos de artifício no interior, que causaram as chamas em espuma de isolamento, exatamente como na Kiss.