Enquanto isso, na dureza da realidade, prevejo milhares de passinhos (de formiga) até a realização de tão “ambiciosos” sonhos. É que, até o momento, ainda tenho um pé na turma do “mais é mais”. Que Gaia me ajude nas batalhas diárias entre os gostos pessoais e as necessidades cada vez mais coletivas!
Entre as coisas que mais amo fazer desde que me lembro, está desenhar. Desenho gente, bicho, plantas, árvores, campos, casas, ruas… Até santo eu desenhei (lembrei do Dom Guanella encomendado pela Irmã Neuraci, quando eu estudava na Escola Divina Providência). A maioria desses desenhos se espalharam, doados a amigos, ou eu literalmente perdi, como foi o caso de uma pasta inteira, que seguiu o passeio sem mim em um táxi de Porto Alegre. Felizmente, algumas dessas artes eu guardo, outras eu fiz questão de vestir e gostaria de calçar. É que entre as coisas que mais fiz na vida, estão inúmeros croquis de roupas e sapatos… Entre as peças que saíram do papel, a que mais me marcou foi um macaquinho pink com botões de pérola, que criei com minha mãe e mandamos fazer na costureira. Minha irmã ia nascer e eu queria um modelito especial para esperá-la. Tinha seis anos na época.
Entre as minhas profissões em potencial, moda sempre esteve ali, saindo pelos poros. Quase trinta anos depois, transitei por um curso superior de moda como professora. Não lecionei disciplinas do núcleo básico, mas estava lá, vendo as coisas acontecerem, e trabalhei preparando estudantes do curso para problematizarem e refletirem sobre aquele fazer em um âmbito científico, para dialogarem com o que já estivesse posto em sua área, e terem mais estofo ao proporem suas criações. Eis o processo de ponta a ponta: pensar, dialogar, criar, realizar, avaliar, melhorar. E “melhorar” é um verbo que define tão bem o sentido de passar por esta vida, não?!
Com o planeta numa escalada de mudanças climáticas que nos arrasta, desde a Revolução Industrial, para um caldeirão (quase literal) de problemas – a exemplo do rápido aumento da temperatura média da Terra e consequentemente aumento do nível dos oceanos – eu ainda acompanhava cada vez mais atenta as discussões dos futuros designers de moda. Entendi que tanto poliéster estava me levando por um mau caminho, bem distante da tão sonhada melhora. Foi aí que o slow fashion me pegou de vez. Ao saber do estrago que tanto tecido sintético causa ao ser descartado, eu passei a comprar a metade ou menos do que comprava. Peças produzidas segundo a lógica do slow são feitas para durar e não são tão baratas quanto as peças de fast fashion, do tipo que se encontra em qualquer loja de departamento e às quais se é quase obrigado a dar algum destino poucos meses depois. Em casa, muitas camisetas compradas em lojas assim viraram paninho de tirar pó, por exemplo. A esta altura da vida, eu já estava desesperada atrás de alguém que costurasse pra mim ou, melhor, que me ensinasse a costurar minhas pecinhas no tecido mais sustentável possível. Claro que as recaídas foram constantes. Volta e meia, aquela blusinha de paetês ou aquela peça com vinil me assaltava os olhos e o bolso.
Na trilha rumo ao INSUSTENTÁVEL, além de eventuais desvios no orçamento mensal, quase sempre contornáveis, nosso destino mais certo são as até agora incontornáveis ilhas de plástico, como a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, com cerca de 80 mil toneladas, e que já ultrapassa o tamanho do estado do Amazonas. E o cruzeiro dos horrores “all inclusive” garante ainda uma passadinha pelos “cemitérios de roupas”, como o que existe no deserto do Atacama, no Chile. Por lá, todos os anos, vão parar algo em torno de 40 mil toneladas de peças vindas de Estados Unidos, Europa e Ásia. Esses temas têm estado em evidência nos últimos dois anos, mas são problemas antigos.
Com amigas atuantes, seja como ambientalistas, como ecojornalistas ou como doutorandas em temas relacionados a ambiente, eu ainda abraçava a causa como editora de um jornal ambiental feito também em âmbito universitário. “Ambiente” começou a ser palavra-chave compulsória na minha vida, não tinha jeito, e eu realmente gostava cada vez mais. Mas não vou mentir, isso já tem pelo menos quatro ou cinco anos, e a minha chave AINDA está virando, porque não é fácil abandonar velhos hábitos. Pelo menos, tenho me conformado com o fato de que não mando peças de roupa para o lixo há uns cinco anos. Ou as repagino, ou as encaminho para doação. E foi com a intenção de qualificar as discussões envolvendo moda, sustentabilidade, ambiente, política, economia e questões de gênero, que, junto ao mestrando em moda pela UDESC, Henrique Goulart, lancei o podcast Moda Pra Quê?, com episódios inéditos entre 2020 e 2021. O projeto seguiu com o mesmo nome, mas em forma de coluna, no programa Companhia CDN de domingo da Rádio CDN, em frequência quinzenal, desde 2021. Agora, a produção do conteúdo está com a mestre em Direito pela UFSM, embaixadora Instituto Lixo Zero Brasil e representante Fashion Revolution, Antonella Pichinin, e com o publicitário e professor universitário Alessandro Felippe.
Estamos nos encaminhando para o fim deste mês, também chamado de “Setembro de Segunda Mão” por movimentos como o Fashion Revolution, que incentiva o consumo de peças usadas. E vem aí o outubro do Lixo Zero. Santa Maria tem agora também o Comitê Pelo Meio Ambiente, com compromissos assumidos para um futuro melhor para todos. Tem muita discussão, muitas questões que ainda não se tornaram um problema porque lidamos com elas como se fossem “coisas naturais” e inquestionáveis. Lembremos, por exemplo, que um dia nos foi completamente estranha a ideia de separar o lixo. Para muitos ainda é estranho pensar em comprar roupa em brechó. Eu mesma, depois de muito argumentar – com base nas vozes da minha cabeça – sobre supostos “maus fluidos” presentes nas peças que pertenceram a outras pessoas, tenho garimpado meus melhores achados em brechós nos últimos três ou quatro anos.
E pra fechar este texto, que já está imenso, confesso que, para além de querer me tornar uma legítima ambientalista e adepta do minimalismo, mesmo depois de quase 40 anos acumulando relíquias em forma de livros impressos, roupas e calçados cheios de rococós, tenho sonhos mais ambiciosos. Tenho delirado também com a possibilidade de congressos gigantescos, em que a população, em massa, discuta, junto a autoridades e ao poder público, projetos que levem em conta ideias como a Hipótese de Gaia, do britânico James Lovelock. Lançada nos anos 1970, a teoria é de a Terra seria um imenso organismo vivo e que todos interferiríamos em seu funcionamento. Eu escutei a respeito disso na faculdade, há uns 20 anos, e fui pesquisar sobre Gaia, a “Mãe Terra”, segundo a mitologia grega, mas apenas ultimamente ela faz todo sentido pra mim. E pra você?
Carla TorresTenho 39 anos, sou gateira e cachorreira. Falo muito, mas escuto e observo mais ainda. Natural de Porto Alegre, sou jornalista e mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio doutoral na Sorbonne-Nouvelle/ Paris 3. Atualmente curso MBA em Marketing Digital. Como pesquisadora, atuo no Laboratório de Investigação em Imagem, Cinema, Foto, Vídeo e Design (UFSM). Sou consultora em pesquisa e mentora em comunicação e expressão oral, locutora comercial e voice artist. Atuei como professora universitária entre 2008 e 2021. No Grupo Diário, produzo e apresento os programas Jogo de Cintura e Companhia CDN. Você me encontra pelo perfil @carladoyletorres no Instagram. Grande abraço!
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