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Como estão os hábitos dos santa-marienses após 11 meses do surto de toxoplasmose

Foto: Renan Mattos (Diário)

O surto de toxoplasmose em Santa Maria - o maior do mundo em números absolutos, deflagrado em 19 de abril, - deixou rastro de tristeza e medo a centenas de pessoas infectadas, principalmente as gestantes que não puderam ter seus bebês por conta da doença. Conforme o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), que concentra o atendimento às gestantes e às crianças com toxoplasmose congênita (infectados durante a gestação), no final de janeiro, 19 bebês estavam em tratamento. Até 31 de novembro de 2018, data do último boletim epidemiológico emitido pela Secretaria Estadual de Saúde, havia 902 casos confirmados entre os mais de 2,2 mil notificados, sendo 10 abortos e três mortes fetais.

Em outubro, a prefeitura ajuizou uma ação civil pública com pedido de dano moral coletivo contra a União Federal por conduta omissiva diante do surto, pedindo uma indenização de cerca de R$ 28 milhões.

Ainda que a principal suspeita da origem seja no sistema de abastecimento de água e na contaminação cruzada de hortaliças não é possível afirmar a causa, que em diversos momentos estremeceu as relações entre a prefeitura, o Estado, médicos infectologias e a própria Corsan. Vale lembrar que em julho do ano passado, depois de diversos adiamentos, a concessionária renovou contrato de abastecimento de água com o município para os próximos 35 anos.

Um ano depois dos primeiros diagnósticos (veja na linha do tempo ao lado), a cidade mostra os reflexos nos hábitos dos santa-marienses, sobretudo, em relação à água.

- Comprei o filtro por isso. Várias pessoas que conheço tiveram a doença e eu é que não tomo água da torneira. Tentaram abafar da população as causas, quem garante que o surto não volta? - analisa a cozinheira Sirlei Ribeiro, 62 anos.

Especialistas insistem em cuidados, sobretudo, a serem tomados pelas gestantes.

- As grávidas devem tomar todo o cuidado, especialmente as negativas (exame sorológico IGG e IGM) - alerta a médica infectologista Jane Costa.

Para o secretário de Saúde do município, Francisco Harrison, que também é médico, a atenção deve ser mantida independentemente da condição de surto.

- Santa Maria não tem toxoplasmose? Tem. Como a França tem, Portugal tem... o que não podemos é esquecer do surto para que ele não aconteça de novo.

Na última semana, a reportagem do Diário percorreu o Centro e as regiões norte, sul, leste e oeste de Santa Maria para conversar com a população quase um ano depois dos primeiros casos confirmados do surto. Teve quem disse nunca saber do que se tratava a toxoplasmose e quem pensasse que a transmissão fosse pelo ar. Mas, muitas pessoas, tiveram, inclusive, mudanças na rotina. (Colaborou Eduardo Tesch) .

Na Região Sul, Elisando "relaxou"Foto: Renan Mattos (Diário)

No Bairro Urlândia, o comerciante Elisandro Martins, 39 anos, admite que "relaxou" em relação ao consumo de água e da higienização com frutas e hortaliças. Um cenário bem diferente de quem chegou a ficar com as prateleiras do mercado vazias do produto:

- A vizinhança ficou assustada. Faziam fila e a gente não dava conta de tanta água que saía. Mas, desde o final do ano, o pessoal foi esquecendo. Aqui por perto, graças a Deus não teve tantos casos. Eu mesmo já estou tomando água da torneira e confiando - disse Martins, que tem o estabelecimento há 10 anos.

Na Região Oeste, "água só comprada"Foto: Renan Mattos (Diário)

Na região mais afetada pela doença, diversos moradores de bairros como Nova Santa Marta, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, local em que vive a orientadora de atividades físicas Sabrina Fontoura, 35 anos, e o filho Martin, de 9 meses, ainda há receio:

- Aqui foram muitos casos. Eu estava no final da gravidez e me preocupei bastante. Mas fiz os exames e deu tudo negativo. Tivemos amigos que perderam o bebê. De lá para cá, água só comprada, pois a gente segue com medo. Ninguém nos deu uma satisfação do que realmente houve.

Na Norte, limão é o remédioFoto:Gabriel Haesbaert (Diário)

- Foi aquele susto no início. Só compramos água no início (do surto). A gente nem sabe qual é a origem do foco e se fosse só pela água, a cidade toda estaria contaminada. O que faço e acredito que faz bem e "limpa" tudo é espremer um limão no copo - diz a confeiteira Lilia Brun, 49 anos, da Região Norte, que, inclusive, matava a sede com água da torneira, junto do companheiro Adrion, 27 anos.

No Centro, novos hábitosFoto:Gabriel Haesbaert (Diário)

Na família do engenheiro elétrico José Carlos Einsfeld, 59 anos, a incidência de toxoplasmose serviu como uma troca de hábitos na vida de todos.

- Antes do surto, já tínhamos filtro, mas depois, só bebemos água comprada, seja para o mate ou para o café. Temos estoques de galões e não temos certeza de nada, pois uma das coisas que os deixou indignados é que, na época, já estavam sabendo e a Vigilância Sanitária não deu nem um "sinal amarelo". 

Na Região Leste, descrençaFoto: Renan Mattos (Diário)

A babá Denise Penna, 38 anos, e o vendedor Delcio Feltrin, 55 anos, vivem no Bairro Camobi e mal lembram da toxoplasmose. O casal, que tem caixa d'água em casa, não acredita que um novo surto atinja a cidade.

 - Isso não deve acontecer de novo. Dizem que muitas pessoas já tinham a doença e ficaram sabendo só porque fizeram exames. Aqui tomamos água ou mate, tudo da torneira - conta Feltrin.

ENTREVISTA
Anunciado há menos de um mês como novo secretário da Saúde, Francisco Harrison assume a pasta no lugar de Liliane Duarte Com 47 anos, é natural do Rio de Janeiro, major da reserva e médico traumatologista. Ao Diário, ele falou sobre futuros projetos, disse que pretende fortalecer a atenção básica e seguir o acompanhamento dos caso registrados de toxoplasmose. Harrison também retomou a importância de alguns cuidados em relação ao consumo de água, sobretudo, para as gestantes

Diário de Santa Maria _ O senhor acompanhou o surto da toxoplasmose na cidade? Passado esse período, qual sua leitura?
Francisco Harrison _
São duas coisas que não podemos esquecer. A primeira é que a toxoplasmose é pan-endêmica, existe no mundo todo e é de difícil controle. E a mulher que quer engravidar, tem de tomar cuidados. As de Santa Maria mais ainda. Os cuidados são não comer alimentos crus, e com as verduras deve-se fazer a cloração da água com água sanitária ou produtos específicos. Temos um projeto com a Vigilância Sanitária junto da UFSM, no qual estamos dando todo apoio para qualificar os restaurantes quanto aos riscos sanitários. Quanto à água da Corsan, estamos trabalhando junto ao Vigiágua para que não aja outra contaminação. Por exemplo: uma dada região fica sem água três ou quatro dias. Quando é religada será que tem risco? Estamos tomando esse cuidado para que não haja risco, para que a tubulação não fique aberta. Outra coisa, são as verduras cultivadas. Está sendo feita (pela Vigilância Sanitária) uma apostila para o agricultor que trabalha com hidroponia. 

Diário - E para população em geral, qual a orientação sobre tomar água da torneira?
Francisco Harrison -A água filtrada já evita inúmeras doenças. E sempre tem que fazer a manutenção do filtro. Quem não tem um filtro, tem de ferver a água e usar essa água no mesmo dia. Beber a água da torneira corre o risco de contagio, sim. Seja toxo ou outra doença com contaminante rápido. Pode haver um conserto (na rede de abastecimento) na rua e não será nem culpa da Corsan, pois a água é pronta para consumo, mas o ato de fervê-la é uma orientação no mundo todo (...) nunca se sabe como é a água da caixa d'água do prédio, se teve um cano rompido (...). A Corsan está dentro dos padrões que a legislação manda, mas o cuidado com água todo mundo deve ter.

Diário - Sobre os casos registrados de toxoplasmose, como está o acompanhamento?
Francisco Harrison - Não tenho os números atualizados, mas a medicação está vindo e as pessoas estão sendo tratadas. O Husm tem mais detalhes desses acompanhamentos. Na secretaria temos todos os relatórios.

LINHA DO TEMPO

  • Março de 2018 _ Cerca de 100 pessoas apresentaram sintomas da Síndrome Febril
  • 19 de abril de 2018 _ Depois de um vazamento de um documento da Vigilância em Saúde de Santa Maria, a prefeitura, por emio de uma coletiva, comunicou que cidade vivia um surto de toxoplasmose. A confirmação foi feita pelo Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Lacen/RS). O toxoplasmose teria causado os sintomas de Síndrome Febril
  • 20 de abril de 2018_ O primeiro boletim oficial aponta 21 casos c, sendo sete de gestantes. A prefeitura cobrou providênciasda Corsan, exigindo os testes de água de 2017 e 2018.
  • 24 de abril _ Criado o Ambulatório de Pacientes com Síndrome Febril. Oito amostras de água são encaminhadas ao Laboratório de Saúde Pública e Zoonoses da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
  • 25 de abril Husm cria dois ambulatórios para pacientes com suspeita de toxoplasmose
  • 26 de abril Corsan faz a primeira coleta de água em três pontos da cidade e na Estação de Tratamento
  • 22 de maio _Divulgado relatório por bairros com maior incidência de pacientes. A Região Oeste é a que mais atingida
  • 1º de junho _ Boletim aponta 485 casos confirmados, dois óbitos fetais e dois abortos. Dois bebês também tiveram toxoplasmose congênita 
  • 7 de junho _ O MPF entra com uma Ação Civil Pública contra a União para obrigar o Ministério da Saúde a fornecer os medicamentos aos infectados
  • 21 de junho _ 21 de junho _ Pela primeira vez, uma autoridade da área da saúde trouxe a público a afirmação de que o surto de toxoplasmose pode ter sido causado pela água. A afirmação do ministro da Saúde, Gilberto Occhi. O prefeito Jorge Pozzobom disse que a afirmação era irresponsável. Pouco tempo após a declaração do ministro, o Ministério da Saúde emitiu uma nota dizendo que a causa provável poderia ser a água, mas que outras origens, como consumo de carne suína, frango, carne bovina e frutas, permaneciam em análise. A Corsan antecipando a limpeza dos reservatórios da cidade
  • 29 de junho _ Novo boletim epidemiológico aponta 594 casos 
  • 17 de julho _ Técnicos do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua), do Ministério da Saúde, vêm a Santa Maria 
  • 5 de outubro _ Novo boletim aponta 777 casos
  • 10 de outubro _ Pesquisa do Laboratório de Doenças Parasitárias (Ladopar) da UFSM em suínos aponta que a água pode ser a principal fonte de infecção de toxoplasmose. Apesar disso, os resultados aindanão são conclusivos
  • 19 de outubro _Prefeitura ajuiza uma ação civil pública com pedido de dano moral coletivo contra a União Federal por conduta omissiva diante do surto, pedindo uma indenização de cerca de R$ 28 milhões por dano moral coletivo
  • 31 de outubro. Surto estabiliza e boletins não são mais emitidos
  • 18 de janeiro de 2019 _ 902 casos estavam confirmados, entre os mais de 2,2 mil casos notificados
  • 25 de janeiro _ Morre o primeiro bebê com toxoplasmose congênita 

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