Leandro
Brique da Vila Belga, Feira do Livro, invernadas de dança gaúcha, manutenção do Theatro Treze de Maio. Estes são alguns projetos e ações que são, parcial ou integralmente, realizados com a importante verba da Lei da Cidade Cultura.
Há 23 anos, a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) apoia empreendedores culturais na realização de projetos que visam à realização de eventos para fomentar o cenário cultual de Santa Maria. Só para 2023, 73 projetos foram aprovados. O edital, lançado em setembro de 2022, previu inicialmente a aprovação de 40 projetos culturais, distribuídos em cinco faixas orçamentárias distintas, totalizando mais de R$ 1,8 milhão. Porém, uma retificação posterior mais que dobrou o valor: o montante passou para R$ 4,1 milhões podendo ser distribuídos em 73 projetos, em sete faixas orçamentárias. A maior delas contempla 10 projetos de 100 mil reais, e a menor, 10 projetos de R$ 20 mil reais.
Mas diferente do que muitos podem pensar, os projetos não recebem esse valor integralmente da prefeitura. Trata-se de uma “autorização” para que os produtores culturais possam captar esse valor aprovado por meio de impostos de pessoas físicas, jurídicas e empresas do município, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), taxa cobrada de imóveis e terrenos localizados na cidade, por exemplo.
Funciona assim: um produtor cultural, artista ou instituição, como um museu ou teatro, planeja fazer um evento cultural – um festival de música, uma exposição, uma feira de livros, entre outros. Para tornar a ideia dele mais atrativa para patrocinadores, ele pode submetê-la à análise da Secretaria de Cultura, para receber a chancela da LIC. Se a proposta apresentada for aprovada, o produtor vai poder captar recursos junto a apoiadores (pessoas físicas e empresas) oferecendo a eles a oportunidade de abater aquele apoio dos impostos. A prefeitura faz, então, uma renúncia fiscal, que representa de 3 a 5% do seu orçamento anual, ou seja, abre mão de recolher aquele imposto, para que ele seja direcionado à realização de atividades culturais propostas pelos projetos aprovados na LIC.
DUAS DÉCADAS DE APOIO
Em execução há 23 anos, a Lei de Incentivo à Cultura é uma política pública de fomento presente na Cidade Cultura desde o final da década de 1990. A cidade é uma das pioneiras na proposição de uma lei própria de estímulo ao setor, uma vez que a Lei de Incentivo do Estado foi criada em 1996.
Conforme o contador Adilson Catto, desde a Lei dos Incentivos, de 2003, a captação por parte dos projetos culturais se dá por meio do recolhimento de até 30% do valor dos impostos de ISSQN (Imposto sobre serviços de qualquer natureza), taxa cobrada de empresas prestadoras de serviços e profissionais autônomos, IPTU e ITBI (Imposto de transmissão de bens e móveis) taxa cobrada pela venda e compra de imóveis. Para o IPTU, a documentação deve ser encaminhada até 31 de janeiro de 2023, uma vez que o pagamento ocorre em 10 de fevereiro. Também só podem contribuir aqueles que pagam o IPTU em cota única, ou seja, não o dividem em parcelas. Já o ISSQN e o ITBI podem ser direcionados ao longo do ano, já que os pagamentos são divididos mensalmente.
– Quem tem interesse em fazer a destinação de parte de seus impostos aos projetos culturais aprovados deve procurar a entidade ou o agente de fomento e manifestar a intenção. Eles irão providenciar o passo a passo, que é simples e rápido – explica Catto.
Companhias teatrais, entidades e produtores culturais da cidade estão em campanha no mês de janeiro para que pessoas físicas, jurídicas e empresas da cidade destinem os impostos aos seus projetos aprovados, principalmente no caso do IPTU. A Cia. Retalhos de Teatro terá dois projetos executados com o apoio da LIC este ano: o Passageiros da Alegria e o Retalhos em Cena. Assim como a companhia Teatro Por Que Não?, por exemplo, eles estão fazendo campanha nas redes sociais para que o IPTU seja destinado aos seus projetos aprovados.
– A importância desse apoio é imensa. São projetos que movimentam e fomentam mais ainda a cultura santa-mariense. Além de ser o trabalho dos artistas e empreendedores, todos saem ganhando na cidade: os artistas e o público – conta Helquer Paez, da Cia. Retalhos de Teatro.
CIDADE DE TODAS AS CULTURAS
Rose Carneiro é secretária de Cultura de Santa Maria. Foto: Renan Mattos (Diário/ Arquivo)
Conforme a secretária de Cultura, Rose Carneiro, a Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria possibilita o acesso ao financiamento, à produção e ao usufruto de produtos culturais, promove, por meio de projetos, a proteção das expressões, dos modos de criar, fazer e viver, a preservação dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico local.
– São as ações culturais propostas pelos projetos nestes mais de 20 anos, que despertaram e despertam a consciência e o respeito aos valores culturais da nossa cidade; assim como a produção e difusão de bens culturais, formadores e informadores de conhecimento – diz Rose.
Ao longo destes mais de 20 anos, a lei apresentou impactos e desdobramentos positivos na produção cultural de Santa Maria, legitimando a cultura como um setor econômico importante no município. Segundo a secretária, os recursos destinados aos projetos nos últimos anos, geraram um impacto na economia da cultura, que envolve diversos segmentos, como transporte, serviços gráficos, da indústria cosmética, têxtil e gastronômica, por exemplo. Além da geração de trabalho e renda que incrementa a economia local, para uma ampla cadeia artística e também retorna ao município em forma de tributos.
Conforme Rose, a pasta está preparando um material sobre os projetos em captação. Porém, segundo ela, esse trabalho (de captar) é realizado por cada proponente e de responsabilidade do mesmo e a secretaria tem feito, constantemente, a publicidade da importância da lei e dos projetos beneficiados.
O Royal Plaza Shopping destina parte de seus impostos a projetos culturais desde a inauguração, em 2009. Para Ruy Giffoni, gerente-geral do shopping, isso não deixa de ser uma forma de retribuir à comunidade tudo que ela faz pelo shopping. A empresa já foi, inclusive, agraciada com o prêmio Amigos da Cultura, realizado anualmente pela secretaria de Cultura. Empresas como Unimed Santa Maria, Hotéis Dom Rafael, Clínica Viver, Centro de Formação de Condutores Viacentro, Pampeiro Automóveis e Pampeiro Caminhões, Banco do Brasil Agência UFSM, Cans Diagnósticos e Ipiranga Serviços Funerários, Cartório de Imóveis de Santa Maria, Rek Parking, Superauto Comércio de Veículos, Cartório de Camobi, Banco do Brasil Agência Centro, Roveda Hotéis, Grupo Felice, Sul Veículos Fiat, Construtora Jobim e Instituto São Lucas também receberam o prêmio.
– A atividade cultural tem vários ganhos. Nós apoiamos o setor através da LIC porque ela canaliza e organiza todo esse esforço, que retorna para a comunidade local. Ao longo dos anos, nós temos incentivado ações do Theatro Treze de Maio, do Coral Illumina, da associação do Beco da Tela, tudo é muito importante e tem nos dado resultados muito bons de satisfação e reconhecimento – resume Ruy.
NOVATO
Cássio Fernandes, professor universitário e proprietário do bar Gárgula, submeteu pela primeira vez um projeto à Lei de Incentivo à Cultura. E para sua grata surpresa, o Circuito Gárgula Underground 2023 foi aprovado para captar R$ 30 mil reais. Ele conta que o objetivo do projeto é dar espaço para bandas autorais de metal de Santa Maria.
– O cenário underground, apesar de ser muito forte, normalmente não tem espaço. A ideia é reverter isso. Santa Maria é uma cidade conhecida por ter boas bandas de metal autorais. A ideia do projeto é realizar uma série de shows. Está previsto que, a partir de junho, uma vez por mês, teremos eventos com mais de uma banda da cidade. E prevendo também um cachê interessante para as bandas. É muito comum no meio do rock e metal, bandas com boa produção, mas pouca valorização. Queremos valorizar também através do pagamento dos artistas. Há um público renovado pós-pandemia. O projeto vem para unir a vontade das bandas de tocar, com a valorização das bandas e a busca do público por esse tipo de evento.Cássio considera todo o processo de inscrição na Lei e a posterior captação bastante burocráticos, mas também entende que é necessário, principalmente no momento da prestação de contas.
– Não foi fácil, dá certa dor de cabeça organizar tudo. Inscrevi o projeto, fui juntando interessados, busquei assinaturas, e, no fim das contas, deu certo. Esperamos agora conseguir captar. Muitos pensam que vamos ganhar da prefeitura esse valor , mas temos um mês pra conseguir captar, é tudo bem burocrático, tem muitos documentos e questões. O que estamos fazendo agora, através de clientes, prestadores de serviço do bar e conhecidos, é ir juntando. Esperamos conseguir até o final do mês pelo menos 50%, mas claro que vamos buscar o valor integral, para que o evento ocorra como o planejado.
Para o empreendedor foi uma surpresa, de certa forma, a retificação do edital que mais que dobrou o valor destinado. Cássio considera a LIC extremamente importante.
– Vemos que muitos eventos importantes e que hoje fazem parte do calendário cultural de Santa Maria foram financiados pela Lei. Ainda mais que o setor ficou praticamente parado durante a pandemia, foi um setor que sofreu muito, quando houve o aumento da verba foi muito bem-vindo porque possibilitou contemplar muito mais projetos. Isso é bem importante porque os projetos ficam conhecidos e marcados na cidade, com a possibilidade de realização de novas edições – finaliza.
EXPERIÊNCIA
Paola Matos foi uma das grandes vencedoras do 38º Festival de Músicas Carnavalescas e 2º Festival de MPB, projetos de Iara Druzian. Foto: Nathália Schneider (Diário)
A produtora cultural Iara Druzian trabalha com projetos na LIC há quase 10 anos. Este ano, ela teve três projetos aprovados no edital: O 39º Festival de Músicas Carnavalescas e 3º Festival de MPB, que conseguiu a aprovação para captar o valor máximo, R$ 100 mil; o Jardim de Todos Nós, que prevê encontros, oficinas e palestras com professores da rede municipal de ensino; e a 2ª edição da Festa dos Tropeiros e Tropereada da Canção Nativa, no distrito de Arroio do Só. Iara é pioneira na captação de recursos e se orgulha de sempre ter conseguido 100% do valor para a realização de seus projetos:
– Este mês de janeiro, destinamos para isso: buscar os incentivadores culturais para os projetos. Claro que já temos uma carta de grandes apoiadores de anos anteriores, então, são esses que buscamos primeiramente e, depois, se não fechar, temos que abrir novos campos de trabalho.
Este ano, uma instrução normativa da LIC estabeleceu que os projetos devem captar pelo menos 50% do valor aprovado até o momento de sua realização. Por exemplo, conforme Iara, a 2ª edição da Tropereada está programada para ocorrer em maio, logo, até lá, ela precisa ter captado pelo menos 40 mil dos 80 mil reais liberados para o projeto. Caso não consiga o valor integral, o projeto pode ocorrer com readequações.
Iara Druzian considera de extrema importância a Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria. Primeiramente, pelo ato de a prefeitura fazer a renúncia fiscal, cumprindo a lei e oportunizando o crescimento da cultura na cidade.
– Também é muito gratificante o apoio das pessoas físicas, jurídicas e empresas que entendem a importância e acabam se voltando para incentivar os projetos culturais. São 30% do valor devido em impostos que é abatido, mas a gente sabe exatamente para onde ele vai: para os eventos da nossa Cidade Cultura.
DESAFIOS
A LIC possibilita espaços como o “Livro Livre” que já recebeu nomes como a escritora e jornalista Eliane Brum. Foto: Pedro Piegas (Diário/ Arquivo)
A produtora cultual Denise Copetti teve os projetos Espaço Cultural da Feira do Livro 2023 e Arte e Cultura Gaúcha 2023, que serão oficinas de acordeon, aprovados pela LIC para serem realizados esse ano. Segundo ela, ambos já estão praticamente captados integralmente. Mas Denise também trabalha em parceria com a TV OVO, que aprovou outros quatro projetos. Para estes, a tarefa de captação está sendo intensa, mesmo trabalhando com captações de leis de incentivo e editais de apoio à cultura desde 2003.
– Começamos mandando mensagens a quem já é o nosso apoiador, tem uma lista de pessoas que já nos apoia há muito tempo, aí perguntamos se podemos contar com o incentivo deles novamente. Porém, às vezes muda a situação, por exemplo, e não pagam mais o IPTU em cota única, então é importante estar sempre atento – conta Denise.
Conforme a produtora cultural, janeiro sempre é um mês corrido, é mais complicado conseguir novos incentivos. Como esse ano teve um montante muito maior, ela conta que houve uma preocupação se iria conseguir realizar a captação integral dos projetos.
– Tem muitas pessoas que já pagaram o IPTU , até porque vão viajar, etc. O que falamos é: se ainda não pagou e vai ser em cota única vamos conversar, que aí agilizamos a parte da burocracia.
Denise relembra que há projetos culturais já tradicionais de Santa Maria que não teria como fazer sem os incentivadores. Ela menciona que a parte cultural da Feira do Livro é totalmente realizada através da LIC.
– E é uma coisa que movimenta muito. São 16 dias de espetáculo e atrações e esse ano iremos comemorar as 50 edições da feira, então é muito importante. Às vezes, é complicado conseguir o recurso direto com a empresa, então essa renúncia fiscal da prefeitura facilita muito. Empresas como a Rede Vivo, a Unimed, a Clínica Viver, a Eny, bancos, são empresas que sabemos que podemos contar. Tem empresas que conseguem apoiar vários projetos e isso é o mais bacana, não precisa destinar tudo para um só.
Ela finaliza reforçando que é um desafio, mesmo para produtores culturais veteranos, o processo de captação, porque é um período de férias em janeiro e eles precisam permanecer em Santa Maria, fazendo os contatos.
– Se não trabalhamos janeiro e fevereiro, não tem trabalho para o restante do ano. É preciso captar para desenvolver durante todo um ano. Então todo mundo tem que estar trabalhando agora. O desafio maior também é tornar a LIC mais conhecida pela população, para que as pessoas saibam que elas podem fazer a diferença e confiar nesse trabalho, afinal é um imposto que deve ser pago obrigatoriamente.
Divulgados os projetos aprovados pela Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria