Vereador, duas vezes ex-prefeito de Santa Maria, duas deputado federal e no seu quarto mandato pela Assembleia Legislativa, onde também é presidente, ele substitui o atual chefe do Executivo gaúcho, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), que deverá cumprir atividades fora do Estado. Isso ocorre porque, atualmente, o Estado não tem vice, já que o governador Eduardo Leite (PSDB) renunciou ao cargo em março de 2022, e Ranolfo, então, assumiu de comandante do Estado. Já a presidência da Assembleia será assumida pelo 1º vice-presidente, deputado Luiz Marenco (PDT).
Na história do Parlamento gaúcho, políticos da região já assumiram o posto, entre eles Walter Jobim e Júlio de Castilhos. Outros nomes também atuaram em cargos, com forte influência e deixaram marcas na história e na política, como é o caso de Alberto Pasqualini e Fernando Ferrari.
Foto: Arquivo Diário
Cacife político
As trajetórias políticas do Rio Grande do Sul, conforme cada conjuntura, expressam a diversidade das correntes políticas em cada época, mesmo que haja a clássica marca de situação x oposição em cada circunstância. Assim foi com Júlio de Castilhos (PRR), Walter Jobim (PSD), Alberto Pasqualini (PTB), Fernando Ferrari (PTB – MRT), Nelson Marchezan (Arena- PDS) e Valdeci Oliveira (PT), que expressam, cada qual, correntes políticas diferentes e conforme seu tempo histórico, segundo explica professor de história da UFSM Diorge Konrad. O professor é autor de cinco capítulos do livro “O Parlamento Gaúcho: da Província de São Pedro ao Século XXI”.
– O que os unifica é serem grandes lideranças locais e regionais que se tornam relevantes em nível estadual e até nacional. Portanto, assumir o governo do Estado, mesmo que para atender ao preceito constitucional (o presidente da Assembleia assume, caso o governador e o vice estejam impossibilitados), aumenta o cacife político daquela que chega a este posto, ressaltando o poder simbólico de ter sido governador, mesmo que por algumas horas.
De acordo com Konrad, este quadro ainda ganha mais importância se o parlamentar que assume o governo venha da oposição, mas é necessário ressaltar a complexidade da situação política.
– Muitas vezes, como na atualidade, exige do pesquisador (e do cidadão) o entendimento de que a oposição também é diversa no espectro político, no caso atual, a esquerda e a direita, do atual governo estadual, em final de mandato, assim como do próximo. Ou seja, a oposição não é um grupo unívoco, pois o melhor é falar em oposições, o caso de Valdeci Oliveira no atual momento.
João Gilberto Coelho
Ex-vice-governador do Rio Grande do Sul (1991-1994) e um dos fundadores nacionais do PSDB, João Gilberto Lucas Coelho exerceu a interinidade no cargo de governador em muitas oportunidades, quando o então titular, Alceu Collares, precisava se ausentar.
Nascido em Quaraí, mas com trajetória política marcante no Coração do Rio Grande, onde foi vereador e formou-se em Direito pela UFSM, João Gilberto avalia que ocupar o governo do Estado temporariamente tem simbolismo de uma boa tradição na política gaúcha:
– O presidente da Assembleia é também um parlamentar da oposição e o entendimento jurídico hoje predominante é o de que, quando o governador não se afasta do território brasileiro, não precisaria passar as funções. Isso demonstra elevada convivência institucional e política entre diferentes correntes de opinião. Para Santa Maria, é uma honra: Valdeci é ex-prefeito e uma das grandes lideranças populares da região.
Enfrentamentos
O ex-governador ainda compartilha momentos importantes quando esteve à frente do Piratini.
– O titular usava esses períodos para despachar parte da burocracia que, à época, com menos recursos digitais do que hoje, acumulava-se em volumosos processos em papel. Mas, também tivemos de enfrentar emergências como uma grande enchente durante uma viagem de Collares ao Exterior – relembra João Gilberto, em entrevista ao Diário. Em 1991, Cezar Augusto Schirmer, ex-prefeito de Santa Maria, era presidente da Assembleia Legislativa e também chegou a ocupar a cadeira de governador por alguns dias.
“Com muita simplicidade, vou assumir essa tarefa para completar a história que já tenho”, diz Valdeci
Uma solenidade com transmissão do cargo, às 16h deste domingo, no Palácio Piratini, marcará a chegada de Valdeci Oliveira (PT) ao cargo máximo do Estado. Ele responderá como governador até as 17h da próxima terça-feira, data do retorno do governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB).
Na última quarta-feira, Valdeci conversou com o Diário por telefone e compartilhou percepções diante do inédito cargo, ainda que de forma interina, para sua trajetória pessoal e política.
Acompanhe:
Diário de Santa Maria – Com décadas de vida pública, o que este cargo significa no currículo?
Valdeci Oliveira – É um motivo de muita alegria, é importante para nossa luta, para nossa caminhada. É uma parte simbólica, pois são dois dias e pouco, mas é importante para o currículo da nossa vida. É muito positivo, mas claro que não vou inventar nada. Tenho dito para o pessoal que estou indo por confiança absoluta do governador atual, Ranolfo Vieira Júnior. Vamos lá para cumprir o que é estabelecido na legislação. Estou muito feliz de assumir neste período. Vou fazer uma quantidade grande de reuniões, audiências e conversas com muitos setores, mas não vou mudar nada nem inventar além daquele que é o trâmite normal do governo.
Diário – E é a primeira vez, pelo menos nesta gestão, que a oposição irá assumir o Piratini.
Valdeci – Sou radicalmente contra a qualquer tipo de golpe e tenho essa compreensão republicana de muito respeito e agradeço essa oportunidade do governador. Vou cumprir com responsabilidade. Quando saiu a notícia de que eu ia assumir (o Piratini), a primeira coisa que me pediram e que lotou a minha caixa (de e-mail) foram os pedidos para eu não permitir a privatização da Corsan. Falei: olha, essa não é a minha função. Temos opinião, mas estamos cumprindo o que estabelecem as regras. Cada momento é importante, e precisamos fazer o melhor possível. Mesmo que simbólico, vou poder contar na história que estive lá como governador e ficará nos anais do Piratini, que lá eu passei. Eu, com muita simplicidade, vou assumir essa tarefa para completar a história que já tenho escrito ao longo de muitos anos.
Diário – O senhor já tem agenda? Já elencou ações ou compromissos neste período como receber entidade?
Valdeci – Na terça-feira, vou tentar fazer uma reunião com as lideranças empresariais, com entidades, prefeito, presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria, reitores das universidades. Quero lançar um movimento em defesa das grandes obras que Santa Maria precisa. Possivelmente, faremos um almoço em Porto Alegre. A família estará presente na transmissão do cargo, minha esposa estará. Não tenho certeza se as filhas e os netos conseguirão, pois é durante a semana e fica mais complicado. Não quero fazer nada além, nada “demais”. Quero fazer do meu jeito simples, sem fazer qualquer uso errado deste espaço, e sim, para marcar um capítulo da nossa história. Tenho várias solicitações. Irei receber o Conselho Nacional de Saúde, o estadual e alguns municipais, que querem conversar comigo; vou receber um movimento de mulheres que lutam contra a violência e pelos direitos humanos; também o vice-governador eleito, Gabriel Souza; a bancada do PT, a nossa bancada do partido em Santa Maria e dentro do possível, quero receber todos aqueles que quiserem ir até o Palácio Piratini pra fazer foto ou conversar sobre o que, simbolicamente, significa esse momento histórico de governador por algumas horas. Coloco-me à disposição para as lideranças e a comunidade. Vamos dar um jeito de recebê-los com muito carinho, com respeito e com visão democrática. Pelo menos nestes dois dias e algumas horas será um palácio aberto para o acesso de quem quiser debater com a gente temas do Rio Grande.
Atribuições
Sempre que um governador de Estado é afastado ou ausenta-se do cargo, quem o substitui é o vice-governador. Caso, este também deixe o posto, mesmo que temporariamente – por motivo judicial, de saúde ou agenda política, caberá, então, a um deputado estadual, tendo de ser este o presidente da Assembleia Legislativa. Conforme o professor de História da UFSM Diorge Konrad, a norma é estabelecida pela Constituição Estadual:
– Em períodos curtos, geralmente consegue apenas representar o governo, sem tempo para enviar projetos de governo para a Assembleia, por exemplo. Então, para o momento, são mais despachos protocolares. Mas o lugar simbólico constrói um ganho político, com certeza.
Emblemáticos da região
Adriano Comissoli, professor do Departamento de História da UFSM, traça um breve contexto de nomes emblemáticos da região, da cidade ou radicados em Santa Maria que lideraram o Piratini ou tiveram grande influência política. Entre eles, Alberto Pasqualini, Fernando Ferrari, Júlio de Castilhos e Walter Jobim.
Alberto Pasqualini
Natural de Ivorá, 1901, foi um dos grandes ideólogos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi vereador em Porto Alegre (1934-1937), secretário de Interior e Justiça do Rio Grande do Sul (1944-1945) e senador (1951-1956). Concorreu ao governo do Estado em 1946, mas foi derrotado por Walter Jobim.Participou de um conspiração contra o governo de Getúlio Vargas em 1932, trabalhando para adquirir partidários em Santa Maria, onde deveria ocorrer a paralisação dos trens. O fracasso do movimento provavelmente conduziu Pasqualini à prisão por alguns dias, até que uma anistia foi negociada. Sua maior atuação deu-se na elaboração das ideias do programa do PTB, defendendo os trabalhadores urbanos. Redigiu as “Diretrizes fundamentais do trabalhismo brasileiro”, que foram incorporadas ao partido e terminaram por influenciar o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Na atuação de senador foi um dos grandes defensores da Petrobrás diante das multinacionais que exploravam o petróleo brasileiro, incoporando a cláusula que determinou o monopólio estatal do petróleo. Sua preocupação era a de criar um fundo de riquezas que pudesse ser convertido em benefícios aos trabalhadores.
Júlio de Castilhos
Natural de São Martinho da Serra, na época distrito de Cruz Alta, 1860. Desempenhou as profissões de advogado e jornalista. Foi deputado constituinte em 1890, participando da elaboração da Constituição Federal. Foi presidente do Estado do Rio Grande do Sul – como então se chamava – em 1891 e, depois, de 1893 a 1898. Redigiu praticamente sozinho a Constituição do Estado em 1891. Seu governo foi marcado pela perseguição violenta aos opositores e pela luta chamada Revolução Federalista (1893-1895), marcada por combates e assassinatos. Distinguiu-se enquanto editor do jornal A Federação, órgão de difusão do Partido Republicano Riograndense, o qual Castilhos dirigia com mão de ferro e inspirado por ideias do positivismo. Durante parte de seu governo, o intendente de Santa Maria foi o coronel Francisco de Abreu Vale Machado (1892-1900).
Walter Jobim
Nasceu em Porto Alegre, em1892. Governador do Rio Grande do Sul entre 1947 e 1951, a partir da redemocratização do Brasil após a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1955), quando eram nomeados interventores pelo governo federal. Atuou como juiz distrital de São Borja e Santa Maria em 1914. Foi responsável por convencer e organizar os oficiais militares de Santa Maria numa conspiração datada de 1926, que visava se opor à posse do presidente Washington Luís. Na véspera da posse presidencial, os oficiais militares atacaram o quartel da Brigada Militar, tendo a corporação reagido violentamente. O movimento foi derrotado no mesmo dia, recebendo o apelido de Coluna Relâmpago. Em 1930, apoiou o movimento armado que conduziu Getúlio Vargas à Presidência. Após alguma oposição a Vargas, foi eleito deputado federal em 1934, mas renunciou após 4 dias de mandato em favor do equilíbrio de participantes na coligação chamada Frente Única Gaúcha. Foi também secretário de Viação e Obras Públicas entre 1937 e 1943.
Fernando Ferrari
Nasceu em São Pedro do Sul (RS), à época, distrito da cidade de Santa Maria, em 1921. Filho de agricultores, formou-se pela Faculdade de Ciências Econômicas de Porto Alegre e, em 1946, pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, lecionou economia política na Escola de Comércio de Santa Catarina. Com o processo de enfraquecimento do Estado Novo em 1945, Ferrari ajudou a fundar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual se filiou. Em janeiro de 1947, elegeu-se deputado à Assembléia Constituinte do Rio Grande do Sul. Eleito deputado federal pelo Rio Grande do Sul em outubro de 1950 para a legislatura de 1951 a 1955, foi reeleito em 1954 com mandato de 1955 a 1959 e escolhido vice-líder do PTB na Câmara. Ferrari concorreu às eleições para o governo do Rio Grande do Sul, vencidas por Ildo Meneghetti. Em março do ano seguinte, o Congresso aprovou um projeto de lei apresentado por Ferrari, cujo mandato já expirara, que, depois de receber algumas emendas, veio a transformar-se no Estatuto do Trabalhador Rural. Largamente inspirado na CLT, o estatuto procurou sistematizar a regulamentação das condições políticas e econômicas dos contratos de trabalho na agricultura brasileira. Fernando Ferrari faleceu no dia 27 de maio de 1963, vítima de desastre aéreo em Três Cachoeiras (RS). Como homenagem, foi atribuído seu nome ao Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, que se chama Centro Administrativo Fernando Ferrari, onde ficam diversas secretarias do Estado.
*Por Adriano Comissoli. Com informações da FGV eportal da Cãmara dos Deputados
Ajudar o país no combate à fome e ao desemprego é desafio do chefe do Piratini, aponta o ex-governador Tarso Genro
Ex-governador do Estado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Tarso Fernando Herz Genro nasceu em São Borja, mas foi em Santa Maria que começou a trajetória política em 1968, aos 21 anos, ao ser eleito vereador pelo MDB. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Seu pai, Adelmo Simas Genro, havia sido vereador e era vice-prefeito, pelo PTB, da cidade à época do golpe militar de 1964. Advogado, professor universitário, e político, foi duas vezes prefeito de Porto Alegre e ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça durante o governo Lula. Em 2010, tornou-se governador do Rio Grande do Sul no primeiro turno, com mais de 54% dos votos válidos. Foi o primeiro governador a ser eleito em primeiro turno, desde a criação da eleição em dois turnos. Em entrevista ao Diário, ele fala da sua relação com Santa Maria e as responsabilidades do cargo de governador.
Entrevista:
Diário de Santa Maria – Sua trajetória política passa e tem consolidação em Santa Maria. Comente como esta vivência foi compartilhada em quatro anos de Piratini?
Tarso Genro –Fizemos um trabalho permanente com a comunidade política, com empresários, com suas comunidades da academia e da intelectualidade. Sempre fui respeitado e acolhido nesta, que é uma das minhas cidades de formação e onde meus pais e alguns dos meus irmãos viveram por muito tempo. Gosto muito de Santa Maria e toda a minha formação política e acadêmica, junto com meu irmão Adelmo, Beto São Pedro, Paulo Pimenta e Marcos Rolim, entre outros, está encravada na história dos meus pais e irmãos aí na cidade, bem como nas lutas históricas que os ferroviários desenvolveram no período em que Santa Maria foi um dos centros mais importantes do país, neste tipo de transporte.
Diário – Outros governantes atuaram em outros momentos históricos. O senhor governou de 2011 até o final de 2014. Embora recente, aconteceram mudanças na realidade sociocultural, política e econômica do Estado e do país. Quais os maiores desafios para quem ocupa o cargo a partir deste momento?
Tarso – Ajudar o país a se recuperar, economicamente, combatendo a fome e o desemprego, buscando as novas alternativas de crescimento e distribuição de renda, que já tínhamos alcançado nos períodos de governo do presidente Lula. E ajudar o país a recuperar-se do assédio do fascismo, com o diálogo democrático, a concertação política e a tolerância, que leva ao respeito mútuo, calçado pelos valores da Constituição.
Diário – Apesar de ser uma cidade que forja e exporta muitos políticos, na sua avaliação, por que Santa Maria tem dificuldades em ter protagonismo no Estado?
Tarso – Principalmente porque tem uma grande parte do seu empresariado que é extremamente atrasado, que desconhece as relações do país e do Estado com o mundo e que ainda vive em torno dos valores da “guerra fria” e também em função de um gauchismo de bravata (não do verdadeiro espírito gaúcho que vem de Bento Gonçalves, Pinheiro Machado, Getúlio, Jango e Brizola), embora tenha uma das melhores universidades do país. Isso ficou patente com a pálida reação da sua elite empresarial e política – vinculada à direita – quando o famoso “Véio da Havan” fez, em Santa Maria, um discurso nitidamente fascista contra a UFSM, fala humilhante que não teve paralelo em nenhum momento da história da cidade, com a ampla maioria das suas “elites” permanecendo em silêncio obsequioso.