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Ao completar sete anos do incêndio, caso Kiss ainda está longe de um desfecho

Dandara Flores Aranguiz e Marcelo Martins

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Germano Rorato (Arquivo Diário)

Da perplexidade ao estarrecimento dos fatos que levaram à tragédia de 27 de janeiro de 2013, os desdobramentos daquela madrugada são difíceis de serem colocados numa linha do tempo, inclusive, por quem vive e acompanha os capítulos que se sucederam (e que ainda reverberam) quase que com a mesma velocidade da faísca que desencadeou o incêndio ao encontrar a espuma tóxica, que revestia o forro da casa noturna. 

Ao completar sete anos, nesta segunda-feira, o caso Kiss, chega ao ano de 2020 com a expectativa de ser o começo do desfecho do processo principal (que é o criminal). Após idas e vindas judiciais - desde à análises de recursos dada à complexidade e a tramitação do caso -, o Tribunal de Justiça (TJ) gaúcho definiu, neste mês, a data de julgamento de três dos quatro réus: 16 de março no Centro de Convenções da UFSM. 

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O juiz Ulysses Fonseca Louzada, titular da 1ª Vara Criminal da comarca do município e do Tribunal do Júri, decidiu que, nesta data, serão julgados os integrantes da banda Gurizada Fandangueira (Luciano Bonilha Leão e Marcelo Jesus dos Santos) e o empresário Mauro Hoffmann (sócio da boate).

Porém, como a defesa do quarto réu (o também empresário Elissandro Spohr) conseguiu, no mês passado, levar o julgamento dele para Porto Alegre (em data a ser definida) - por meio do chamado desaforamento (ou seja, será julgado fora de Santa Maria) -, os advogados de outros dois réus (Marcelo de Jesus e Mauro Hoffmann) decidiram seguir pelo mesmo caminho. O que deve ser decidido pelo TJ até a data-limite (16 de março.) Por enquanto, as defesas deles tiveram negados os pedidos de suspensão da data do júri, que vinha sendo pleiteado.

Era tudo o que a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) não queria, ainda que soubesse que isso poderia ocorrer. Ou seja, ver os réus serem julgados na capital gaúcha por um outro juiz e com diferentes jurados. Na tentativa de ver os quatro réus sendo julgados em Santa Maria, associação e Ministério Público apresentaram recurso especial no próprio TJ e, de forma extensiva, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra o deferimento do pedido de desaforamento dado a Spohr. Exaustos, devido à longa espera do julgamento, pais e familiares dizem não entender as últimas decisões do TJ. 

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COMEÇO DE TUDO
Esse é o mais recente capítulo de uma longa epopeia jurídica. A reportagem repercute com especialistas os principais fatos dessa longa batalha que, até o ano passado, se desdobrou nos tribunais tendo como questão central o enquadramento do crime cometido pelos réus: doloso (quando há intenção de matar) ou culposo (sem intenção)?

Criminalistas falam das variáveis que ainda podem reservar tanto ao Tribunal do Júri (que é o foro para crimes de homicídio) à possibilidade de nulidade do júri e de eventuais decisões futuras acerca do processo. Por tudo isso, todos são consensuais que o caso Kiss, na esfera judicial, tem em 2020 o começo do fim. Mas o término, de fato, com o trânsito em julgado (quando não cabe mais recursos), deve se dar em um horizonte maior.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Renan Mattos (Diário)

A CORRIDA RECURSAL DAS DEFESAS NOS TRIBUNAIS
Depois que Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, conseguiu junto ao TJ que o cliente dele seja julgado em Porto Alegre (ainda que não haja data definida), as defesas dos demais réus (Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Hoffmann) seguiram o mesmo caminho. Ambas solicitaram, em caráter liminar, a suspensão da data do julgamento (que será em 16 de março). Também foi requerido o pedido de desaforamento concedido a Spohr e que possibilitará que ele seja julgado por outro juiz e por outros jurados na capital gaúcha.  

A sustentação das defesas se valeu da alegação que um júri popular, em outra comarca, seria a garantia da imparcialidade dos jurados, além de observar a própria integridade física deles e ainda a segurança dos envolvidos. Porém, o TJ negou aos dois réus a liminar que solicitava a suspensão do julgamento. Para isso, o desembargador Honório Gonçalves da Silva Neto, que indeferiu a liminar, alegou que "mesmo em caso de acolhimento do pleito, seria mantido o julgamento de um dos réus (no caso, o Luciano)". Segundo a decisão, o pleito de desaforamento será apreciado antes do dia 16 de março pela 1ª Câmara Criminal, não havendo necessidade, agora, de suspensão do julgamento.

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Também na semana que passou, em mais um recente desdobramento judicial, o MP e a AVTSM ingressaram com um pedido de recurso especial, junto ao próprio TJ e no STJ, para derrubar o deferimento do réu Spohr e, assim, trazê-lo para ser julgado em Santa Maria. Peruchin afirma que essa situação pode, sim, trazer mais um revés no processo principal.

- É possível que os tribunais superiores revisem a matéria e entendam que não há fundamento para a retirada do processo (de Spohr) da comarca de origem, que é Santa Maria. Dependerá da interpretação dos tribunais.

EFEITO
Mas também é possível que o desaforamento, dado a Spohr, venha a ser estendido aos outros dois réus que buscam o mesmo pleito, explica Peruchin. Assim, em tese, Spohr, Jesus dos Santos e Hoffmann seriam levados à júri em Porto Alegre, ficaria apenas Bonilha em Santa Maria.

- Cada pedido (de desaforamento) será julgado individualmente pelo TJ. Se as razões forem de natureza objetiva é provável que o julgamento fora da comarca, de um dos réus, seja estendido aos demais. E, assim, só o outro (júri) seria em Santa Maria.

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ORIGEM E REVÉS
O embate jurídico em torno do processo criminal começou em 2017. À época, o 1º Grupo Criminal do TJ afastou a classificação das mortes na tragédia como homicídio com dolo eventual (quando o risco de matar é assumido, ainda que sem intenção). Naquela oportunidade, como houve empate em 4 a 4 por parte dos desembargadores, prevaleceu o benefício aos réus. Ou seja, eles seriam julgados por outro crime (como homicídio culposo e incêndio), cuja decisão caberia a um juiz criminal de Santa Maria e, assim, não haveria mais júri popular.

Isso mudou, no ano passado, depois que o STJ decidiu, por 4 votos a zero, que os quatro réus iriam à júri. Porém, foram afastadas as qualificadoras de meio cruel (fogo e asfixia) e motivo torpe (ganância). O que ainda cabe recurso da decisão no próprio STJ e também no STF - motivo de um recurso da defesa de Hoffmann, que aguarda análise. Em outubro, o juiz Ulysses definiu que os quatro seriam julgados em duplas em dois júris (para março e abril deste ano) na cidade. Porém, em dezembro, o TJ decidiu que Spohr seria julgado separado dos demais em Porto Alegre. Já em janeiro deste ano, o juiz Ulysses confirmou o júri popular dos outros três réus.

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Foto: Jean Pimentel (BD/Diário)

CENÁRIOS A SEREM CONSIDERADOS
O advogado Marcelo Peruchin, especialista em Ciências Criminais e pós-doutor em Direito Penal, ouvido pela reportagem explica quais são os cenários que podem acarretar em uma não realização do Tribunal do Júri (previsto para março) e, ainda, a possibilidade de que, uma vez realizado, o resultado do julgamento possa vir a ser anulado ou reformado (em sede de recurso).

Ao observar a data de 16 de março, Peruchin explica que o júri popular pode, inclusive, não ocorrer em março ao considerar duas hipóteses. A primeira delas, explica, é caso se tenha uma decisão favorável que ateste a incompetência do Tribunal do Júri para o julgamento. Já a segunda situação é a apresentação de uma liminar - por parte da defesa - que suspenda o julgamento. 

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Ainda assim, ele desenha quais são as outras nuances que precisam ser consideradas. Na hipótese de um réu que tenha recorrido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e também no Supremo Tribunal Federal (STF) ao buscar, porventura, a chamada desclassificação da conduta denunciada (por homicídio doloso), Peruchin explica que em havendo recurso pendente (da decisão de pronúncia), o júri não pode ser agendado.

- Em tese, é muito difícil que, até a data do júri, um recurso desses se mantenha pendente. Mas, caso isso aconteça é pouco provável que esse recurso influencie e venha a reverter a realização do Tribunal do Júri.

Ainda quanto ao próprio júri popular, uma vez realizado, Peruchin diz que esse julgamento é passível de embargos declaratórios e também de apelação.

- Quando houver nulidade processual, seja no julgamento ou no processo e que seja relevante, o TJ ao analisar o recurso de apelação pode, sim, decretar a nulidade do julgamento do Plenário ou qualquer outra nulidade relevante no processo.

LIMINAR
Peruchin observa, no entanto, que se o recurso não tiver sido julgado até a data do julgamento, é possível e cabível que a defesa deverá se valer de algum instrumento que suspenda o júri do réu. 

- É bem provável que a defesa ao observar que o julgamento está chegando e que não se teve ainda a análise do recurso, é cabível que a defesa provoque o relator, seja no STJ ou no STF, para que então conceda uma liminar e suspenda o Plenário (de todos os réus) até o julgamento do recurso. Se, claro, o relator indeferir isso é porque, aí, o júri irá ser realizado.  

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