Artigo

A espada dos céus contra os canalhas

James Pizarro

Nos últimos dias, fui a seis velórios. Acompanhei seis enterros. Queridos amigos meus. Alguns deles, amigos há de mais de 50 anos. Contemporâneos de universidade. Pensei até em citar os nomes de todos. Fazer uma síntese de suas vidas. Como forma de homenagem derradeira. Uma forma de lembrar aos familiares que foram importantes. Numa época de corações duros. De memórias fracas. Onde as instituições e as pessoas olvidam dos outros em menos de semana. Esses amigos – ao cabo de tudo – ficarão vivos no coração de suas viúvas. De algum filho mais sensível. Um netinho mais chegado. No coração do cronista patologicamente chorão. 

Mas desisti de falar sobre a vida particular de cada um. E resolvi lembrar o assunto que mais falávamos em nossas conversas. Tanto no Calçadão. No cafezinho. Nas filas da lotérica. Nos bancos da praça. O assunto preferencial de nós todos acabava sendo sempre o Brasil. A situação do país. Os políticos. A corrupção. Os escândalos sem fim. A Lava Jato. Os cargos de confiança. As assessorias. Os meus amigos morreram sem saber que as universidades federais brasileiras só têm verbas até setembro. E que já estão demitindo funcionários. Extinguindo bolsas de ensino e de extensão. Gente da portaria, copa, garagem, jardins. Na UFSM, já demitiram mais de meia centena de vigilantes.

Os meus amigos – alguns deles funcionários públicos federais – morreram sem saber que o (des)governo federal está planejando dar um calote e adiar, para o segundo semestre do ano que vem, o aumento prometido para algumas categorias, já que outras foram esquecidas.

Os meus amigos morreram sem saber que os ministros do governo já realizaram este ano (até segunda-feira, dia 24) 1.112 viagens em jatinhos da FAB, que fazem parte do chamado GTE – Grupo de Transporte Especial, responsável pelas viagens de autoridades no Brasil. 

Os meus amigos morreram sem saber que o Impostômetro registrou, até a semana passada, o recolhimento recorde de impostos no Brasil: este ano, o nosso povo já pagou para o governo 1 trilhão e 400 bilhões de Reais!

Os meus amigos morreram sem saber que a gasolina subiu de novo, um juiz mandou baixar, mas o governo federal recorreu e, prontamente, ela subiu de novo! E que, agora, virá a ciranda de aumentos de passagens de ônibus, táxis, fretes.

Os meus amigos morreram sem saber da pesquisa do Ibope, que deu um percentual de aprovação ao presidente de apenas 5 %.Os meus amigos morreram sem entender como arrecadam tanto imposto nesta fúria tributária – alegando faltar dinheiro em caixa – e abrem os cofres do Brasil para as emendas dos parlamentares às vésperas da votação que decidirá o futuro do presidente.

Os meus amigos morreram na esperança de ver um Brasil feliz. A maioria deles não tinha partido, assim como eu. Calejados. Aposentados. Céticos. Contavam apenas com a esperança. A fé. O desejo íntimo de que surja um milagre. 

Os meus amigos morreram acreditando que a espada dos céus vai se abater sobre os canalhas. Que assim seja! 

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