Política

Como o parcelamento de salários está afetando a vida de servidores

José Mauro Batista

O choro de uma professora ao telefone resume a situação dramática de boa parte dos servidores públicos estaduais. Ao ser contatada pelo Diário para esta reportagem, ela decidiu não falar "por vergonha e constrangimento".

– Já fui alvo de deboche, inclusive de alunos. É muito humilhante – desabafou a professora ao telefone.

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A atitude da professora revela a situação angustiante vivida por milhares de funcionários públicos que têm salários parcelados pela 21ª vez, desde que o governador José Ivo Sartori (PMDB) anunciou que não tinha dinheiro para pagar a folha de forma integral, em 2015.

Encontrar servidores dispostos a dar entrevista não foi tarefa fácil. Muitos, pelo constrangimento, mas outros, principalmente os ligados à Brigada Militar, temem represálias e até punições. Até mesmo familiares de brigadianos temem falar.

O chefe da assessoria de comunicação da BM no RS, major Euclides Maria da Silva Neto, explica que a BM tem regras próprias e diferenciadas e que cada caso é analisado, mas afirma que não há perseguição.

Não faltam relatos de endividamento e indignação em relação ao  descumprimento de um direito básico, que é receber pelo trabalho prestado. 

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– A vida da gente vira uma gangorra. É muito estresse e nervosismo – diz o funcionário de escola Julio Cesar de Almeida Alves.

– Mais de 60% do funcionalismo está no vermelho  – conta o professor Gilmar Nunes Corrêa.

O mês de agosto se encerrou com péssimas notícias para os servidores públicos estaduais. No dia 31 de agosto, o governo depositou R$ 350 na conta do funcionalismo, a menor parcela desde que ele começou a fatiar os salários. 

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O brigadiano que faz bico para sobreviver

Se a questão do salário se resolvesse hoje, a primeira coisa que o brigadiano C. M., que prefere não se identificar com medo de represálias,  seria ir ao mercado e comprar uma boa porção de carne bovina e guloseimas para os dois filhos, que têm menos de 10 anos. 

Na fase de se encantar pelo que veem e querer o que os amigos têm, os dois pequenos não sabem mais o que é ganhar um sorvete no fim de um passeio. 

A família não faz mais passeios de lazer, não viaja mais e, em vez de carne bovina, o pai compra frango e ovo no mercado, que são mais baratos.

– Eles reclamam de não passear, de não ganhar sorvete, de não ganhar presente – detalha o policial.

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A ausência, porém, não é só da fartura na mesa, mas também da presença do pai, o que tem afetado o relacionamento entre ele e os filhos.

– Durante a semana eu pouso, um, dois dias em casa. Tive que duplicar minha rotina de trabalho. 

Além de trabalhar na Brigada e fazer hora extra, eu faço outros trabalhos, e isso é ilegal, mas não tem outro jeito – desabafa o brigadiano.

Bico é alternativa

Para ele, a situação ilegal é pior do que estar desempregado, mas também não pensa em sair da Brigada Militar de Santa Maria. 

– A gente tem que continuar trabalhando porque é um serviço para a comunidade e a população não pode ficar à mercê da violência – comenta.

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Na avaliação dele, o cenário de violência de Santa Maria tem sido afetado pela situação que vivem os servidores do Estado, e não seria ele que abandonaria o barco agora. 

Além do trabalho ilegal, o que o perturba são os altos juros de cartão de crédito e a dívida do banco que têm se acumulado. 

Na entrevista ao Diário, ele não revelou o valor, mas contou que chega ao ponto de, às vezes, não saber como agir frente às dificuldades financeiras que tem enfrentado. 

Enquanto os filhos e a esposa sentem saudade do lazer, C. M. sente saudade de ter estabilidade salarial.

– Poder se planejar, poder pensar numa viagem, poder pensar em comprar o material escolar e saber que poderei pagar – conclui.

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Policial civil com apenas R$ 17 na conta

Com apenas R$ 17 disponíveis do seu limite no banco, o policial civil Bruno Alencar Etges, 44 anos, de Caçapava do Sul, diz que sua situação financeira está caótica. 

Ele conta que há meses cortou uma série de despesas e que faz malabarismo para sobreviver com o baixo salário que recebe de forma parcelada.

Bruno Alencar Etges, 44 anos, é policial civil em Caçapava do Sul. Com o parcelamento, não sobrou quase nada na conta Foto: Arquivo Pessoal / divulgação

– Estou com todas as contas atrasadas. Aluguel, conta de água e luz pago quando não há mais prazo. Até a pensão da minha filha está em atraso.

Ela é estudante e precisa da minha ajuda para se manter na universidade. Ainda bem que a mãe dela entende a situação, senão já tinha acionado a Justiça. Já cortei gastos com vestuário e outros que podia. 

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Não sobra para fazer uma reserva. Para comprar comida, conto com ajuda dos comerciantes da cidade que ainda me dão um crédito. Mesmo assim, é o mínimo necessário. Isso é humilhante. 

É vergonhoso. Além de a gente já trabalhar com pouco efetivo, com materiais precários, tentando resolver os problemas dos outros na delegacia, ainda temos de lidar com esses. Não há ânimo para trabalhar – desabafa o policial.

Segundo Etges, o seu desejo é de que pelo menos o Estado anunciasse as datas de depósito para que pudesse programar as contas. 

Ou então, que o governador sacrificasse todos os poderes (Legislativo e Judiciário também) com o parcelamento de salários.

Professor teme perder único imóvel

Servidor estadual há 31 anos, 17 deles no magistério, o professor de Sociologia nos colégios Olavo Bilac e Cilon Rosa, Gilmar Nunes Corrêa, 54 anos, teme perder o apartamento de dois cômodos que conseguiu adquirir no Bairro do Rosário.

Dos R$ 1,5 mil líquidos que recebe mensalmente, pouco sobra para as contas da casa. O contracheque já vem com um desconto de R$ 800, que ele paga de pensão à filha menor, de 9 anos.

Gilmar Nunes Corrêa é professor em duas escolas, mas com o pouco que ganha não tem como honrar compromissos Foto: Gabriel Haesbaert / NewCO DSM

Gilmar ainda tem de pagar R$ 640 do financiamento e condomínio do apartamento.  

O professor acabou pedindo empréstimo no banco e dinheiro emprestado a parentes. Virou uma bola de neve e ele teme perder o único imóvel que conseguiu comprar.

– Estou à beira da insolvência e vou ter que renegociar com o banco para não perder o imóvel, estou com prestações atrasadas. 

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Além disso, tirei empréstimos e o banco não quer nem saber. Este mês não paguei nenhuma dívida e não tenho mais dinheiro – relata Gilmar.

Antes de ser professor, ele era sargento da Brigada Militar, e no governo Alceu Collares (PDT) acabou aderindo ao Plano de Demissão Voluntária (PDV). Por isso, ele só tem o magistério como fonte de renda.

 Ele reclama que o governador José Ivo Sartori (PMDB), além de parcelar os salários, também está atrasando o pagamento.

– É muito complicado. Mais de 60% do funcionalismo está no vermelho – desabafa o mestre. 

Funcionário de escola não faz mais rancho

O agente educacional (cargo de serviços gerais) da escola Maria Rocha, Julio Cesar de Almeida Alves, 53 anos, teve de abrir mão do rancho mensal no supermercado por falta de dinheiro. 

Ele ganha R$ 1,3 mil no líquido e, mesmo não tendo filhos, vive uma situação bastante difícil. Com os R$ 850 que paga de aluguel e condomínio no apartamento onde mora, no Bairro Fátima, sobram R$ 450. 

Julio Cesar de Almeida Alves, serviços gerais em uma escola estadual em Santa Maria, também passa dificuldades Foto: Charles Guerra / New Co

Há 26 anos, essa é a única fonte de renda (ele tem contrato de 40 horas semanais). A mulher é manicure e trabalha como autônoma, juntando no máximo R$ 300 por mês.

O problema é que só para o banco ele está devendo R$ 2,1 mil, afora o que deve para terceiros que lhe emprestaram dinheiro.

– Tive que pegar dinheiro emprestado porque tenho uma renda que não dá para pagar minhas contas. Rancho a gente não faz, compramos por dia aquilo que é necessário. 

Os empréstimos com parentes eu consigo renegociar, vou pagando R$ 50, R$ 80, mas com o banco não tem como protelar – conta Julio Cesar.

Junto com os problemas financeiros, o parcelamento também trouxe doença. Por conta das preocupações, o funcionário de escola foi diagnosticado com úlcera nervosa.

– É estresse, nervosismo. A vida da gente vira uma gangorra – desabafa. 

Colaboraram Diogo Brondani e Suellen Venturini

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