Beto Albert
Panifício Mallet, no Distrito Industrial, produz cerca de 64 mil pães de xis por mês.
Há quem diga que o segredo está no pão. Ou, ainda, na qualidade da maionese e do ketchup. E tem quem afirme que não há mistérios: é o amor dedicado na montagem deste que ganhou o coração dos gaúchos e, especialmente, dos santa-marienses: o xis. O mercado que movimenta cerca de R$ 5 milhões por mês somente na venda do lanche deu motivos para que Santa Maria ganhasse o título de Cidade do Xis.
O montante comercializado representa mais de um xis por habitante do município por mês. Ao todo, mais de 300 mil pães recheados saem de trailers, barraquinhas e lanchonetes mensalmente, segundo dados Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Agências de Viagens e Turismo de Santa Maria e Região (Sindhturr).
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Dados da prefeitura de Santa Maria ainda mostram que há 457 cadastros de Microempreendedores Individuais (Meis) aptos a comercializar o lanche. Já o sindicato tem um levantamento que revela mais de 90 estabelecimentos da cidade trabalhando na produção da iguaria.
Do pão ao recheio
O mercado vai além do lanche que é entregue pronto para o consumo. Ele nasce com a fabricação daquele que é considerado como matéria-prima do sabor e leveza: o pão. Para a maioria dos chapistas, um bom xis depende principalmente de um pão de qualidade.
Pelo menos 64 mil pães de xis e mini-xis saem embalados por mês do Panifício Mallet, localizado no Distrito Industrial. A empresa, que nasceu como padaria com foco na produção do insumo, é atualmente uma das principais responsáveis pelo fornecimento do item a atacados, mercados e a lancherias. O processo de incorporar ingredientes, sovar a massa, bolear no formato ideal, assar e embalar não tem mistérios, segundo a coordenadora de qualidade, Luiza Nascimento:
- A diferença está no cuidado. O segredo é o amor e a dedicação de entregar o pão.
O pão de xis carrega peculiaridades que o caracterizam pela maciez e sabor. No Mallet, por exemplo, o pão é assado em forno a lenha. Além disso, outros cuidados são tomados para garantir a durabilidade do produto final, como informa o diretor executivo, Gabriel Machado:
- O pão de xis precisa suportar o trabalho na chapa, o recheio e os insumos dentro. Por isso ele não é muito alto e tem um tamanho específico para ser funcional, para que os chapistas possam entregar um bom produto. Carregamos uma responsabilidade enorme, porque contribuímos com o produto final, que é o xis.
São os donos de lanchonete que também movimentam a economia de redes atacadistas e supermercados, na busca por ingredientes em quantidades expressivas. Gerente de um atacado em Santa Maria, Claiton Aquino diz que a procura vai desde a farinha e misturas prontas, até o pão embalado e condimentos como bacon, calabresa, milho, ervilha, ketchup, mostarda e maionese. O faturamento com esses itens é de cerca de R$ 500 mil mensais.
Claiton, que também trabalhou em outras cidades, afirma que o mercado santa-mariense voltado a produção de xis é diferente de outro locais:
- Aqui sempre tivemos esse tipo de procura. O mercado é muito forte. Santa Maria supera, é uma busca muito maior que outras regiões.
Para além da economia, a tradição
São pessoas como o seu Bigode (como prefere ser chamado Paulo Eduardo, 59 anos), que tiveram a vida transformada através do lanche. O tradicional Bigode Lanches é um dos mais antigos ainda em funcionamento em Santa Maria e preserva, desde a década de 1990, a mesma receita de xis, com a exceção de novos temperos que foram acrescidos, como conta o empreendedor.
Bigode, que também foi um dos pioneiros na venda de lanche na rua – primeiro em uma camionete e hoje em um micro-ônibus – explica como faz um bom xis:
- Primeiro lugar é qualidade e higiene. Em segundo lugar, o atendimento. Também tem que ter bons ingredientes, um bom pão, uma boa maionese, um bom ketchup.
Em 33 anos trabalhando no ramo, o dono do trailer consegue descrever um cenário que, na sua opinião, favorece a popularidade da iguaria:
- É um lanche rápido. E na rua tem outro sabor. Quem mais consome são jovens. Estudantes que saem da faculdade e querem algo pra jantar. Também tem aqueles que estão passando pela rua e querem levar algo para a casa. De tardinha, tem muita família também procurando.
Assim como outros comércios, o xis também tem sua safra. Segundo o empresário, apesar da procura durante todo o ano, é no verão o período em que mais se vende o lanche.
O favorito que ganha paladares
Uma pesquisa realizada no início do ano pelo aplicativo de entregas de lanches Delivery Much mostrou que, em média, cada lanchonete tem 14 sabores diferentes de xis, mas há algumas que abusam da criatividade. A recordista é uma lancheria que tem 51 sabores diferentes à disposição dos clientes.
No entanto, o favorito pelos santa-marienses, de acordo com a pesquisa, segue sendo o xis completo (bife, queijo, ovo, alface, tomate, milho, ervilha, maionese, katchup e mostarda), com 21% dos pedidos. Em 2º lugar, vem o filé (20%), seguido pelo bacon (18%), frango (11%) e salada (9,9%). Os responsáveis por estes pedidos são, na maioria, jovens entre 20 e 29 anos (44%).
Além dos sabores variados, os ingredientes também contam. Entre os clientes, o eletricista Bruno Brum diz que o xis santa-mariense se diferencia dos demais por não ser "seco". Na visão dele, a grande responsável é a maionese:
– O xis em outros lugares é diferente, acaba sendo mais seco. O nosso é mais “molhado”, tem um sabor diferente, muito em função da maionese. É o principal ingrediente do xis de Santa Maria – argumenta.
Por ser considerado umn lanche "rápido", o xis também ganha pontos importantes:
– Eu adoro xis. É algo que chama a atenção aqui na nossa cidade. A gente passa na frente das lancherias, olha para ele (xis) e tem que comer, né? Chama muito a atenção, porque é um lanche rápido, além de ser muito gostoso – diz o ajudante de pedreiro Vitor dos Santos.
Um evento para consolidar a cultura
Desde 2023, o xis ganhou um evento exclusivamente dedicado a ele. Neste ano em que se realiza a segunda edição, haverá mais lanchonetes participando. Vinte empresas estão cadastradas para vender seus lanches na Vila Belga, entre sexta (27), sábado (28) e domingo (29).
A organização garantiu que as bancas venderão um padrão de xis, em tamanho menor que o convencional, no valor de R$ 15, para permitir a comercialização de vários sabores. Mas as lanchonetes estão livres a comercializar outros tamanhos também, que podem variar o preço. Quem visitar o local poderá participar da votação que vai eleger o "Melhor Xis" de Santa Maria.
Ao todo, serão 10 casas de xis, 10 food trucks, seis cervejarias e duas açaiterias. Segundo o presidente do Sindhtuur, Émerson Nereu, a expectativa é superar o público do ano passado - de 30 mil pessoas - e ainda planejar mais edições ao longo do ano:
- A ideia é que o evento ocorra quatro vezes ao ano. Essa é a cidade do xis, nada mais justo. Não tem classe social nem idade, é um lanche consumido por todos.
Apesar de já ser cultural, Nereu vê o mercado do xis como promissor na cidade:
- São empreendedores locais que fazem sucesso a nível nacional. Vemos diariamente turistas que estão aqui e fazem questão de provar nosso xis.