entrevista

'É preciso regulamentar serviços contábeis online' afirma presidente do Conselho Federal

Deni Zolin


Foto: Deni Zolin (Diário)
Presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) Zulmir Breda

Os desafios gerados pelo crescente uso de tecnologias, pela concorrência com serviços de contabilidade na internet e pelos conflitos éticos são alguns dos temas que preocupam os contabilistas. O presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o gaúcho Zulmir Breda esteve em Santa Maria, e a presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, Ana Tércia Rodrigues, abordaram esses e outros temas durante uma entrevista ao Diário.

Segundo Breda, já há no país empresas que prestam serviços de contabilidade online, em que o próprio cliente abastece as informações. Isso pode ser oportunidade de negócio, mas está gerando concorrência com escritórios contábeis.

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Outro tema novo é a responsabilização de profissionais de contabilidade por fraudes cometidas por seus clientes.

Diário - Como é o desafio dos profissionais de contabilidade com os avanços da informatização e da fiscalização?
Zulmir Breda -
Essa mudança, essa introdução da tecnologia, pelo próprio governo, tem impactado a atividade das empresas. São dois aspectos: o primeiro é imediato, que é o aumento de custo das empresas porque elas precisam investir na sua informatização. Isso exigiu investimentos e custos. Mas, num segundo momento, há o lado positivo disso, que é a melhor organização das próprias empresas, que também dá uma agilidade muito maior nas ações, isso é inegável. O que está sendo feito agora, o que precisa é essa adaptação do profissional para essa nova realidade. Qual é a oportunidade que a gente vê para o profissional? A tarefa burocrática, ele vai poder cumpri-la com menor espaço de tempo, muito mais rapidamente. E com isso ele teria condições de prestar um serviço para o seu cliente de maneira mais completa em relação àquilo que o cliente realmente espera dele. De certa forma, o cliente quer, acima de tudo, que ele cumpra corretamente com as obrigações que ele tem que prestar ao governo, para que ele não sofra nenhuma penalidade, mas ele também espera um serviço mais abrangente, mais completo desse profissional. Que é prestar o próprio assessoramento em relação ao seu negócio. A maioria delas são micro e pequenas empresas, o Brasil tem 95% das suas empresas nesse porte. E esse empresário é muito carente de ferramentas de gestão, de informações.   

Diário - É nessa linha que o escritório de contabilidade vai poder fazer mais diferença no negócio e fidelizar o cliente, por que o básico já não vai ser suficiente?
Breda -
Não vai ser suficiente. A gente costuma comparar a questão sob um indicador, que é estatístico, que é o Índice de Mortalidade das Empresas. No Brasil, 70% das empresas não sobrevivem ao quinto ano de vida. Elas falecem, literalmente, e quebram, fecham as portas. Por várias razões e até já existem levantamentos sobre isso. Eu acho que o trabalho que o profissional pode prestar nesse sentido é reduzir esse índice de mortalidade das empresas, assim como os médicos cuidam para reduzir o Índice de Mortalidade Infantil. O profissional da contabilidade tem esse compromisso, tem essa capacidade de poder ajudar o empresário a dar uma perenidade maior ao seu negócio. Como é que você dá maior perenidade? Dando sustentabilidade para ele. E a sustentabilidade passa necessariamente por instrumentos de gestão. Então, o profissional precisa cada vez mais dominar esses instrumentos de gestão, mais a fundo a atividade do seu cliente, para poder ajudá-lo no seu negócio. Então passa um pouco daquele perfil tradicional do profissional que cumpre as funções fiscais e tributárias, e vai para o trabalho efetivamente de assessoramento ao negócio. Porque não podemos esperar que cada microempresário contrate um administrador. Ele não tem condição disso. Para ele, o assessor direto, para todos os assuntos que ele tem do negócio, é o contador, é o profissional da contabilidade. 

Diário - Surgem empresas que prestam serviços de contabilidade online, direto por site, o que faz o empresário não precisar mais de um escritório de contabilidade. Isso já impacta no setor?
Breda - Isso está impactando fortemente, porque é um movimento muito rápido, que está mudando o mercado de trabalho das empresas, que nós ainda estamos nos adaptando a ele, mas percebemos, assim, que o mercado está aceitando muito bem este tipo de prestação de serviços. Achamos que é um processo irreversível. O que talvez esteja carecendo ainda nesse momento, é uma melhor regulamentação deste tipo de prestação de serviço, porque a nossa legislação toda hoje está voltada a prestação de serviço no modelo tradicional, existe a pessoalidade na prestação de serviço, de documentação ainda muito em papel, e agora isso tudo muda. Onde a relação profissional-cliente é totalmente virtual, a relação negocial é totalmente virtual e isso traz uma série de nuances que a gente precisa olhar mais de perto e talvez regulamentar melhor. A primeira mudança inclusive é no próprio Código de Ética da profissão, por algumas questões de caráter mercadológico que nós observamos. Nos anúncios que são feitos desse tipo de serviço, não estou dizendo que levem, mas podem induzir o cliente a uma falsa informação, sobre como este serviço é prestado, sobre o custo dele, sobre os benefícios.


Foto: Deni Zolin (Diário)
Ana Tércia Rodrigues preside o Conselho Regional de Contabilidade no Estado, e Zulmir Breda é o presidente do Conselho Federal

Diário - De onde são essas empresas online de contabilidade? 
Ana Tércia Rodrigues - A primeira empresa é do Paraná, mas ela está entrando em vários Estados. E os conselhos regionais é que executam a atividade de fiscalização do mercado profissional. O nosso vice-presidente de fiscalização, que é aqui de Santa Maria, Paulo Comasseto, pode nos falar sobre as demandas que a gente vem recebendo aí, de colegas, que vem se sentido ameaçados.

Paulo Comasseto - O modelo tradicional é aquele em que o cliente pegava o documento físico, levava no escritório e recebia o relatório depois, o balancete, a guia, para fazer a sua gestão e etc. Neste novo modelo proposto, que o primeiro foi no Paraná e já existem outros, é diferente. O próprio cliente faz upload (envio) da documentação, via internet, cai no sistema lá e recebe o relatório, via internet também. Ele nem conhece, nem sabe onde fica o escritório, que é virtual, então muitas dessas informações, ele assume o risco. Para isso, a empresa de contabilidade, nesse novo modelo, deixa bem claro no contrato que o empresário tem um risco, não é? Mas tem empresários que se adaptam bem a este modelo. Nós não podemos regular o mercado, o que nós podemos é fiscalizar esta empresa.

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Diário - Como é a insegurança jurídica em relação à interpretação, pois há casos em que o Fisco entende que há sonegação? 
Breda - O que nós temos observado é a tentativa do fisco, nas três esferas de governo, federal, estadual e municipal, de chamar a responsabilidade ao profissional da contabilidade pelos problemas fiscais dos seus clientes. Com isso está havendo uma tendência de crescimento. O fisco está fazendo isso, justamente, partindo deste pressuposto, de que se houve algum erro no cálculo do tributo ou de interpretação equivocada à legislação, quem fez isso foi o profissional da contabilidade. Seja ele empregado da empresa, seja ele terceirizado. Pior do que isso, alguns Estados, inclusive, estão chamando a responsabilidade para o profissional da contabilidade por casos de sonegação de impostos, dizendo que, se o contador faz a contabilidade daquela empresa, ele tinha conhecimento de que a empresa estava sonegando. Se ele tinha conhecimento, deveria ter denunciado, ou não deveria ter concordado. Nós tivemos exemplos, se não me engano Goiás e Mato Grosso do Sul, que criaram leis estaduais, colocando responsabilidade solidária no profissional da contabilidade por problemas de sonegação fiscal. Isso para nós é um pouco novo, e o próprio judiciário, em algumas situações, tem acolhido essa tese. De que existe uma responsabilidade solidária do profissional pelos problemas de ordem fiscal, baseado no pressuposto de que o empresário contrata o profissional para que ele faça de maneira correta. 

O que nós entendemos é que, se houver conivência do profissional, sim, ele vai ser responsabilizado. O problema é que, na maioria das vezes, ele não tem esse nível de conhecimento das transações do cliente, especialmente no caso em que ele atua terceirizado, como escritório de contabilidade. Ele não está dentro da empresa para saber que operação o cliente dele está fazendo e se ele está tirando nota de todas as operações ou só da metade delas. Ele ser responsabilizado por um fato que é desconhecido por ele é injusto.

Ana Tércia - Mas a gente vem procurando desenvolver uma maior consciência da responsabilidade do profissional do trabalho que ele faz. O contador não é um mero registrador, ele é um profissional que tem conhecimento e precisa estar atento àquilo que está prestando de informação e desconfiar, questionar o cliente.

Comasseto - Há profissionais de contabilidade no Estado que estão com sério risco de perder até seu patrimônio, porque o MP entende que ele tinha conivência, e se provar a conivência dos fatos, retroage para o patrimônio do empresário e também do profissional da contabilidade. Há casos de profissional que corre risco de perder todo seu patrimônio.

Diário - Na Operação Lava-Jato, havia construtora com setor de propinas e malas de dinheiro. E onde estavam os contadores que permitiram isso? Há profissionais sendo processados ou que perderam também o registro?
Breda -
Sim, vários processos foram abertos na Lava-Jato, em cada um dos conselhos de contabilidade relacionados às sedes dessas empresas. A maioria dos processos são em São Paulo, pois as sedes eram lá. Alguns deles estão respondendo inclusive a processos criminais. A responsabilidade do profissional recai inclusive sobre a conivência com operações ilegais que estão sendo praticadas. Um exemplo é a lei da lavagem do dinheiro, que quem controla é o Coaf. A regulamentação do Coaf exige que o profissional da contabilidade preste anualmente uma informação de cada um de seus clientes sobre operações que ele suspeita, sejam de lavagem de dinheiro. Se ele não suspeita de nada, ele tem de dar uma declaração negativa. Isso exige que ele conheça as operações que o cliente dele está fazendo. Então, se ele tem conhecimento, ele tem obrigação de denunciar.

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