seca


A cada ordenha que faz, o agropecuarista Marcos Schuster, 39 anos, percebe uma diminuição na produção leiteira das vacas. Com o pasto acabando, a impossibilidade de replantar por causa da falta de umidade no solo e a ração cada vez mais cara, ele ainda não sabe como vai fazer para alimentar as 26 vacas da propriedade se a estiagem durar mais algumas semanas. 

Schuster e outros agricultores da região já contabilizam perdas que chegam a R$ 7,2 milhões na produção leiteira desde dezembro de 2019, quando iniciou o período da seca. De lá para cá, ele percebe uma perda de cerca de 30 a 40% na propriedade que mantém na localidade de Picada 12 de Maio, no Distrito de Boca do Monte, interior de Santa Maria. Antes, ele vendia cerca de 650 litros por dia. Agora, são 400 litros. 

_ Está preocupante. Os custos estão aumentando, esta ficando terrível manter a produção. Fizemos vários hectares de pastagem, que agora está começando a germinar as sementes. Se não chover, tudo vai morrer. Só resta esperar _ lamenta.

Por causa da falta de alimento, nas últimas semanas o pecuarista já vendeu 10 vacas. Ele teme precisar vender mais algumas e diminuir ainda mais a produção. Além disso, corre o risco de ficar sem água para os animais, já que o açude da propriedade está apenas com nível de um metro. Em 39 anos de vida, ele diz nunca ter visto uma seca tão grande.

_ Há quatro anos eu lido com venda de leite, e sempre foi muito lucrativo. Sempre tive pastagem sobrando, pensava até em aumentar a produção, construir uma nova sala de ordenha. Agora, com essa seca, se conseguir se manter produzindo, já está muito bom - relata Schuster, que antes de se dedicar à produção leiteira plantava arroz. 

PECUÁRIA AINDA É CONSIDERADA UMA ÁREA SEGURA

Com a colheita das culturas de verão, como soja e milho, a Emater estima que a pecuária pode ser a área mais afetada se a estiagem persistir por mais algumas semanas. Isso porque, sem umidade no solo, é impossível plantar as pastagens que alimentam o gado. 

Apesar disso, conforme o extensionista da Emater Ricardo xxx, a pecuária leiteira ainda é considerada uma área mais segura do que a soja, por exemplo. Ele explica que a estiagem aumenta os custos de produção e diminui a margem de lucro, mas, ainda assim, continua-se produzindo.

_ A gente compara a produção de leite com o salário do mês. Todo mês chega um pagamento pelo que foi produzido, que pode variar um pouco, mas todo mês chega. Na soja, se uma colheita foi ruim, pode se passar o ano todo sofrendo as consequências. É um risco muito alto, porque depois não tem como recuperar _ destaca.

Segundo xxx, o principal impacto vem sendo na quantidade de leite produzida pelas vacas, já que, com a diminuição do alimento, há menos nutrientes no animal. Além disso, como muitos produtores estão sem pastagens, precisam comprar mais ração e até silagem de outros produtores, o que encarece a produção.

_ Não há uma perda corporal dos animais tão sentida, mas sim da produção. Em Santa Maria, em geral, se percebe uma diminuição de 30% no leite. Esse número só não é maior, porque, geralmente, o pecuarista é bem organizado, tem açudes de água e guarda uma reserva de alimento _ enfatiza o extensionista. 


Seca é considerada a pior da história para a agricultura

ID: 1263962

Há 15 anos, Carlos Hundertmarck Neto fez o caminho inverso da maioria das pessoas: saiu da cidade para morar no campo. Antes, trabalhou como balconista e leiteiro, com a revenda do leite que comprava de outras propriedades. Em busca de uma vida melhor, o homem de 56 anos arrendou uma propriedade na localidade de Água Boa, Distrito de Pains, interior de Santa Maria. Comprou algumas vacas, investiu em maquinário, demarcou e cultivou pastagens. De lá para cá, sofreu com algumas secas, mas nenhuma comparada a de hoje.

_ Eu digo que essa história de gostar de agricultura está na veia. Meu pai também morou na zona rural, muitos familiares meus. Eu sempre gostei e um dia resolvi me mudar de vez para o interior. Se é uma vida difícil? É sim, às vezes a gente não sabe como vai ser o dia de amanhã. Pode vir uma seca, algo que a gente não tem controle nenhum, e acabar com nossos planos. Mas, eu não me vejo fazendo outra coisa _ relata.

Junto das suas companheiras inseparáveis, as cadelas Pinta e Ferrugem, ele olha para o céu e desanima toda vez que não vê uma nuvem sequer. A única chuva que caiu por lá em abril, no dia 6, mal conseguiu penetrar na terra. Desde dezembro o agropecuarista sofre com a estiagem.

_ Eu olho para as vacas e dá pena, sabe? A gente vê elas perdendo peso, já não tem mais onde comer grama, pasto.

Mas, Carlos e todos os agricultores que aguardam ansiosos pela chuva vão ter precisar ter um pouco mais de paciência. De acordo com o meteorologista Gustavo Verardo, já que até o final do mês de abril não há previsão de chuva significativa. Segundo Verardo, os prognósticos meteorológicos indicam uma chance de chuva mais regular somente a partir de 10 ou 15 de maio.

_ O que intensificou essa seca, além da falta de chuva e umidade, foi também o calor. Em março desse ano tivemos recorde histórico com a temperatura atingido 40,4ºC. Nunca antes se viu uma temperatura tão alta nesse mês aqui na região _ salienta o meteorologista.


Por que o setor agrícola é tão prejudicado? 

Medições meteorológicas são feitas desde 1912 no Rio Grande do Sul. De lá para cá, foram identificadas épocas de estiagem por dezenas de vezes. Secas, em número menor. O que diferencia os dois termos é o período da falta de chuva. A estiagem é mais curta. A seca é caracterizada por meses de nenhuma ou pouca chuva. O que também define a seca é a perda. São as alterações sociais e econômicas que a falta de chuva acarreta. Quando as plantas morrem, quando tem racionamento, falta água e comida para os animais, e isso, de fato, impacta a vida da sociedade, temos seca.

Desde o século passado, pelo menos nove secas graves foram registradas no Estado (veja no quadro). A mais recente, em 2012, trouxe perdas de cerca de R$ 5 bilhões na agricultura, conforme dados divulgados pela Emater na época. Na safra deste ano, os números chegam a R$ 15,48 bilhões. 

_ Estamos vivendo um dos maiores períodos de pouca chuva desde que iniciaram os registros. Levando em conta a área plantada e a produção, é possível afirmar que essa é a pior seca da história do Rio Grande do Sul para a agricultura. Isso porque, antes mesmo da seca, os produtores tiveram que replantar muitas áreas de soja por causa chuva forte de outubro e novembro. Em outras épocas, já se sentia prejuízos econômicos causados pela seca, mas nunca tão intensos _ explica o professor Alencar Zanon, do Departamento de Fitotecnia da UFSM.

Mesmo que chova em breve, a recuperação do solo para agricultura e também de rios, açudes e outros reservatórios de água vai demorar alguns meses. Zanon estima que, para uma normalização, sejam necessárias chuvas bem distribuídas e regulares de, pelo menos, 30 milímetros por semana. 

Para minimizar os impactos da seca, o pesquisador cita três alternativas: investir em irrigação, apostar na rotação de cultura para melhorar a qualidade do solo e retenção de água, além de ficar atendo às previsões do tempo para escolher o melhor período de fazer o plantio.

_ Essas são só algumas alternativas. Em uma seca como essa, isso não vai resolver toda a situação. Na questão da irrigação, por exemplo, seria inviável todas as lavouras gaúchas contarem com um sistema, já que não haveria água suficiente no Estado, além de energia elétrica para suprir a demanda _ explica.

Conforme o meteorologista e estudante de mestrado em Engenharia Agrícola Anderson Haas Poersch, não há nenhum fenômeno de grande escala em atuação que ocasiona o período de seca. Segundo ele, o que acontece é que não há convergência de umidade no Rio Grande do Sul. As chuvas ficam concentradas na regiões Norte e Nordeste do país. 

SECAS NO RIO GRANDE DO SUL

ID: 883421 Legenda: Em 2005, barragem do DNOS ficou abaixo do nível em Santa Maria e obrigou a cidade a fazer racionamento de água


w 1917-1918: chuva abaixo da média entre outubro e dezembro

w 1924-1925: precipitações inferiores ao normal ocorreram entre outubro e dezembro 

w 1942-1943: considerada a seca mais severa desde o início dos registros oficiais até hoje, embora não exista cálculo de prejuízos econômicos. Período crítico foi de novembro a fevereiro. Entre novembro e dezembro choveu 18% da média 

w 1944-1945: por quase seis meses, de outubro a maio, quase não choveu. A quase totalidade dos produtores perdeu as lavouras cultivadas na primavera. No verão, com temperturas em torno de 40°C, a terra seca inviabilizou novos plantios. A recuperação da umidade do solo só aconteceu em junho

w 1985-1986: chuva abaixo da média entre outubro a dezembro. Safra de soja baixou de 5,7 milhões de toneladas para 3,2 milhões de toneladas 

w 1990-1991: seca de janeiro a fevereiro. Safra de soja caiu de 6,3 milhões de toneladas para 2,2 milhões de toneladas 

w 2003-2004: entre janeiro e abril de 2004, choveu apenas 54% da média. Em volume de chuva, foi a pior seca da história recente. Produção de soja cai de 9,5 milhões de toneladas para 5,5 milhões de toneladas 

w 2004-2005: considerada a seca com os maiores prejuízos financeiros registrados até então, embora não tenha sido a mais severa. Entre dezembro e fevereiro, choveu a metade do normal. O resultado foi uma queda do PIB gaúcho de 2,8%, enquanto o Brasil cresceu 2,3%

w 2011-2012: de dezembro a março, choveu apenas 77% do esperado para o período, o que reduziu 50% da produção de soja no Estado, com perdas de R$ 5 bilhões na agricultura

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