especial mês da mulher

Famílias destruídas por feminicídios em Santa Maria

Camila Gonçalves

Foto: Lucas Amorelli (Diário)
Rosane Wernz, 52 anos, mãe de Michele cuida dos dois netos. Um deles presenciou morte da mãe

Sob o teto dos avós, os filhos de Michele Albiero Wernz, de 6 e 10 anos de idade, assistem à programação da TV, preparam-se para ir à escola e cumprem a rotina de crianças em idade escolar. Tudo parece estar normal, fora o fato de terem perdido a mãe, há cinco meses, em um crime brutal que foi presenciado por um deles.

No mês da Mulher, o Diário preparou uma reportagem especial sobre o feminicídio, que já fez 5 vítimas em Santa Maria. Leia mais sobre esta reportagem especial:

: Santa Maria já registra 5 feminicídios confirmados 
: Inquéritos ainda investigam dois feminicídio em Santa Maria

Os pais de Michele e avós dos meninos, Rosane Wernz, 52 anos, e Paulo Roberto Wernz, 55 anos, encarregam-se do almoço, do material escolar, da higiene e de dar carinho aos dois netos. Além dos avós, as crianças contam com os cuidados do pai, primeiro marido de Michele, que se mudou para junto das crianças depois do crime. Diferentemente dos pequenos, o casal não consegue disfarçar a tristeza em meio ao cenário cotidiano. Os olhos marejados e a dificuldade de encontrar as palavras para descrever a dor da perda da filha deixa clara a devastação causada pelo feminicídio na família que sobrevive de reciclagem.

- Ele nos matou junto. A gente é vivo por fora. Há cinco meses, morremos por dentro - diz Paulo Roberto.

A pessoa a que Paulo se refere é o suspeito de ter matado Michele com seis golpes de faca na madrugada do dia 25 de setembro de 2017, Rodrigo Tormes dos Reis, 32 anos. Rodrigo namorava e vivia com Michele e os dois filhos dela do primeiro casamento em uma casa no mesmo pátio da moradia dos pais.

No dia do crime, os pais de Michele acreditam que ela havia mandado o namorado embora, pois as roupas dele estavam jogadas na cozinha. Quando ouviram o choro das crianças, desceram até a casa dela e depararam com Rodrigo saindo pelo pátio com a mão no pescoço, como se estivesse ferido, sujo de sangue. Dentro da casa, Michele agonizava, ainda com o faca atravessada no peito.

A mãe, Rosane, conta que o filho mais velho de Michele, que viu a mãe ser esfaqueada pelo namorado, não fala nada sobre o episódio. Só responde quando perguntam algo a ele. O menino também foi responsável por esconder o irmão mais novo no quarto e evitar que visse a mesma cena. O menor, que foi poupado do trauma, pergunta frequentemente onde está Michele.

- Eu disse que ela estava no céu. Ele acha que ela está vivendo a mesma vida lá. No começo, tentei procurar psicólogo para eles, mas agora nem tenho ânimo de sair. Acho que o grande precisava mais. Tem horas que a gente vê que a cabeça dele está longe - conta Rosane.

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Michele vivia um relacionamento com Rodrigo há nove meses. Do pouco tempo em que estiveram juntos, segundo Rosane, não havia pistas de alegria no relacionamento. Pelo contrário. Em três meses, Michele deixou o trabalho como cuidadora de idosos, não podia falar com amigos nem mesmo usar o celular, tudo por determinação de Rodrigo, conta a mãe de Michele.

- Ele não queria nem que ela levasse as crianças na escola. Ela ficava em casa depressiva. Chegou a dizer que achava que algo muito ruim estava para acontecer - conta a mãe.

Hoje, a casa onde o crime aconteceu está fechada. Algumas coisas foram vendidas para o sustento dos pequenos. Com pouco dinheiro e ânimo diminuto, a capacidade de trabalhar dos dois só deixa espaço para o essencial.

- Não tenho emprego fixo. Mesmo que tivesse, acho que não iria conseguir me concentrar em mais nada. Esses caras que fazem isso pensam que a mulher é propriedade deles. Se ele sair um dia da cadeia, vai fazer o mesmo com outra mulher. Eles não imaginam quanta gente eles deixam sofrendo. Se não fosse pelas crianças, eu e a mulher já tínhamos pegado um carro e nos jogado na Garganta do Diabo - desabafa Paulo Roberto.

Pai de três mulheres e um rapaz, Paulo Roberto amarga, além da perda de Michele, a morte de um desses filhos, de 23 anos. Eduardo foi assassinado há cinco anos, após ser atingido por cinco disparos de arma de fogo. O rapaz não tinha a paternidade registrada por Paulo, por isso, não foi informado seu sobrenome.

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FAMÍLIA WERNZ CARREGAVA CICATRIZES DE AGRESSÃO À MULHER
O crime que vitimou Michele não é o único episódio de violência vivenciado pela família Wernz. Outra filha do casal, Thaís Albiero Wernz, 23 anos, sofreu uma tentativa de homicídio em setembro de 2013. Ela e a filha, que, na época tinha 2 anos de idade, ficaram feridas com golpes de faca.  

O acusado é o pai da menina, Marcos Vinicius Pinheiro Martins. Thaís levou seis facadas que atingiram pescoço, costas e braços. Ela ficou um dia internada no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Já a criança teve um ferimento superficial no pescoço, a um centímetro de uma veia vital. Depois de levar sete pontos, a criança foi liberada. Marcos perdeu o direito de ver a filha, mas paga pensão há um ano.

Segundo o relato de Thaís, ela estava com a filha no colo e foi golpeada com faca pelas costas quando disse que queria se separar de Marcos. Já Marcos alegou que "entrou em luta corporal" com a esposa e que não se lembra do que aconteceu depois.

De acordo com o advogado de Marcos, Wedner Lima, uma das teses da defesa foi a de desclassificação de tentativa de homicídio para lesão corporal. O acusado foi a júri popular em 2014. A sentença judicial fixou pena de oito anos em regime semiaberto por dupla tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil. Marcos já cumpriu quatro anos em regime semiaberto no Presídio Regional de Santa Maria e, hoje, cumpre pena em regime aberto monitorado por tornozeleira eletrônica.

Há cinco anos, esse tipo de crime ainda não era considerado hediondo. Hoje, se considerasse a qualificadora de feminicídio, a pena para o réu seria mais rígida. Justiça à parte, tudo indica que a marca do crime não será removida tão cedo do imaginário da filha de Thaís.

- Para ela (a menina), é como se ele (o pai) fosse um bicho papão - diz a avó Rosane.

Thaís, que, atualmente, mora em Dilermando de Aguiar, afirma que a filha não sente falta do pai. A menina teve acompanhamento psicológico, mas já obteve alta do tratamento.

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TAÍSA FOI MORTA NO DIA EM QUE ESPERAVA ASSUMIR NAMORO
Na morada de Dierson Macedo Paula (na foto à direita), 29 anos, no Bairro Salgado Filho, a ausência da irmã preenche todos os cantos da casa. Taísa Macedo Paula, 26 anos, desapareceu na tarde do dia 12 de junho de 2017 e foi encontrada morta em uma propriedade rural em Itaara no dia 18 de julho, com o corpo parcialmente enterrado. A necropsia apontou como causa da morte traumatismo craniano. Taísa estava grávida de três meses. 

Segundo Dierson, ela mantinha um relacionamento com um homem que era casado e prometia que iria deixar a esposa para assumi-la. Taísa conheceu Carlos Rudinei de Oliveira, 30 anos, na igreja em que ela estudava para ser missionária. O ex-pastor é o suspeito de assassinar a jovem. A mãe de Taísa, Glecir Macedo da Silveira, 56 anos, também frequentava a igreja e conhecia Oliveira, mas não sabia do relacionamento.

- Eu e minha esposa ficamos sabendo do relacionamento. Ela nos comunicou. Não quis avisar a mãe porque ele prometeu que iria terminar com a esposa. Ela estava feliz com o relacionamento - contou o irmão.

Taísa havia contado à Dierson que o casal havia feito um acordo. Até o dia 12 de junho, ele ia se separar da esposa e iria assumi-la como namorada. O dia era promissor para a o jovem apaixonada, mas o desfecho acabou sendo outro.

Por volta das 16h, Taísa avisou o irmão e a cunhada, por mensagem, que estava saindo. Dierson e Ana Paula começaram a ficar apreensivos por volta das 21h30min, pois, geralmente, ela voltava mais cedo para casa.

- A partir das 22h30min, o telefone dela ou descarregou ou foi desligado. O dele desligou. Até as 2h30min, a gente ficou ligando. Às 6h30min do dia 13 de junho, ele (o suspeito) ligou para meu celular. Perguntei se ela estava com ele. Ele disse que tinha conversado com ela, que eles haviam discutido, mas que ela teria ido para casa. Ainda me disse: "Quem encontrar ela primeiro avisa o outro". Três dias antes de a polícia encontrar o corpo, o ex-pastor enviou uma mensagem a Dierson perguntando se ele tinha notícias de Taísa.

À polícia, Oliveira confessou a autoria do crime. Na época, ele disse que, no local do assassinato, teve uma discussão com Taísa e que ela teria tentado agredi-lo. Por essa razão, ele teria batido a cabeça dela. A delegada Elizabeth Shimomura, que respondeu pela Delegacia da Mulher nas férias da titular, Débora Dias, acredita que o crime possa ter sido premeditado por conta da gravidez, numa tentativa de evitar o vazamento da notícia.

No dia em que Taísa desapareceu, Dierson e a esposa, Ana Paula Soares da Conceição, 23 anos, procuraram pistas sobre onde ela poderia estar e encontraram uma caneca do Grêmio com um bilhete que dizia: "Papai, nós te amamos", presente que seria endereçado a Oliveira.

Dona Glecir, mãe de Taísa, não quis falar com a reportagem. Segundo Dierson, a mãe foi embora para Santa Catarina por não conseguir lidar com as lembranças da filha:

- Ela se desgostou. Tudo o que ela via lembrava a mana. Fizemos cartazes de desaparecida na época em que ela sumiu. Um dia, chegamos na casa da mãe, e ela tinha feito um memorial para a mana e estava vestida com a roupa da mana.

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PRIMEIRO FEMINICÍDIO REGISTRADO EM SANTA MARIA APONTA AUTORIA DE UMA MULHER
Em 5 de dezembro de 2015, Helenara Pinzon (foto), 22 anos, foi morta com três facadas, uma no pescoço, uma no peito e outra no abdome. O crime ocorreu em um apartamento na Rua General Neto, na área central da cidade, onde a vítima morava com a ex-namorada, Stéphanie Fogliatto Freitas. Na época, Stéphanie foi indiciada por homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio. 

Na esfera judicial, a qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima foi excluída na sentença de pronúncia (que definiu que o julgamento da ré será feito pelo Tribunal do Júri) pela 1ª Vara Criminal de Santa Maria. O Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas a decisão de afastar a qualificadora foi mantida.

Durante as investigações, a delegada Débora Dias sustentava que ficou comprovado que Stéphanie premeditou o crime. Testemunhas relataram que, por várias vezes, Stéphanie disse que, se Helenara não fosse dela, não seria de ninguém.

Segundo o advogado de Stéphanie, Bruno Seligman de Menezes, sua cliente admitiu estar envolvida no fato.

- Ela estava em estado de choque quando a polícia chegou ao local depois do fato. Tanto que ela foi internada na Casa de Saúde, e foi recomendada a manutenção da internação dela por conta do estado emocional - diz o advogado.

Stéphanie ficou internada sob custódia da Brigada Militar até janeiro de 2016 e, depois, foi encaminhada ao Presídio Regional de Santa Maria, onde cumpriu prisão preventiva até junho.

O processo está em fase de preparação para a sessão do Tribunal do Júri. Stéphanie responde ao processo em liberdade.

OS CASOS

Caso Michele Albiero Wernz

  • Réu - Rodrigo Tormes dos Reis, 32 anos (está preso na Penitenciária Estadual de Santa Maria)
  • Processo corre na 1ª Vara Criminal de Justiça de Santa Maria
  • Responde por homicídio consumado triplamente qualificado com as qualificadoras de motivo torpe, feminicídio e recurso que dificultou a defesa da vítima
  • Fase do processo - Última audiência foi no dia 31 de janeiro. A vítima sobrevivente (um dos filhos dela) e algumas testemunhas foram ouvidas pelo juiz. A próxima audiência não tem data definida. Deve ser inquirida uma testemunha requerida pelo Ministério Público e, possivelmente, o réu. A Defesa formulou pedido de liberdade, mas ele foi negado pelo juízo
  • O advogado de Rodrigo Tormes dos Reis, Antônio Carlos Barbachan Dubreuih, disse que o seu cliente prefere não se manifestar antes de dar seu depoimento em juízo. Segundo Dubreuih, o que aconteceu foi um fato isolado e que seu cliente vai falar a verdade dos fatos em juízo. Ele destacou que Rodrigo não possui antecedentes criminais, que sempre foi trabalhador, honesto e nunca se envolveu com drogas.

Caso Taísa Macedo

  • Réu - Carlos Rudinei de Oliveira, 30 anos (responde em liberdade)
  • Processo corre na 1ª Vara Criminal de Justiça de Santa Maria
  • Responde por homicídio qualificado, tentado com qualificador de feminicídio
  • Fase do processo - Aguardando resposta da acusação
  • O Diário de Santa Maria tentou contato por telefone com o advogado de Oliveira, Flávio Laureci Luccas, mas não obteve resposta

Caso Helenara

  • Ré - Stéphanie Freitas, 27 anos (responde em liberdade)
  • Processo corre na 1ª Vara Criminal de Santa Maria
  • Responde por homicídio qualificado por motivo torpe e por feminicídio
  • Fase do processo - Aberto prazo para as partes formularem pedidos de diligências antes do júri
  • Bruno Seligman de Menezes, advogado de Stéphanie Fogliatto Freitas, diz que sua cliente admitiu estar envolvida no fato, mas alegou que se defendeu de uma agressão depois de uma briga entre as duas. Stéphanie apresentava marcas de tentativa de estrangulamento. 

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