reportagem especial

Com recorde de chuva em outubro, Santa Maria carece de infraestrutura

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Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

O rastro de destruição e de prejuízos causados pela chuva e o pelo vento dos últimos dias mexeu com rotina de moradores de vários municípios da região. Em plena estação das flores, raios e alagamentos foram protagonistas, o outubro acinzentou dias e registrou recordes de precipitação com acumulado de 455,4 mm no Coração do Rio Grande. Esse foi o outubro mais chuvoso dos últimos 58 anos, conforme do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). 

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- Em outubro, abril e janeiro, temos as maiores médias climatológicas de Santa Maria, com 173, 170 e 166 mm, respectivamente. Neste mês, foi algo excepcional, mais que o dobro. Este evento severo intenso se deve a um sistema de baixa pressão vindo da fronteira com o Uruguai junto do fluxo de ar quente com umidade trazido da região Norte do país - acrescenta o meteorologista Gustavo Verardo.

Com rios acima do nível normal, a água foi parar em algumas ruas e avenidas. Na área urbana, lâmpadas de semáforos queimaram, placas e árvores interromperam vias, bocas de lobo não davam conta do aguaceiro que caia do céu. Casas e estabelecimentos ficaram às escuras por conta de postes e fios de energia elétricas arrancados pela força dos ventos que chegaram aos 90 km. Famílias ficaram sem a cobertura da casa. Outros perderam alimentos e o horário da escola. Em Santa Maria, teve quem perdeu a esperança em uma cidade que ainda não aprendeu com temporais anteriores, que é omissa quanto à manutenção de alguns regiões e que carece de uma estrutura adequada para enfrentar as intempéries da natureza. 

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- A palavra fundamental é prevenção, e isso não se faz agora, mas na seca... agora já é tarde. Alagamentos e enchentes são falta de consciência - resume o professor Daniel Allasia, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSM.

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Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

O vice-prefeito Sérgio Cechin lembra que a responsabilidade deve ser de todos.

- O poder público tem obrigações, mas hoje temos educação ambiental nas escolas, para que as crianças não virem adultos que joguem eletrodomésticos nas esquinas ou façam tubulações clandestinas - diz.

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Falha o poder público em investimento, planejamento e prioridade, mas também falha o mesmo cidadão que cobra da prefeitura o desentupimento de bueiros, mas despeja lixo em locais inadequados. A propósito, os números falam por si: por mês, são cerca de 160 pontos de captação de águas pluviais entupidos e/ou destruídos, segundo a Secretaria de Infraestrutura. O efetivo permanente para esse serviço é de apenas oito pessoas para resolver um descaso da própria população.

SOLUÇÕES A BAIXO CUSTO SÃO POSSÍVEIS
Como consequência das chuvaradas, muitas regiões de Santa Maria começaram a sofrer cada vez mais com alagamentos, inclusive em locais que nunca inundavam.

Em meio a esse cenário, a prática tradicional em projetos de drenagem urbana para evitar os alagamentos dentro da cidade tem sido a principal solução localizada (canais, revestimento de seções e troca de tubulações) para rápida evacuação das águas para longe dos centros de geração do escoamento. Porém, conforme explica Daniel Allassia, professor do departamento de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFSM, não é o método mais adequado:

- Essa prática mostra-se insuficiente, além de apresentar altos custos. Substituir uma tubulação pode eliminar a enchente de um local, mas pode fazer essa água, que antes ficava na rua, a formar uma enchente para os vizinhos das partes mais baixas, causar problemas de erosão e prejudicar a estrutura de pontes.

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Foto: Pedro Piegas (Diário) 

ESCOAMENTO
Alassia explica que as enchentes recentemente ocorridas na área das bacias urbanas da cidade tem dois processos que ocorrem isoladamente ou de forma integrada: inundações de áreas ribeirinha e inundações devido à urbanização (veja abaixo).

O professor salienta que, com a impermeabilização e com a eliminação da cobertura vegetal, a água que antes infiltrava no solo ou evaporava, passa a compor o escoamento superficial, com aumento dos volumes escoados e das vazões tornando as cheias ainda mais críticas.

- Essas alterações provocam um aumento na frequência e gravidade das inundações, ao mesmo tempo em que ocorre a deterioração da qualidade da água. Por exemplo, tivemos enchentes ribeirinhas no Vacacaí-Mirim, em 2015, que destruíram a ponte que dava acesso à antiga Cidade dos Meninos.

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Uma alternativa mencionada pelo professor é o conceito de controle sustentável de enchentes preconizado pelo Estatuto das Cidades e que em países como Estados Unidos é chamado de "Desenvolvimento de Baixo Custo". Na China, é conhecido como "cidade-esponja". Em vez de aumentar a capacidade das redes de drenagem através de obras hidráulicas, procura-se manter os volumes de água em valores compatíveis com a situação anterior à urbanização. Para isso são utilizadas estruturas tais como reservatórios de detenção (ou piscinões), trincheiras de infiltração, pavimentos e pisos permeáveis e telhados verdes. Essas estruturas têm como objetivo a redução das vazões de pico e retardamento dos volumes escoados, procurando diminuir a necessidade de ampliação da rede de drenagem local.

- São soluções simples e ao alcance de todos. Isso ocorre, por exemplo, mudando o ralo da área impermeável para a grama de forma que a água do telhado tenha chances de se infiltrar no solo e ser filtrada pela grama antes de escoar para a rua - explica.

Onde não é possível utilizar essas estruturas, como no centro da cidade, em bairros consolidados ou em casas já construídas, o professor sugere estruturas como diques e canais para aumentar as seções dos condutos. Ele atenta que tais planejamentos devem levar em conta os instrumentos de financiamento de cada município.

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Outra responsabilidade municipal é controlar a ocupação de áreas de risco por meio de restrições de uso, propiciar as condições para convivência com as enchentes nas áreas de baixo risco, transformando, por exemplo, em parques, campos de esportes, áreas vegetadas ou de lazer.

INUNDAÇÕES

  • De áreas ribeirinhas - Os rios geralmente possuem dois leitos, o leito menor onde a água escoa na maioria do tempo e o leito maior, que é inundado em média a cada dois anos. O impacto devido à enchente ocorre quando a população ocupa o leito maior do rio
  • Devido à urbanização - As enchentes aumentam a sua frequência e magnitude em razão da ocupação do solo com superfícies impermeáveis e da rede de condutos de escoamentos. O desenvolvimento urbano pode também produzir obstruções ao escoamento como aterros e pontes, drenagens inadequadas, o entupimento de condutos e assoreamento de arroios

PREFEITURA ANUNCIA AÇÕES EMERGENCIAIS
Segundo o vice-prefeito Sérgio Cechin, que integra o Núcleo de Avaliação e Prevenção de Desastres do município, na próxima segunda-feira, técnicos da prefeitura, do Instituto de Planejamento de Santa Maria (Iplan) e demais representantes irão se reunir para definir ações na cidade.

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Foto: Prefeitura de Santa Maria (divulgação)

Já a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos informou que, de forma emergencial, começará obras em galerias pluviais nas ruas Visconde Ferreira Pinto até Rua Oscar Henrique Zappe, no Bairro Itararé, na Rua Santa Catarina, no Bairro Pinheiro Machado, na Vila Tomazetti, no Bairro Tomazetti e no loteamento Jardim Lindóia, no Bairro Renascença.

O objetivo é que antigos problemas que inviabilizavam a rotina de moradores sejam amenizados a exemplo do trabalho na Rua Maranhão, no Bairro Pinheiro Machado. Lá, foram investidos R$ 1.323.811,64. A obra teve início em 1º de fevereiro deste ano e finalização em 16 de agosto. Segundo a prefeitura, com o Fundo Pró-Saneamento pretende-se, ainda, fazer outras intervenções na cidade. Cerca de R$ 2 milhões deste recurso já foram usados na drenagem pluvial da Rua Maranhão e na Rua Riachuelo - esta com investimento de cerca de R$ 400 mil somente na parte de drenagem.

HISTÓRICO
Santa Maria tem o 2º outubro mais chuvoso em 58 anos, ficando atrás apenas 1997, quando choveu 476,9mm no mesmo mês. Segundo o Inmet, neste ano, foram registrados 455,4mm. Veja alguns anos em que o volume de chuvas em outubro foi expressivo e acima de 300mm.

  • Outubro de 1961 - 300mm
  • Outubro de 1963 - 335,8mm
  • Outubro de 1997 - 476,9mm
  • Outubro de 2002 - 349,8mm
  • Outubro de 2016 - 377mm
  • Outubro de 2015 - 428 mm
  • Outubro de 2019 - 455,4 mm

RECORDE ABSOLUTO
Para além dos outubros, abril de 1941 ficou marcado pela denominada "Grande Enchente", que inundou boa parte do Estado. Segundo o Inmet, foi quando Santa Maria registrou seu recorde absoluto em um mês: 616,3 mm

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