Jaqueline Silveira

Todos os detalhes sobre os bastidores e as reviravoltas do Caso Kiss

Todos os detalhes sobre os bastidores  e as reviravoltas do Caso Kiss

Foto: STJ (Divulgação)

Depois de mais de 10 anos, o processo sobre o incêndio da boate Kiss chegou aos tribunais superiores, porém sem um desfecho. Na última terça-feira, começou o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do recurso especial, utilizado para discutir questões acerca de lei federal, mas acabou suspenso por um pedido de vistas de dois ministros.

 
A análise do recurso especial recai sobre a nulidade da condenação dos quatro réus – Elissandro Spohr, Luciano Bonilha Leão, Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Hoffmann – determinada por decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado. O que os ministros da 6ª Turma do STJ começaram a julgar foram essas nulidades – vícios formais que teriam ocorrido anteriormente e durante o júri, realizado em dezembro de 2021.

 
Seriam quatro vícios: três sorteios dos jurados ao invés de um e fora do prazo, reunião reservada do juiz Orlando Faccini Neto com corpo de jurados sem as defesas – que não tomaram conhecimento sobre o assunto tratado – , formulação de quesitos (perguntas) pelo magistrado aos jurados que geraram dificuldade de compreensão e alguns que não estavam contemplados na sentença de pronúncia – decisão de levar os quatro réus a júri popular – e a inovação dos argumentos acusatórios na réplica (teoria da cegueira deliberada) pelo Ministério Público (nulidade alegada só pela defesa de Mauro Hoffmann).


Voz das defesas na sessão do STJ

Para os quatro defensores dos réus – Bruno de Menezes, Jean Severo, Jader Marques e Tatiana Borsa –, as nulidades ou vícios formais causaram prejuízo aos réus, tese que foi acolhida pela maioria dos desembargadores da 1ª Câmara do TJ, anulando, em agosto de 2022, o resultado do júri,realizado em 2021.

 
Os advogados reafirmaram o prejuízo à defesa durante a sustentação oral na sessão do STJ, terça-feira, principalmente em relação “às surpresas” ocorridas durante o julgamento de dezembro de 2021. “Nós não tivemos tempo hábil para consultar quem eram os jurados. Queremos que a lei seja cumprida e as nulidades reconhecidas porque são absolutas – argumentou Tatiana Borsa, advogada do vocalista Marcelo dos Santos, sobre o terceiro sorteio de jurados. “Nós temos demonstradas as nulidades, temos um julgamento que condenou os réus que ficaram sete meses presos, como não se pode presumir a existência de prejuízo?”, questionou Bruno Menezes, defensor de Mauro Hoffmann.


MP e relator em sintonia

No julgamento do STJ, Ministério Público e o relator estiveram em sintonia em relação às nulidades. Ex-procuradora-geral da República no governo do Michel Temer (MDB), Raquel Dodge fez a manifestação em nome da PGR. “(...) Todas elas (nulidades) precisariam de prova de prejuízo sobre o devido processo legal, sobre a imputação da culpa aos réus, a forma como se desenvolveu a defesa e a acusação no procedimento submetido ao tribunal do júri. Por essas razões, me parece que o recurso deve ser realmente provido para que as nulidades sejam afastadas e as sentenças condenatórias sejam restabelecidas” , argumentou a subprocuradora-geral da República.

 
Assim como o Ministério Público, o relator do recurso especial no STJ, o ministro Rogério Schietti Cruz (foto) até reconheceu que ocorreram alguns vícios. Contudo, conforme seu entendimento, as nulidades não foram graves a ponto de causar prejuízo à defesa e a consequente anulação do júri diante das dificuldades de um processo tão complexo.

“É um julgamento de uma tragédia ímpar, cujos efeitos se refletem nas vidas de familiares e amigos das 242 vítimas fatais e dos 636 sobreviventes do incêndio, circunstâncias que indicam necessidade de maiores cautelas na realização de tal julgamento. Não identifico, portanto, nulidade no ato de convocar suplentes a fim de evitar ocorrência de estouro de urna”, sustentou Cruz, sobre o três sorteios.
Em relação à reunião reservada entre juiz e jurados e questionamentos sobre os quesitos, o ministro entendeu que ambas as nulidades não foram manifestadas dentro do prazo legal, portanto não poderiam ser alvo de análise. Já quanto à inovação acusatória (acusação que não constava no processo) na réplica pelo MP, Cruz avaliou que nem configurou nulidade, mas, sim, um “recurso retórico em hipótese”.

Por fim, sobre a devassa feita pelo Ministério Público ao consultar o sistema de lista integrada de jurados, Cruz sustentou que as defesas não conseguiram demonstrar prejuízo, rejeitando configurar um vício.


Validade do júri

Em resumo, o voto do relator Rogério Schietti Cruz – ao julgar que todas as falhas apontadas pela defesa não implicaram em prejuízo à defesa – foi favorável à validade do júri como sustentou o MP no recurso especial. “Eu concluo por não reconhecer o agravo de recurso especial do Luciano Bonilha Leão e por conhecer e dar provimento ao recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul para afastar as nulidades reconhecidas” , afirmou Cruz, validando o resultado do júri, ou seja, a condenação dos réus.

 
No seu voto, o relator não deliberou acerca da pena imposta pelo júri. Apenas se manifestou que a prisão dos réus deveria ser imediata como consequência do restabelecimento do julgamento de dezembro de 2021. Mas como houve um pedido de vistas de dois ministros, a análise do recurso especial foi suspensa. Com isso, a decisão que vale, no momento, é da nulidade do júri com os réus em liberdade.


Pedido de vistas

É uma prerrogativa que os ministros lançam mão para terem mais tempo na análise dos processos. Os magistrados Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior solicitaram o pedido, provavelmente motivados pelo voto do relator. Contudo, isso não quer dizer que ambos concordem com os argumentos de Cruz. Em seus votos, podem decidir tanto a favor quanto contra a anulação.

 
O pedido de vista é de até 90 dias. Contudo podem não utilizar todo esse período. Quando encerrarem a análise, os ministros informarão a presidente da 6ª Câmara, Laurita Vaz, e uma nova data será agendada para a retomada do julgamento do recurso especial. O mês de julho será de recesso no STJ, portanto, pode levar até quatro meses para a realização da nova sessão, mas a informação de bastidor é que os ministros não utilizarão todo o prazo para concluir a análise. O julgamento poderá ocorrer antes desse período.

Dois resultados

O julgamento do recurso especial pode ter dois resultados. Se os ministros decidirem pela validade do júri, a consequência é a manutenção das condenações e a prisão imediata dos réus. Ou seja, restabelece a decisão de dezembro de 2021. Com isso, o caso volta a ser analisado pela 1ª Turma Criminal do TJ em relação ao restante das questões alegadas no recurso de apelação. Como a maioria dos desembargadores votou pela nulidade do júri, os demais aspectos apontados pelo Ministério Público e as defesas ficaram prejudicados. Por exemplo, não se discutiu o mérito, ou seja, se foi homicídio culposo (sem intenção) ou dolo eventual (assume o risco de provocar o incêndio), além disso, MP pediu aumento das penas, e os advogados, a redução.

 
Se a decisão for pela nulidade do Júri, caberá à Vara do Júri de Porto Alegre marcar novo julgamento. E, enquanto aguardam, os réus continuam soltos.


A espera das famílias

“Trata-se, sem dúvida, de mais um capítulo que traz angústia e sofrimento para os familiares das 242 vítimas e dos 636 sobreviventes, mas que esperamos que o julgamento represente mais um passo da caminhada de elaboração de um luto denso e profundo.” A declaração da presidente da 6ª Câmara, Laurita Vaz, logo no início do julgamento, resume um pouco do drama que pais e mães têm enfrentado nesses mais de 10 anos.

 
A ferida aberta pela perda dos filhos nunca cicatrizará, mas, ao menos, poderia abrandar com decisões mais rápidas. Ao mesmo tempo, é assegurada aos réus a ampla defesa, princípio consagrado pela Constituição.

Diante de tamanha tragédia, é claro que não se pode exigir de um pai e de uma mãe que possam agir com a razão e compreendam que nulidades e pedidos de vista de 90 dias possam prevalecer em relação à perda de 242 vidas. Muito menos compreender esse vaivém e reviravoltas. Infelizmente, a espera angustiante de um desfecho final seguirá.


 


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