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Reeleição e mea culpa

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No artigo Reeleição e crises, publicado simultaneamente no Estadão e O Globo (06/09/2020), Fernando Henrique Cardoso (FHC) reconheceu que a emenda da reeleição que foi aprovada no seu governo foi um erro: "Cabe aqui um 'mea culpa'. Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição. (...) Sabia, e continuo pensando assim, que um mandato de quatro anos é pouco para 'fazer algo' (...) Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade".

"Vem tarde e não vai dar em nada o mea culpa de FHC", escreveu o jornalista Ricardo Noblat no seu blog, na Veja. A PEC da reeleição foi aprovada em 1997 e permitiu que FHC conquistasse um segundo mandato em 1998. Na ocasião, FHC foi acusado de compra de votos de parlamentares, o que voltou a negar. Disse que, na época, a maioria da população e do Congresso era favorável à reeleição porque temiam a vitória de Lula. O que, de fato, viria a ocorrer em 2002. Quer dizer então que FHC participou de um boicote contra a candidatura de Lula? Cabe aqui o provérbio: "a emenda saiu pior do que o soneto", que significa tentar arrumar algo e deixar pior do que estava!

Esqueceu de falar que, no bojo da emenda da reeleição presidencial, vinha embutida a reeleição de governadores e prefeitos. O que se costuma chamar de "trenzinho da alegria". Como disse o atual ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles), na memorável reunião ministerial de 22/04/2020, "onde passa um boi, passa uma boiada". Ao invés de pedir ao eleitorado um voto "plebiscitário" de 4 anos, como é hoje, é preferível um mandato de 5 anos e ponto final, disse FHC. Como assim? Mas essa não era a regra no seu primeiro mandato? Na pressa de se justificar, FHC não percebeu a contradição.

É incrível o efeito que o poder desperta nas pessoas, a ponto de levá-las a arriscar as próprias biografias. Noblat diz que FHC omitiu, no seu artigo, a conversa em que foi cobrado pelo ex-presidente Itamar Franco se era favorável à reeleição. Disse, na época, que não. Estava claro que não falava a verdade. A pergunta fazia sentido: Itamar, que exercera um mandato "tampão" de 2 anos (por causa da cassação do mandato de Collor), tinha planos de se candidatar, findo o mandato de FHC, à Presidência. Itamar podia até ser folclórico, mas bobo ele não era!

A mudança de opinião de FHC parece estar relacionada com o atual comportamento de Bolsonaro, que se elegeu com discurso contra a reeleição, e hoje se encontra em plena campanha pela reeleição. Lula e Dilma também foram coniventes: tiveram chance de apresentar uma emenda para acabar com a reeleição, mas não o fizeram. Pensaram mais em si próprios. Talvez, eles devessem fazer mea culpa também.

Agora, vai ser difícil voltar atrás. Basta ver a lista de vereadores e prefeitos que concorrem à reeleição. Nada pessoal, apenas para exemplificar a distorção causada pelo instituto da reeleição, basta lembra que, aqui em Santa Maria, prefeito e vice estão no páreo. Este último inclusive acumula sete mandatos de vereador, totalizando 28 anos (mais quatro anos como vice). Tudo dentro da lei. O problema é que sucessivas reeleições tornam o candidato mais conhecido do eleitor. Ele tem mais exposição, verbas e gabinete para preparar a sua reeleição, o que lhe dá uma vantagem competitiva em relação aos outros concorrentes. Isso acaba por comprometer um dos princípios básicos da democracia - a alternância do poder. 

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