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Quem sete vezes cai, levanta oito

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style="width: 100%;" data-filename="retriever">Lá vem ela pedalando, sem rodinha, conseguiu alcançar a velocidade necessária para ter equilíbrio, pisou forte demais e ''poft'', veio ao chão. Eu me levanto da cadeira e vou correndo para acudir. São três passos e poucos segundos em que já vou tentando entender se foi grave ou não, se quebrou o braço ou apenas arranhou o joelho. Independente disso, ela chora desesperadamente sem conseguir controlar. Para ela, é sempre grave, sempre "dói muito'' e aqueles minutos no meu colo parecem durar horas de incompreensão. Pronto, ralou só o joelho, filha, vai passar. Faço um curativo, seco suas lágrimas e vou deixando que ela elabore tudo. A emoção de tentar, a frustração do tombo, a dor do joelho ralado, a vontade de seguir brincando.

Entre um soluço e outro ela me olha, me abraça e com os olhos ensopados demonstra não entender o porquê da dor, o porquê da queda. É como se ela estivesse experimentando pela primeira vez os limites da natureza, da vida. De fato, está. A cada dia uma nova aventura, uma nova ferida e um novo aprendizado. Cada experiência parece única e vivemos, os dois, com muita intensidade.

No verão passado, ela entendeu que não é possível mergulhar e respirar ao mesmo tempo. Aprendeu a trancar a respiração debaixo d'água sem colocar as mãos no nariz. Vocês precisavam ver a alegria dela. Vocês precisavam ver a minha alegria. Antes de aprender, é claro, teve nariz ardendo com água, choro e por várias vezes eu escutei "estou com medo, papai''. Quando ela diz isso, eu me vejo encurralado, tentando encontrar a medida certa entre deixá-la experimentar a vida e protegê-la da dor. Se oferecer proteção demasiada, eu colaborarei para que ela se torne frágil no futuro. As coisas não podem ser soltas também, sem cuidado ou contenção. No fim das contas, gosto de pensar naquilo que é suficientemente bom. Uma medida que vou aprendendo aos poucos. Exige tentar, se doar e estar atento a todos os sinais. Exige amor. 

Ao mesmo tempo em que a minha filha afirma seu medo, ela me olha como quem diz "eu quero muito tentar, apenas fique perto e cuide de mim''. Aos poucos fomos construindo nossa comunicação sem palavras. Isso se chama confiança, se chama intimidade.  No seu olhar eu enxergo o entusiasmo lutando contra o medo e diante disso só me resta uma coisa, emprestar a minha coragem a ela. Joga o medo para o mato! Eu digo. Ela sorri e súplica "sai, medo, me deixa tentar''. Eu balanço a cabeça positivamente como forma de autorizar a decolagem. Ela entende o sinal, se empodera de si e sai voando para um mergulho em sua própria coragem.

É sublime acompanhar a tudo isso. Na medida em que ela vai se tornando mais forte, eu me fortaleço também. ''Eu consegui, papai'', ela me diz com os olhos cheios de alegria, cheios de potência e vontade de viver. Nós conseguimos, eu concluo silenciosamente enquanto afirmo para ela que estou muito orgulhoso. O dia acaba, chega a hora do banho para lembrá-la que o joelho segue ralado e ardendo. Demora um tempo até cicatrizar, filha. Mas vai passar, eu te garanto. "Eu sei, papai''. Amanhã eu posso pedalar um montão? Pode, sim. Se você cair novamente eu vou estar lá, quantas vezes for necessário, até que você possa se levantar sozinha. Na vida é assim, nós caímos enquanto estamos aprendendo. O importante é não deixar de tentar, de confiar em si e seguir levantando.

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