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Encantamento e emoções

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Na infância, mais do que em qualquer período da nossa vida, aprender é descobrir caminhos novos, é revelar os mistérios que se escondem atrás dos véus que encobrem o desconhecido. No meu caso, menino criado no campo que fui, numa época em que as notícias chegavam pelas ondas captadas, entre ruídos e chiados, por enorme rádio de válvulas e, apenas esporadicamente, de trem ou a cavalo, pela palavra impressa dos jornais "Correio do Povo", "Diário de Notícias" e "A Razão" (se, então, eu soubesse que, num distante futuro, me tornaria cronista desse último jornal, talvez, repartisse a angústia da longa espera apenas com os quero-queros, indiscretos confidentes de meus devaneios infantis) e de deslumbrantes revistas, certamente as revelações do conheci-mento adquirido pela experimentação tinham um sabor todo especial.

Mas, sem dúvidas, o que mais me fez feliz foi aprender a ler, pois antes de me alfabetizar, mais do que as fotografias e as imagens estampadas em "O Cruzeiro", em "A Cigarra", nas "Seleções do Rider's Digest", me fascinavam as palavras dispostas, ordeiras, no texto, cujo mágico significado eu não conseguia decifrar. E, mesmo assim, me perdia por horas a fio, em voos da imaginação, folheando aquelas revistas.

E havia, solene na sua capa dura e negra, um imenso dicionário a desafiar a minha capacidade de inventar sentidos e significados para aquele mar de palavras enfileiradas nas centenas de páginas do grosso e pesado livro.

Quando consegui ler as primeiras palavras da cartilha usada pela minha mãe na alfabetização dos seus pequenos alunos - ela era professora do Grupo Escolar de Capão Grande - senti-me quase senhor do mundo, orgulhoso guerreiro, capaz de conquistar todas as longínquas terras que eu apenas intuía existirem. Somente depois de adulto, compreendi a razão do fascínio que as palavras exerciam sobre mim e o porquê da imensa felicidade que me trouxe, então, aprender a ler, pois, hoje, se escrevo por dever de ofício, também o faço por paixão e por quase vital necessidade.

Quando nasce, com naturalidade, espontânea, uma petição bem elaborada, mas, principalmente, quando trago à vida uma crônica emocionada, um conto cheio de respingos de vida ou um poema despretensioso, me refaço menino encantado a descobrir o significado de cada palavra daquele velho dicionário, que se perdeu em alguma mudança ou, simplesmente, se fez alimento para vaidosas traças, esquecido na gaveta de um armário que o tempo apartou de mim; me faço novamente guri de pés descalços na terra ainda úmida da chuva primaveril recém caída, sob a fronde generosa de um grande cinamomo, a viajar, feliz, pelas páginas de revistas que já não existem, mas que estão eternizadas no meu encantamento de piá.

Este texto não é novo e só o resgatei porque ele retrata parte da enorme emoção a que fui submetido na quinta-feira passada, dia 13 de janeiro, ao participar do programa DNA, da Rádio CDN, também veiculado pela TV Diário e nas redes sociais, produzido e apresentado pelos talentosos e competentes jornalistas Luisa Neves e Cassiano Cavalheiro, no qual, tais lembranças afloraram fartamente em forma de palavras e de lágrimas.

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