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A ilusão do crescimento

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Em recente entrevista a uma emissora de rádio, Bolsonaro demonstrou que continua sem entender nada de economia. Ele disse a seguinte pérola: "Alguns projetam um crescimento de 5% positivo esse ano? Se é 5% positivo e o ano passado foi 4% negativo, crescemos 9%. É um milagre. É uma coisa inacreditável". Realmente, é inacreditável que alguém demonstre tamanha ignorância a respeito de economia, ainda mais tratando-se do presidente da República.

Para começar, é preciso entender como se mede o crescimento. Isso é feito pelo cálculo do Produto Interno Bruto - o famoso PIB. A forma mais usada para medir o crescimento é somar o valor dos bens e serviços finais produzidos por uma economia, num determinado ano, e compará-lo com o ano anterior. A mídia, geralmente, traduz esse conceito simplesmente como "a riqueza do país" e omite a palavra finais, o que faz toda a diferença. No caso, o PIB soma apenas os bens e serviços prontos ou acabados vendidos ao consumidor final. Ou seja, os bens intermediários ou matérias-primas não entram no cálculo, pois, se assim o fizesse, estaria fazendo uma dupla contagem.

Mas voltemos ao "milagre" de Bolsonaro do crescimento de 9%. O cálculo que ele fez foi somar a queda do PIB de 2020, de 4,1%, com a previsão de crescimento do PIB para 2021 de 5%, segundo estimativa do mercado financeiro. Isso é um absurdo! Se deixamos de produzir cerca de 4% de bens e serviços em 2020 e se a produção voltar a crescer 5% em 2021, simplesmente estamos repondo a perda do ano passado com um pequeno aumento da ordem de 1%. Na verdade, a estimativa do Banco Central é de um aumento de 4,6% do PIB para 2021, o que resultaria num crescimento real de 0,5% descontando a queda do PIB do ano passado.

Ocorre que esse provável crescimento é uma ilusão. Primeiro, porque a base de comparação (2020) é um ano em que houve forte queda da produção por causa da pandemia. Segundo, porque a estimativa de crescimento para 2021 sofre forte influência do agronegócio, beneficiado pela alta do preço das comodities no mercado externo e pela desvalorização do real. Isso é confirmado pelos dados disponíveis para o primeiro trimestre do ano (comparado com o último trimestre de 2020): a agropecuária cresceu 5,7%, o setor serviços 0,4% e a indústria 0,7%. Pela ótica da despesa, observa-se quedas no consumo das famílias (-0,1%) e nos gastos do governo (-0,8%).

O que os números nos mostram? Primeiro, que o crescimento não beneficia a maioria do povo brasileiro. Ele está concentrado basicamente na agropecuária, que deixa de vender no mercado interno porque é mais lucrativo vender no mercado externo. Além da alta global do preço das comodities, soma-se a desvalorização da moeda nacional, que é percebida pelo consumidor estrangeiro como um "desconto" no preço do bem importado. Já para o consumidor nacional, o efeito é similar a um "imposto" que encarece mais de cinco vezes o preço que pagaria, caso a economia brasileira fosse "fechada". Isso explica porque o consumo das famílias - o principal componente do PIB pelo cálculo da despesa - foi negativo no 1º trimestre.

O paradoxo é que o crescimento do PIB não necessariamente se traduz em melhora na qualidade de vida da população em geral. O que é barato para o consumidor estrangeiro, é muito caro para o brasileiro. Exemplo: o preço da carne subiu 36%, o arroz 60% e o feijão 70%, nos últimos 12 meses. O país produz safra recorde, mas falta comida na mesa do consumidor local. Além disso, a alta no preço dos alimentos provoca uma transferência de renda dos mais pobres, que comprometem uma parte maior do salário com alimentação, para as classes mais favorecidas. Mas não é só através da alimentação. Atinge também o aluguel, cujo índice de reajuste (IGP-M), influenciado pelo dólar e comodities, subiu 36% em 12 meses.

Por outro lado, a queda dos gastos do governo no primeiro trimestre do ano está relacionada, principalmente, com a suspensão do auxílio emergencial no período. Isso prejudicou também os mais pobres - que são os que mais sofrem com a pandemia. Do mesmo modo, o baixo crescimento do setor serviços, que é o que mais emprega, contribuiu para o aumento do desemprego que hoje atinge quase 15 milhões de trabalhadores.

Você já parou para pensar até que ponto o crescimento do PIB é um indicador de qualidade de vida, como sugerem os economistas? Pensando bem, ele mais parece uma espécie de medidor de felicidade dos ricos.

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