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A barbárie e os bebês

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Nunca uma guerra chegou tão perto das pessoas como a invasão da Ucrânia pela Rússia. Isso é paradoxal, pois ambos os países estão a milhares de quilômetros de distância de nós. Acontece que, nunca antes, a cobertura de uma guerra foi tão ampla, e com tantos meios de divulgação, quanto esta. Parece uma série de TV, em que, diariamente, um novo episódio é colocado no ar. Porém, com uma enorme diferença: os personagens são reais.

As cenas de selvageria que assistimos todos os dias, não são ficção. Os mortos não voltarão à vida. Os refugiados perderam todas as referências que tinham; as bombas destruíram não só seus lares, mas também o futuro. Mas nada se compara ao drama das crianças e recém-nascidos indefesos. Incapazes de compreender a barbárie à sua volta, eles sorriem como costumam fazer os bebês. Dá vontade de chorar ao ver o olhar curioso de cada um e a desumanidade de colocar suas vidas em risco. Mas pode ser também enxergar um fio de esperança na nova geração.

Acho que, nessa hora, todos estão se perguntando como o ser humano pode se degradar a tal ponto. Isso é o que realmente importa. Discutir qual lado tem razão, parece ser um exercício inútil a essa altura dos acontecimentos. Quem está errado é quem começou a guerra. Isso basta, para mim. Mas, não custa, expor os dois lados.

Os que defendem a Rússia justificam a invasão pela expansão da Otan, cujo ingresso da Ucrânia na Organização seria uma ameaça ao povo russo, por representar a maior fronteira com a Rússia. Com o fim da "guerra fria", a Otan deveria ser desmobilizada. Mas parece que aconteceu o contrário, com o ingresso de alguns países que antes faziam parte da antiga URSS. Porém, essa questão deveria ser discutida lá atrás, por meio da diplomacia. Só que Putin e os oligarcas que o apoiam estavam muito ocupados saqueando as empresas estatais socialistas e comprando armas.

Pelo lado da Ucrânia, o argumento é que o seu povo tem o direito de tomar suas próprias decisões, uma vez que o Ato de Independência, proclamado pelo Parlamento ucraniano em 1991, foi aprovado, através de um referendo, por mais de 92% da população.

Que decisões seriam essas? Entrar para a Otan e União Europeia. Enquanto a Ucrânia teve um governo pró-russo, essas demandas permaneceram distantes do poder. Isso acabou quando as manifestações de rua de 2014 derrubaram o presidente eleito, Viktor Yanukovych, que se exilou na Rússia. Em 2019, foi eleito presidente da Ucrânia, com 73% dos votos no segundo turno, Volodymyr Zelensky, um ator e comediante de 44 anos, que, até então, não tinha experiência política. Zelensky revelou-se um presidente pró-ocidente (chegou a haver até denúncia de interferência na eleição de Trump), o que desagradou a Moscou.

Inferior em exército e armamentos em relação a Rússia, Zelensky resolveu dobrar a aposta, imaginando, por inexperiência política, que teria apoio militar da OTAN. Ilusão, porque não era país-membro da Organização. Palhaço transformado em herói, a teimosia de Zelenky em prolongar uma guerra perdida, pode ter custado centenas de vidas. Mais dia menos dia, a guerra irá acabar e os historiadores irão avaliar se valeu a pena tanto sacrifício. E Zelensky receberá o lugar que merece na história.

Mas o ator principal, sem dúvida, é Vladimir Putin - um ex-agente da KGB, o serviço secreto da época da União Soviética. Putin está no poder desde 1999, após a renúncia de Boris Iéltsin, de quem era braço direito. Iéltsin foi responsável pela transformação da economia socialista da Rússia em uma economia de mercado. Graças a maneira como foi conduzido o processo de privatizações, uma grande parcela da riqueza nacional caiu nas mãos de um restrito grupo de milionários, que ficariam conhecidos como "oligarcas russos". Estima-se que 40% do PIB russo esteja nas mãos de apenas 100 oligarcas.

Putin é um nacionalista, cujas atitudes e manifestações oscilam entre o regime soviético e o regime dos czares. Talvez seja por isso que hoje seja apoiado apenas pelos extremos da esquerda e da direita. Para Putin, a Ucrânia faz parte da Rússia e critica Lenin pela criação das repúblicas socialistas, dentre elas a Ucrânia. Sonha com a volta ao passado do ditador Stalin ou do último Czar Nicolau II. Aposta no poder militar, mas tem diante de si um inimigo mais poderoso: o poder econômico.

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