Tecnologia

Quando sites e aplicativos são projetados para roubar sua atenção, seu tempo, sua vida


Imagine a seguinte situação hipotética: são 9 horas da manhã e você se planejou para finalizar aquele seu projeto atrasado até o meio-dia. Com foco e energia, umas três horas deverá ser o suficiente, certo?

Antes de pôr a mão na massa, uma notificação de aplicativo chama você para conferir uma atualização na sua rede social. Você vai lá, confere a publicação (é rapidinho! Já já eu volto pro meu projeto!), mas logo que finaliza a leitura, resolve rolar a página de atualizações pra baixo (só um pouquinho!). Depois de ter rolado a página e lido alguns textos aleatórios, surge na página um vídeo interessante, que começa a rodar automaticamente (bem, se ele já começou a rodar e se eu já assisti aos primeiros dez segundos, então não custa finalizá-lo, né?).

Quando o vídeo finaliza, a página mostra opções para outros vídeos, que parecem ser ainda mais interessantes, e ainda por cima todos eles envolvem cachorros (ué, como o computador sabe que eu sou fã de cachorros?). Você assiste a dois ou três vídeos e, de repente, aparecem no topo da página alguns números em vermelho, nos ícones de notificação, indicando que há novidades dos amigos. Logicamente você clica no ícone, afinal, vai que alguém tenha marcado você em alguma foto ou tenha curtido aquele texto que você publicou ontem à noite?

Por algum motivo, sua consciência resolve entrar em ação e manda você dar uma olhadinha no relógio. Aí, você descobre que faltam vinte minutos para o meio-dia e se pergunta: por que raios eu fiquei a manhã inteira conectado na internet e não trabalhei um minuto sequer naquele projeto atrasado? Enquanto desliga o computador para ir almoçar, você reflete sobre como usou as suas últimas horas e se arrepende de ter desperdiçado mais uma manhã com trivialidades.

Em vez de tranquilizar a sua alma e enriquecer a sua mente, no fim das contas, o uso da tecnologia o fez se sentir mal e arrependido. Se a tecnologia existe justamente para nos ajudar a resolver os nossos problemas, por que ela o levou a atrasar aquele seu projeto outra vez? Ou será que a responsabilidade é toda sua e você resolveu jogar toda a culpa na tecnologia?

Bem, talvez você não seja tão culpado assim. Há uma enorme chance de você estar caindo em constantes "armadilhas de atenção", cuidadosamente projetadas por designers que são especialistas exatamente nisso: em roubar a atenção das pessoas.

A procrastinação é um comportamento comum em todo ser humano. É perfeitamente normal se deixar levar pela falta de autocontrole e desperdiçar alguns minutos diários com trivialidades. O problema é que as empresas conhecem essas fraquezas humanas e as exploram metodicamente para sequestrar nosso precioso tempo. Afinal, estamos vivendo em plena era da "economia da atenção" e nunca o tempo valeu tanto dinheiro quanto vale agora.

A sua atenção vale (muito) dinheiro

Em 2011, o principal fundador e diretor do Facebook, Mark Zuckerberg, se tornou a pessoa mais jovem da história a entrar na lista de bilionários da revista Forbes, com um patrimônio estimado de 17 bilhões de dólares. Em 2017, este montante já estava no patamar dos 56 bilhões de dólares (algo como ganhar a última Mega-Sena 6.700 vezes). Como ele conseguiu tanto dinheiro? Ora, muito simples: coletando a nossa atenção. Isso mesmo: a nossa atenção vale muito dinheiro.

Nossa atenção é um recurso valiosíssimo para as empresas de tecnologia. Quanto mais pessoas gastam seu tempo usando um determinado site ou aplicativo, mais dinheiro este site ou aplicativo ganha. Afinal, quanto mais gente investindo seu tempo em um lugar, maior o número de anunciantes naquele mesmo lugar. Como consequência natural, temos uma competição acirradíssima entre as empresas de tecnologia, que fazem de tudo para roubar o nosso tempo. Doamos nosso tempo ao entregarmos a nossa atenção.

Por essa razão, empresas como Facebook, Twitter, Google, Apple e Netflix investem pesados orçamentos em profissionais especializados em planejar e aplicar técnicas de design que maximizem o tempo gasto pelos usuários em seus respectivos produtos. Ou, em outras palavras, aplicam técnicas para sequestrar todo o seu foco cognitivo e emocional. Tais técnicas de design podem até parecer práticas naturais do mercado, mas elas já levantam muitas dúvidas éticas entre alguns autores e especialistas.

A ética no design de tecnologia

Um destes críticos é o designer Tristan Harris, que além de estudar o assunto, também criou uma ONG que visa alertar a população sobre este problema, a Time Well Spent ("tempo bem gasto"). Harris se questiona se é realmente correto as empresas aplicarem tais técnicas de design para "sequestrar atenções" de forma indiscriminada, sem que os usuários tenham noção de que estas técnicas estejam agindo em seus sistemas cognitivos.

Talvez você esteja se questionando se esta preocupação é realmente válida, afinal, quase todo mundo que se comunica tenta "sequestrar" a atenção do interlocutor. Eu mesmo, neste exato momento, estou tentando tomar a sua atenção, caro leitor, por meio deste texto, certo?

O problema é que, no caso das empresas de tecnologia, as técnicas de design não apelam para a interpretação consciente do interlocutor, mas buscam atingir alguns pontos fracos do modo como o cérebro humano funciona, tirando a chance de o usuário decidir conscientemente se quer manter sua atenção no site ou aplicativo por tanto tempo. Em outras palavras, é como se esses designers fossem especialistas em manipular nossa capacidade de autocontrole cognitivo. E, o que é mais assustador, ainda aplicam tais técnicas de maneira excessiva em seus produtos sem refletir sobre seus impactos na vida dos usuários.

Explorando as fraquezas do cérebro humano

Entre as "fraquezas" do nosso cérebro, tais técnicas de design tentam explorar, por exemplo, o sistema de estímulos e recompensas que funciona com os neurotransmissores do cérebro, as sensações de prazer imediato, os movimentos repetitivos e automáticos de nossas mãos e olhos, a falta de autocontrole perante a extrema facilidade no consumo de informações, o medo psicológico de "estar por fora" das novidades de sua comunidade, entre outras vulnerabilidades da mente humana.

Entre as diversas técnicas aplicadas, consigo identificar algumas delas. Por exemplo:

  • Quando você rola a página do Facebook ou do Twitter para baixo, espera chegar a um final para só então decidir mudar seu comportamento (finalizei este bloco de informações: e agora, devo passar para a próxima página ou parar por aqui?). O problema é que os designers de sites e aplicativos inventaram a técnica de "rolagem infinita", ou seja, a página nunca tem um fim, pois quando estamos prestes a chegar no final, ela carrega mais informações. Dessa forma, a rolagem infinita engana a nossa noção de tempo e nos força a gastar mais minutos (ou horas) navegando.
  • Quando você navega na página com rolagem infinita, os vídeos começam a rodar de forma automática. Dessa maneira, o designer faz com que você pule o obstáculo físico do "clicar com o mouse no play" e, assim, facilita muito o início do seu engajamento com o vídeo, mesmo que você não tivesse o desejo explícito de iniciar tal engajamento. Aí se vão mais alguns minutos de atenção na página.
  • Quando o vídeo é finalizado, são mostradas caixinhas com miniaturas de vídeos personalizados, que chamam muito a sua atenção. Afinal de contas, os sites de redes sociais têm posse de seus dados pessoais e, com o uso da inteligência artificial, conseguem processar esses dados pessoais e identificar os assuntos que você mais gosta. Então, se você é um fanático por carros, há uma grande chance destas caixinhas mostrarem vídeos sobre carros, o que aumenta muito a chance de você clicar na caixinha e assistir ao próximo vídeo.
  • Alguns sites, como o Youtube e o Netflix, foram ainda mais longe: logo após a finalização de um vídeo, em vez de mostrarem caixinhas para você clicar, eles simplesmente rodam os próximos vídeos de forma automática, sem que você precise clicar no play.

Há algumas técnicas que não são tão explícitas e que eu ainda não tinha me dado conta. Como Tristan Harris é um designer de sites e aplicativos, ele mesmo revelou algumas dessas técnicas usadas pelos profissionais:

  • As notificações podem ser usadas para explorar a sua curiosidade natural e o seu medo de "estar por fora". O Twitter, por exemplo, usa uma técnica interessante: segundo Harris, assim que você acessa a página da rede social, ela não mostra as suas notificações de imediato, ou seja, ela atrasa as notificações de maneira proposital, pois desta maneira ela cria a sensação de que alguma novidade pode aparecer a qualquer momento, criando no usuário a sensação de que não seria bom ele deixar a página.
  • As notificações também são uma forma de explorar a insegurança e a autoestima. De acordo com Harris, toda vez que você atualiza a sua foto de perfil do Facebook, a rede social atrasa propositadamente as notificações de novas curtidas da foto. Ou seja, se dez pessoas curtiram sua nova foto no intervalo de um minuto, o site irá notificar apenas parte destas notificações neste minuto e deverá mostrar a outra parte no decorrer dos próximos minutos. Desta forma, você deverá continuar online na rede social por mais tempo, pois como um legítimo ser humano, você está ansioso para que a sua nova identidade seja aceita e validada pelo seu círculo social.

Diante disso tudo, a sensação é de que lá no seu início, o design da tecnologia era focado na resolução de problemas humanos reais (como projetar esta tecnologia para que ela funcione da melhor forma possível para as pessoas?). Já agora, parece que o design é projetado apenas para fazer com que as pessoas usem a tecnologia o máximo de tempo possível, independentemente da real necessidade ou da qualidade de seu uso. Ou seja: a tecnologia é desenhada para roubar a atenção das pessoas a qualquer custo.

Como usar melhor o meu tempo na internet?

Não estou tentando retirar as pessoas dos sites de redes sociais ou dos aplicativos. É claro que estes espaços também têm muitas vantagens. Não é porque o principal objetivo destas empresas seja me manter o máximo de tempo possível conectado que eu vou me tornar um ermitão. O Facebook é muito bom para manter contato com amigos, o Twitter é ótimo para se manter informado, o Netflix tem produções audiovisuais muito boas por um preço justo, o Youtube tem ótimos vídeos para educar e entreter.

Por outro lado, acho importante sabermos como usar o nosso tempo de forma saudável, já que o tempo é nosso recurso mais precioso. E o que podemos fazer para melhorar o uso do nosso tempo com a tecnologia?

A minha sugestão é começar pela compreensão de que a atual tecnologia de informação e comunicação não é neutra. Ela é projetada por especialistas que usam determinados interesses empresariais como referência. A atual estrutura da tecnologia digital é esboçada por empresas que competem entre si e que sobrevivem da nossa atenção. Eles querem que você use seus produtos pelo máximo de tempo possível, a qualquer custo. E quanto isto está custando para você? Minutos, horas, dias, projetos, realizações?

O segundo passo é analisar como você pode evitar os efeitos destas maliciosas técnicas de design. Por exemplo: os principais sistemas operacionais de smartphones permitem não apenas desativar todas as notificações temporariamente, como também desativar permanentemente as notificações de aplicativos específicos. Você já observou quais são os aplicativos que mais exigem investimento de atenção? Já notou quais aplicativos mais atrapalham na sua produtividade?

Minha terceira sugestão é reavaliar como você se comporta frente às notificações de redes sociais. Elas te deixam mais ansioso? Você costuma excluir publicações que não tiveram muitas curtidas? Por quê? Você costuma publicar apenas para obter aprovação? Essa busca por aprovação não o deixa mais tempo conectado que o necessário?

E se você for um designer de tecnologia, sugiro repensar os valores éticos aplicados no desenvolvimento de seus produtos. A tecnologia surgiu para nos dar poder, não para nos aprisionar, e os designers deveriam ter essa ideia em mente. Sempre que penso nisso, lembro de um jogo de computador que eu costumava jogar há alguns anos, chamado Anno 1404: após duas horas ininterruptas de jogo, uma personagem aparecia na tela e me alertava: "Você já está jogando há duas horas! O que acha de ir lá tomar um café?".


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Como a pós-verdade impediu o diálogo sobre o caso QueerMuseu Anterior

Como a pós-verdade impediu o diálogo sobre o caso QueerMuseu

Dez anos de smartphone e seu impacto na sociedade Próximo

Dez anos de smartphone e seu impacto na sociedade