tecnologia

O que diabos fizeram (mos) com a nossa liberdade?

As poucas vezes que escrevi por aqui eu fiz questão de falar positivamente. O título que recebi da Universidade Federal de Santa Maria de Mestre em Tecnologias Educacionais em Rede não veio para estampar a minha parede.  

Eu me comprometi em contribuir com a democratização da informação. Eu recebi qualificação científico-profissional para atuação em instituições educativas, formais e não formais, eu tive o privilégio de ter acesso a escopo e ambiente favorável para o desenvolvimento da inovação e democratização da educação livre e aberta. Eu, como meus colegas, direta ou indiretamente, tenho o dever de disseminar essa cultura.


Eu junto dos mestres Jerônimo Tybusch (esq.); André Zanki Cordenonsi, meu prientador (dir.) e; Ana Bulegon (dir.), no dia da minha defesa de dissertação, em agosto de 2017

E a melhor forma de fazer isso, penso, seria mostrar, apostar e seguir a espalhar as tecnologias colaborativas. Eu queria, quando a editoria me lembrou do prazo para entregar esse texto, ter elas como pauta. Eu acho, afinal, vital dizer e explorar a ideia de que, sim, nesse nosso mundo com economias cada vez mais globalizadas, em que as fronteiras geográficas tendem a ser eliminadas, o progresso e a inovação surgem do desejo e da necessidade que as pessoas têm de compartilhar.


Foto: Simplified divulgação
Tecnologia é meio. Sem pessoas capazes e dispostas, de verdade, a colaborar, tecnologia não é nada

Bingo! Pauta melhor acho difícil, pensei. Creio que nada na nossa seara seja mais relevante hoje do que prover uma experiência de colaboração de sucesso para democratizar o conhecimento, alavancar negócios e, obviamente, fomentar o desenvolvimento do país.

Mas aí a minha (e a sua, muito provavelmente) timeline está recheada de perfis doentios. Felizmente, encontrei entre as postagens que pulsavam forte e intensamente nos últimos dias uma que dizia exatamente isso: que estamos todos doentes. Dizia que se perdia a sensibilidade de lamentar a abrupta e violenta retirada de toda e qualquer vida. Dizia que se - e nos - perdia (mos) na reprodução e por vezes crença de opiniões reducionistas. Estou falando do assassinato da vereadora que afronta a democracia sim e também, mesmo que talvez você esteja cansado disso (e eu só lamento porque seguiremos a falar).


Foto: Direito & TI

Estou falando sobre os "sustentados" textos carregados de crenças religiosas e suas convicções morais, homofóbicas ou racistas. Estou falando de exercício de fascismo explícito. Mas também estou falando de ativismo de sofá. "É preciso assegurar o pleno ordenamento jurídico, de forma que as leis e princípios sejam respeitados e garantidos", diziam algumas outras das incontáveis notas de pesar, oriundas de quem nem sequer um dia olhou para a luta.


Foto: JustificaGovBr

Isso tudo, guardadas as devidas proporções, tão igual ao que combate a corrupção no Facebook, mas sonega impostos; tal e qual ao que tem o avatar sensível à causa de direito dos animais, mas deixa bichinho de rua passando calor e sede na frente de casa; tal e qual o que combate, veementemente e online, a violência contra a mulher mas, offline e "na vida real", é um severo praticamente da sua pior forma, penso eu: a humilhação e o desrespeito moral.

Não estou desvalorizando ou reduzindo o sentido da mobilização virtual. Sou a primeira da fila a defendê-la. Mas eu nunca estive tão preocupada quanto agora com a linha tênue entre imagem e identidade, entre pessoa e persona, que o mundo está vivenciando. Minha avó dizia que em todo lugar tem aquele que muito fala e pouco faz. Na internet também. É mais ou menos sobre isso que estou falando.


O "enter" de quem dissemina ódio afeta a democracia e não gera mudança

No estudo da comunicação, persona é um termo dado para descrever as versões de si mesmo que todos os indivíduos possuem. Partindo disso, eu digo que imagem é aquilo que os outros têm acerca dessa ou dessas personas que podemos fomentar. Mas identidade é o seu "RG", é quem tu verdadeiramente és. E é sobre isso que quero que pense: quem és quando ninguém está vendo?

Hoje há ferramentas que induzem o cidadão a assumir papel ativo na vida pública e as diversas redes sociais virtuais ajudam a cobrar e fiscalizar políticos, por exemplo. As plataformas de colaboração, aquelas sobre as quais eu comentei no início do texto, que queria abordar, têm muito disso.

O cidadão hiperpoderoso, que o é por todo acesso a informação que possui, se mobiliza, se alia, e numa rede efetiva de cooperação e colaboração, resolve problemas que, por via de regra - ou burocraticamente - levariam mais tempo para receber solução. Essas plataformas acabam por nos auxiliar a sermos protagonistas da mudança, agentes do progresso.

Mas eu passei a ter medo e estou fazendo de todo possível para não perder a esperança. Como falar sobre conexão, seja entre pessoas, ideias e tecnologias, com a epidemia de ódio vigente? Como cobrar pensamento e postura colaborativa de uma sociedade que sequer tem se mostrado solidária a dor do outro? Que sequer tem mostrado respeito a opinião do outro?

No universo corporativo, as tecnologias colaborativas possuem várias potencialidades importantes para organizar melhor o fluxo de trabalho, economizar tempo, aumentar a produtividade e, penso eu, propiciar motivação.

Mas, e na vida, no seu papel perante o mundo e diante dessa situação crítica do lugar pelo qual devíamos representar pertencimento? Podemos e devemos desafiar a sabedoria convencional e transportar todo esse potencial de colaboração para protagonizarmos a mudança, no nosso condomínio, no nosso bairro que seja. Para operar, para fazer, para acontecer. Não para aparecer.


Foto: Reflexões para Mente (Divulgação)
Quem és quando ninguém está vendo?

Discute-se muito. Faz-se pouco. Os problemas estão em livros, artigos, mas a maior parte deles não está onde realmente importa: nas mãos de alguém que faça. Estamos nos tornando meros produtores de conteúdo ao invés de protagonizarmos perspectiva de futuro. Somos todos bonitos e felizes no Instagram, mas não notamos a falta de brilho nos olhos dos nossos filhos. Assinamos e reproduzimos discursos ditos motivadores, mas na primeira demanda de luta querem que fiquemos sob o muro, nos abstendo de opinião, de lado. O exercício de retórica é o mais desenvolvido e a prática do "não é comigo", na verdade, se perpetua.

E é por isso que pela primeira vez eu não consegui ter forças para ser positiva. É por isso que eu temi falar hoje de comunicação e tecnologia, propriamente ditas. Nunca tivemos tanto delas e nunca houveram tantas oportunidades possibilitadas por esses meios. Mas também, nunca, como agora, devemos tanto quanto ao usufruto responsável da liberdade, seja de expressão ou enquadramento funcional. Nunca devemos tanto em ação!

As eleições estão chegando e seguimos fazendo parte do problema e não da solução porque, pura e simplesmente, vivemos apressados, deixamos de sorrir, passamos a brigar ao invés de dialogar. E o pior: não contribuímos, só apontamos. E nenhuma plataforma, virtual, voluntária e até de governo, por mais inovadora e funcionalidades que tenha, será de colaboração, se só houver dedo apontado. Isso é repositório, não ordem, nem progresso.

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