rascunho decupagem

Júlio Sarturi - Hospital de Caridade

- Nós parece um movimento de internação maior do que foi nosso pico, aparentemente, em junho e julho. Nós estamos bem estruturados, já tivemos uma curva de aprendizado muito boa. Hoje, desde o atendimento no Pronto-Socorro, até o atendimento nas áreas de internação até a UTI, estamos com uma certa tranquilidade. Nós temos duas situações, passamos um momento de alta, mas também estamos vislumbrando uma luz no fim do túnel que é a chegada das vacinas. Mas temos que pensar no hoje, e temos visto muito aumento.

Motivo para isso. Obviamente as pessoas cansaram, estão saindo mais, em aglomerações, o clima se propiciou. Tivemos várias situações para esse aumento do número de casos. Em consequência disso a gente está se estruturando o dia a dia.

É uma situação difícil, só que essa é a nossa profissão, e a gente tem realmente conversado muito com toda a equipe. A gente não pode e não vamos desistir nunca. O cansaço ele se resolve com descanso, mas o grande problema é que a população precisa saber que isso está impactando no nosso trabalho, na estrutura da saúde, visivelmente. As pessoas precisam ter consciência de tomar os cuidados necessários que já aprendemos desde o início da pandemia, como evitar as aglomerações, o uso de máscara, a lavagem de mãos. Está sendo difícil reposição de profissionais que estão adoecendo, que estão cansando. A montagem da nossa segunda UTI, com mais 10 leitos, foi difícil conseguir profissionais qualificados, com experiência em terapia intensiva.

Para nós, profissionais da saúde, esse cansaço se resolve com descaço, ele não se resolve nunca com o desistir. Nós não podemos e não vamos desistir. Só que realmente, a população precisa fazer a sua parte com os cuidados, porque isso impacta no nosso trabalho.

Nós não queremos colocar pânico na população. Nós aqui no Hospital de Caridade, no Alcides Brum, isso tudo vai ficar como um legado para gente, porque nós aprendemos muito e nos estruturamos de uma forma antes nunca imaginamos. A população tem que saber desse trabalho todo, dessa dedicação, e nos dar um retorno com esses cuidados. Nós temos visto grandes aglomerações, e a gente conhece a transmissão do vírus.

A gente não sabe o que vai acontecer, é preciso ter muita consciência.

Já tinha parado há 15 anos com a UTI e retornou.

Augusta Stocheru Deprá, 41 anos, enfermeira Alcides Brum

Num primeiro momento foi mais tenso, até para a gente saber como seria trabalhar numa ala Covid. Não sabemos como vai ser daqui pra frente, cada plantão é um dia. Lá no início a gente achou que seria um curto prazo da pandemia, mas diante do que a gente não sabe como vai ser o amanhã, o meu entendimento é de estar lá, enfrentar todo o dia o desafio, e poder ajudar um pouquinho mais cada pessoa que precisa. Eu me sinto mais segura dentro do hospital do que fora, porque nosso ambiente de trabalho, desde o início, temos uma estrutura muito bem organizada. Fora, eu percebo que as pessoas se cuidam menos, no uso da máscara, do alcool gel e da lavagem de mãos, o que lá já temos uma rotina. A gente enfrenta 'n' situações, talvez se as pessoas acompanhassem um pouquinho o que os nossos olhos veem, as pessoas pensariam diferente, na maneira de ter empatia e não pensar que está imune. Quando a gente sai do plantão, a gente sai cansado, todo o EPI que precisamos usar é cansativo para nós. E me chateia muito que ao sair eu percebo as pessoas sem se proteger e elas não tem noção do reflexo que isso pode ser.

Luciana Borges Segala, 50 anos, coordenadora da UTI Covid Husm e supervisora da residência de medicina intensiva do Husm

A gente trabalha sob condições de muito estresse por conta de ser uma doença, agora não tão desconhecida, mas ainda nova. O grande temor das equipes e dos profissionais de saúde é contaminar seus familiares. Agora no verão temos todo o vestimenta que é quase uma armadura, com a máscara precisamos falar mais alto, repetir. O trabalho em equipe, a comunicação é fundamental, e isso também se prejudica pela paramentação. Além de todo esse estresse que a gente vive também temos a restrição quando voltamos para casa, será que eu me contaminei, será que vou contaminar alguém que vive comigo, não tenho mais a possibilidade de lazer, confraternizar. A nossa responsabilidade é muito maior.

Depois de tantos meses a gente começou a ter um cansaço. As nossas férias tiveram que ser prorrogadas, porque não se tinha mão de obra para todo esse serviço. A gente acaba ficando mais cansada, mais irritadiça, são sintomas de que a gente está sob uma forte carga emocional. Outra questão que mexe muito com a gente é a notícia familiar. É perceber que aquela pessoa que está acordando de um coma, de uma situação grave, se vê sozinha dentro de uma UTI, a gente não pode proporcionar que ele tenha um encontro com familiar porque isso traz risco. A gente, para entregar notícias aos familiares, precisa ser por telefone, é muito impessoal, tudo o que se trabalha para ter uma humanização, para que a família se sinta acolhida, a gente teve que dar um "passo para trás". Para gente é muito complicado, a gente precisa trabalhar e dar aquela atenção, a gente lida com a emoção daquela pessoa, as famílias angustiadas. É um novo aprendizado, uma nova perspectiva. A gente, dentro da medicina intensiva, a gente já trabalha há um certo tempo da família estar mais presente com o paciente crítico, e agora como isso não é possível, a gente se sente como se tivesse meio incomodada com tudo isso, é uma situação que não depende de nós, e a gente tenta de todas as formas acolher essa família, mas é pesado, às vezes são histórias muito complicadas. A gente percebe que as vezes tu larga teu familiar dentro de uma UTI e pode receber de volta lacrado dentro de um caixão onde vai ser sepultado, o último contato é quando tu entregou na UTI. Isso nos comove bastante, nos traz uma carga emocional muito grande. Nós tentamos entre nós, profissionais, nos ajudar, temos um apoio muito grande dos profissionais da psicologia.

Mery Martins Neto, diretor técnico do Hospital Regional de Santa Maria

Tem sido um período de muito trabalho, porque muitas situações precisam se resolver rapidamente, exige uma atenção, um cuidado contínuo tanto com o paciente quanto com seu familiar, exige inovação, dedicação. Essa tem sido a nossa vida, desde o momento em que essa situação se apresentou pra gente. São desafios que permitem ver a diferença entre as pessoas que realmente gostam do que fazem, que tem condições de enfrentar esses desafios. Eu tenho orgulho de poder ter aqui uma equipe de profissionais em todas as áreas extremamente apaixonados pelo que fazem. É difícil e cansativo? É. Mas é extremamente recompensador.

O descumprimento dessas medidas vai levar, inexoravelmente, ao aumento do número de casos. Temos que entender que o sistema de saúde tem um limite, e esse limite ele não tem como ser vencido, que é o número de profissionais. Existe uma quantidade "x" de profissionais, eu posso querer mais, mas não existe. Quanto tempo leva para formar um médico? Seis anos, se tudo ocorrer bem, é formado um médico generalista. Quanto tempo leva para eu formar um médico intensivista? Seis anos, mais dois anos de residência interna e mais dois anos em terapia intensiva. São dez anos, uma década. Quantos de nós ainda vamos ter uma década pela frente? Quem poderia esperar uma década para um médico intensivista estar pronto e ser atendido na UTI? A gente tem que aceitar, respeitar e, como forma de se mostrar não resignado com isso, adotar as medidas de segurança. Você pode ter a área física, o equipamento, mas não vai ter o profissional. 

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