Política

Especialistas avaliam a intervenção federal no Rio de Janeiro

José Mauro Batista


Foto: Danilo Verpa/Folhapress (Diário) /Governo emprega Forças Armadas na intervenção federal decretada na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro

Assunto mais polêmico do país nos últimos dias, a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer (MDB), provocou uma série de debates e dúvidas entre autoridades e, também, entre especialistas de diversas áreas. O anúncio, feito no último dia 16, uma sexta-feira, pegou muitos de surpresa até por ser a primeira medida nesse sentido desde que a Constituição Federal de 1988 entrou em vigor. O Diário ouviu o sociólogo e ex-deputado federal Marcos Rolim e os professores de Direito Constitucional Valéria Ribas do Nascimento e Alberto Barreto Boerch sobre a intervenção como enfrentamento da violência e os seus aspectos jurídicos.

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EFEITO TEMPORÁRIO

Presidente do Instituto Cidade Segura e com longa trajetória na área de direitos humanos, Rolim primeiro questiona a escolha do Rio, já que aquele estado ocupa no mapa da violência brasileira. Segundo dados de 2016, o Rio é o 10º estado mais violento do país, com taxa de 37 homicídios para cada 100 mil habitantes, enquanto Sergipe, o mais violento do Brasil, tem uma taxa superior a 60 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes.

- Qual o problema do Rio? Se o problema é a violência, por que o Rio, se há nove estados mais violentos no Brasil? Mas se a questão é o descontrole sobre as polícias, como se observa nas declarações do governador Luiz Fernando Pezão, a coisa muda de conversa, e talvez fosse necessária uma intervenção para depurar as polícias - avalia Rolim, acrescentando que nos governos anteriores a Pezão, 400 oficiais da PM foram afastados por suspeita de corrupção e que voltaram por decisões judiciais.

O sociólogo é cético em relação a resultados positivos da intervenção e vê a medida como "uma grande operação política muito bem planejada pelo governo federal".

- Os efeitos tendem a ser muito pequenos. Deve ocorrer contenção da violência, por um tempo, mas depois os índices voltam a subir - afirma.

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Outro ponto que o sociólogo questiona é custo elevado da intervenção, que ele estima que ultrapassará a cifra de R$ 1 bilhão. No governo Dilma, lembra Rolim, foram gastos R$ 600 milhões em um ano e dois meses de ocupação militar no Complexo da Maré, um gasto diário de R$ 1,7 milhão.

- Não se resolveu nada com essa operação. Quando os militares saíram, os problemas voltaram com mais força - acrescenta, sustentando que com esse dinheiro seria possível reorganizar todo o sistema de segurança do Rio, com a compra de armamentos e equipamentos para a polícia e para pagar os policiais em dia.

Rolim também diz que o alvo do combate à violência e à criminalidade é errado.

- O crime organizado no Rio é o crime criado no governo Cabral (Sergio Cabral, MDB), na Assembleia Legislativa e até no Tribunal de Contas do Estado. O crime organizado está na cúpula do Rio. Na favela, está o crime desorganizado. O que um jovem que mal sabe escrever, que não pensa o mundo fora da favela onde vive, que mora no Rio e nunca viu o mar vai planejar? Ele é um varejista. Se vamos falar sobre crime organizado, este não se combate com tanques, mas com inteligência. A Lava-Jato não tem nenhum tanque - afirma.

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A MEDIDA

A intervenção, como a que ocorre no Rio, é prevista na Constituição e é aplicada em casos de gravidade

  • Decretada no dia 16 de fevereiro, a intervenção ocorre apenas na área da Segurança Pública do Rio de Janeiro e está prevista para durar até 31 de dezembro deste ano
  • A responsabilidade pela gestão da segurança, que é estadual, passa a ser do governo federal, representado por um interventor, no caso o general de Exército Walter Souza Braga Neto, comandante do Comando Militar do Leste, que abrange Rio, Minas Gerais e Espírito Santo 
  • O interventor tem carta branca para atuar na segurança pública, controlando Polícia Civil, Polícia Militar, bombeiros e a administração dos presídios, podendo demitir e contratar 
  • A intervenção, com a presença de militares das Forças Armadas, é diferente de ações anteriores no Rio e em outros estados, que tinham sido auxiliados pelo governo federal por meio de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e do emprego da Força Nacional 
  • As operações de GLO permitem ações excepcionais das Forças Armadas, em momentos de grave perturbação da ordem e incapacidade das forças tradicionais de segurança 
  • A intervenção federal no Rio é prevista na Constituição e o uso das Forças Armadas não a torna uma intervenção militar 
  • As Forças Armadas servem de apoio às forças de segurança, não atuando diretamente no policiamento 
  • A responsabilidade pelos atos da intervenção é civil e do presidente da República

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Sem consenso sobre a constitucionalidade do ato

Entre as medidas polêmicas que eventualmente poderão ocorrer durante a intervenção seria a permissão para a polícia ingressar em qualquer residência em determinada área para cumprir mandados de busca e apreensão e de prisões sem nomes e endereços específicos. A constitucionalidade de medidas como essas, que chegaram a ser cogitadas, divide juristas e especialistas em Direito Constitucional.

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Para a professora de Direito Constitucional e doutora pela Unisinos Valéria Ribas do Nascimento, vice-coordenadora da Pós-Graduação em Direito da UFSM, "há várias questões de inconstitucionalidade no decreto". Uma, segundo ela, refere-se ao artigo 34 da Constituição que fala de intervenção.

- A intervenção, se formos olhar, é de natureza civil, por definição. Não se pode instituir uma intervenção militar. A forma como se colocou no texto já seria passível de questionamento - avalia.

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Ela questiona a possibilidade de expedição de mandados coletivos, que permitiriam a entrada indiscriminada em residências. A restrição a direitos civis, segundo ela, só ocorre quando se decreta estado de defesa ou estado de sítio, medidas extremas diante de situações de gravidade.

- Particularmente, eu penso que um instrumento que fere direitos fundamentais para salvaguardar outros direitos fundamentais não serve. Não dá para justificar a proteção de um direito com base na violação de outro direito - defende.

Professor de Direito Constitucional e de Direitos Humanos no Centro Universitário Franciscano (Unifra) e na Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), Alberto Barreto Goerch parte da convicção de que uma intervenção "nunca é a melhor alternativa". Para o professor, a questão do Rio "era uma tragédia anunciada". Quanto a eventuais falhas no decreto em relação à Constituição, Goerch avalia que não há consenso entre juristas.

- Sempre que se trabalha com anormalidade, não temos um parâmetro, todo mundo está aprendendo. Os efeitos positivos e negativos vão surgir, mas em princípio tudo está dentro da lei e da ordem. Gostando ou não, o Temer, juridicamente falando, é um constitucionalista, e não tomaria uma medida que seria ruim para quem já não tem popularidade boa - diz o professor.

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