Artigo

OPINIÃO: Sobre Nietzche, convicções e racionalidade

Giorgio Forgiarini

Não conheço Nietzche. Nunca parei para ler ou estudar sua obra. Não me coloco entre seus entusiastas pela mesma razão que não me associo a seus detratores: não opino sobre o que desconheço. Digo isso, não por menosprezo, mas simplesmente porque meu radar de curiosidades até aqui esteve apontado para outras áreas da leitura e do pensamento. 

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De qualquer forma, não sou imune a ele. De quando em quando uma ou outra frase atribuída ao filósofo alemão (ou prusso, que seja) chega a mim por artigos, livros ou conversas de bar. As redes sociais, sempre elas, são pródigas em retumbar frases curtas de pensadores famosos, sendo Nietzche um dos mais parafraseados.

Pois uma frase atribuída a esse moço cada vez mais me chama a atenção. Teria ele dito que “a maior inimiga da verdade não é a mentira, mas a convicção”. Não tenho ideia do contexto em que foi colocada essa sentença nem mesmo se foi Nietzche mesmo quem a proferiu, mas não posso deixar de concordar com ela em si e por si. 

O convicto é um mal em si mesmo na medida em que ele se basta. O convicto tudo sabe e, por isso, não precisa refletir. O convicto não pensa, pois pensar pode levá-lo a sair do conforto de suas convicções. E a convicção, caros leitores, é confortável porque se adequa convenientemente aos sabores do convicto, afinal, ele normalmente só se convence daquilo que lhe agrada. Para piorar, se é difícil desmascarar um mentiroso, mais ainda é desmascarar um convicto, pois nem ele tem ciência da mentira de sua convicção: a defenderá com ardor, sem sequer ficar constrangido. 

Eis, então, o que reputo ser um dos males do Brasil. Mais do que de mentirosos, nosso país está repleto de convictos, deitados eternamente no berço esplêndido de suas convicções, bradando com autoridade sobre tudo o que julgam saber. 

Por mais que toda e qualquer evidência científica ou documental diga o contrário, é assustadoramente grande a quantidade de pessoas que acredita que não havia corrupção na ditadura, que cotas criam vagabundos, que direitos humanos só defendem bandidos, que feministas são feias e mal resolvidas, que o Estado brasileiro é inchado, que Papai Noel existe e por aí vai.

Todas essas convicções, penso, são fundadas numa única convicção: a de que professores, pesquisadores e cientistas são inúteis, que não passam de doutrinadores mal-intencionados, dedicados exclusivamente a corromper as mentes de pessoas de bem. Com base nessa convicção, anos de estudos, pesquisas, reflexões e talento são solenemente ignorados em prol de um sem número de convicções das mais infantis.

O antídoto para a convicção é a interrogação. O Brasil não precisa de moralismos tacanhos, de fórmulas mágicas ou de líderes encantados vestidos de farda militar, mas de ceticismo, de ponderação e de racionalidade. Abandonar convicções, eu sei, é difícil, mas mais do que nunca, é preciso. Pode ser desconfortável no início, mas há de fazer bem. Tentemos.


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