Eduardo Ramos
A cor cinza não é uma tendência passageira. Há anos, a cor é uma preferência tanto em ambientes internos, quanto em pinturas externas. Se andarmos pela cidade e olharmos com atenção, grande parte das edificações são pintadas de cinza.
O padrão costuma passar a impressão de sobriedade e austeridade, por isso, é mais comum em ambientes e prédios corporativos. Mas, os edifícios residenciais também têm adotado a cor. No entanto, é preciso atentar para os excessos.
De acordo com o arquiteto Dimmy Dal Caro, da Traço e Cor Arquitetura, cinza é a cor do concreto e pode alimentar a sensação de uma “selva de pedra”:
– Em imagens aéreas de algumas cidades, como a própria Santa Maria, vemos uma predominância do cinza e do branco. Mas, tem surgido novas tentativas de modernização e ideias para colorir as edificações.
Um dos exemplos de modernização com cores em Santa Maria é o Residencial Viva, localizado na Rua Professor Braga. Em uma das laterais, o artista Braziliano realizou um mural colorido que embeleza o edifício. O muralismo, movimento artístico que realiza esse tipo de intervenções em painéis ou paredes, pode ser observado em outros locais da cidade, como muros.
Para Dimmy, dar cor a algumas das paredes de prédios é uma alternativa interessante para que o cinza não se sobressaia e, ainda, para não perder a identidade e a referência dos locais.
– Apesar da sobriedade, a pintura com cinza pode fazer com que os ambientes percam um pouco da identidade. Então, é interessante voltarmos o olhar para o trabalho de artistas que podem contribuir para uma cidade mais colorida – explica.
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O talento de muralistas da cidade
Os desenhos coloridos e cheios de vida que costumamos ver em muros e paredes de Santa Maria pertencem a um movimento artístico conhecido como muralismo. A atividade que diz respeito à realização de Artes Murais tem esse nome porque, diferente da pintura sobre telas, tem uma outra dimensão por se tratar de fachadas, muros e paredes.
E, na Cidade Cultura, a cena de artistas dedicados à valorização de espaços por meio do muralismo é riquíssima. Vamos conhecer um recorte de artistas daqui?
Bruna Rison (@br.arqarte)
arquiteta, grafiteira e tatuadora Bruna Rison tem trabalhado com murais em estabelecimentos comerciais.
Mural realizado na Mileva Floricultura que ilustra a cientista Mileva Maric.
Desde 2016, poucos depois de se formar em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Franciscana (UFN), a artista Bruna Rison produz murais artísticos pelo Rio Grande do Sul. A formação aliada à curiosidade de Bruna, fez com que a arquitetura observasse o movimento das ruas e as características urbanas de Santa Maria.
Além disso, nos trabalhos que realiza, Bruna procura transmitir sentimento com diferentes técnicas, principalmente ao ilustrar mulheres com o objetivo de contribuir para o empoderamento e a visibilidade feminina.
– O trabalho que fazemos, principalmente quando se trata de lugares públicos, tem um peso simbólico, afinal, as pessoas são representadas por ali. Como artista mulher, trabalho bastante por personalidades femininas – conta.
Recentemente, Bruna produziu um mural para a Mileva Floricultura, novo empreendimento localizado na Faixa Nova de Camobi. Na arte, ela pintou o rosto de Mileva Maric, uma física e matemática brilhante que foi a primeira esposa de Albert Einstein. Para historiadores, ela teria colaborado para Teoria da Relatividade.
Rafael Tinta (@tintarafael)
O artista Rafael Tinta deu vida a um muro residencial na Vila Noal. O floral e as mandalas são a especialidade de Tinta.
As obras dele podem ser admiradas também no Cosmopolita Coffeehouse, nas Dores, e no Clube Bela Vista, em Camobi
Já o artista Rafael Tinta conheceu o muralismo antes mesmo de saber que esse era o nome da arte que admirava. Em 1999, ele começou a andar de skate e o esporte o aproximou de outros elementos do Hip Hop como o break e o grafite. O artista começou a fazer stencils – moldes de desenho vazado utilizados para pintura de paredes e outras superfícies – e, depois, foi para as telas. Mas sentiu que ainda não bastava.
– Enxergo como ciclos: do papel para as telas e das telas para as paredes. O primeiro mural que fiz foi em um evento do CO-RAP. Quando eu lembro, penso: “nossa, ficou feio”.
Mas é normal porque faz parte do processo profissional evoluir as técnicas e os traços.
Recentemente, o artista chamou a atenção dos moradores da Vila Noal, onde mora, ao revitalizar o muro de um vizinho. A arte foi realizada após se aprofundar nos estudos em florais.
– Comecei a perceber que as pessoas estavam usando muito floral e quis estudar um pouco mais sobre técnicas artísticas. Ao mesmo tempo, precisava de material para montar meu portfólio. O mural coloriu a região, que é bastante cinza – comemora.
IsRael Caetano e (@caetanoisrael) Cauê Toledo (@cauetc)
Neto e filho de ferroviários, IsRael Caetano homenageou os trabalhadores embaixo do viaduto da rua Silva Jardim.
Assim como Rafael, o artista Cauê Toledo começou a pintar paredes por se encantar com as artes urbanas valorizadas pelo movimento Hip Hop. Em 2004, começou a produzir murais.
– É um trampo que dá orgulho, mas também muito trabalho. Quando está pronto, fica lindo. Só que tem muito mais que a estética. É também ideia, técnica, sangue, suor e lágrimas. Por isso que artista fala tanto em valorização já que isso é o nosso trabalho e é disso que sobrevivemos.
Em um muro na Rua Caracaraí, na Vila Santos, o muralista Cauê Toledo representou elementos da fauna e flora.
Em 2010, Cauê foi uma das primeiras pessoas a por uma lata na mão de IsRael Caetano, artista visual graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e que, hoje, faz parte do 1340 Instituto Art, ao lado de artistas como Rafael Itaqui e Fernanda Beck Moro e da Subsolo Art, de Cauê Toledo.
– Um dos meus primeiros trabalhos foi com o Cauê e é muito simbólico termos vários murais juntos hoje em dia. Trabalhamos abaixo de sol e temendo a chuva, mas é sempre gratificante quando percebemos que o trabalho tem um potencial de transformação das cidades – comemora.
Neste ano, além de um dos mirantes da Estrada do Perau, IsRael esteve em São Sepé junto dos colegas para realizar murais no Complexo do Pamade, espaço esportivo da cidade. Nos trabalhos que realiza, seja em qual for a cidade, IsRael busca valorizar a cultural local:
– Arte é cultura, então, não faz sentido ilustrarmos apenas pela estética. Em São Sepé, fizemos um mural com o indígena Sepé e parte da fauna e flora local. Aqui, em Santa Maria, quando fomos convidados a revitalizar parte de estruturas do Itaimbé, procurei resgatar a memória ferroviária da cidade com a ilustração de uma locomotiva.
Braziliano
Em novembro de 2021, Braziliano (à esq.) realizou, ao lado de artistas de Florianópolis, Porto Alegre e São Paulo, o mural Aurora Negra (à dir.), em um prédio no Centro Histórico de Porto Alegre. Foram mais de 600m² pintados em 20 dias de trabalho.
Assim como em outras áreas, o talento santa-mariense extrapola os limites da Região Central. O artista Braziliano, que, entre tantas obras, foi o responsável pela saudosa fachada do Macondo, pelas artes das quadras do Itaimbé, pelo mural do Residencial Viva, localizado na Rua Professor Braga, e por ilustrar Coração das Trevas, da Darkside Books, tem realizado uma série de trabalhos em Porto Alegre.
– O poder público tem se interessado em colorir a cidade numa tentativa de valorizar os artistas. Mas a passos lentos. Além disso, existe uma discussão sobre um julgamento moral muito forte em Santa Maria. Já vivi situações constrangedoras por estar pintando paredes, mesmo que estivesse autorizado pela prefeitura. Os olhares das pessoas falam muito. Assim, parece que em cidades maiores, como a própria Porto Alegre, esse tipo de arte é mais naturalizada.
Além de Bruna, Rafael, Cauê, IsRael e Braziliano, a cidade tem artistas, com carreiras consolidadas ou ainda em busca do traço próprio, talentosos que, por meio da arte, buscam a valorização profissional.
Por Leandra Cruber, [email protected]