O perfil do abusador de crianças e adolescentes é quase sempre o mesmo: ser próximo à vítima. Outra recorrência é a “surpresa” da família.
– São aquelas expressões: “nunca imaginei, não tem cara” e, realmente, as famílias não imaginam mesmo, mas acontece. Estou há seis à frente da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente), mas as situações não se esgotam. Cada situação é particular e diferente uma da outra. Não temos um perfil de vítima, são de todas as idades, a maioria, até 13 anos. Não temos classes social, isso acontece em todas as classes. Já o perfil dos agressores é em 95% a 98% das situações composto por familiares, sejam pais, padrastos, tios e de alguém muito próximo: conviventes, vizinhos e pessoas da confiança dos pais da vítima – conta a titular da DPCA de Santa Maria, Luiza Sousa.
A culpa é minha. Eu poderia ter gritado, minha mãe estava no quarto ao lado, mas eu paralisei. Era meu pai e eu não conseguia acreditar” (vítima de 17 anos)Frase extraída dos relatos das próprias vítimas e de depoentes em trechos de procedimentos policias
A particularidade dos casos e as consequências, segundo a delegada, são diversas:
– Às vezes, a vítima de um abuso que foi um beijo fica tão devastada, mais perturbada psicologicamente do que uma que foi espancada. São muitos casos. Tem aqueles que a mãe prefere acreditar no companheiro e não na criança. Em regra, a vítima fica muito comprometida psicologicamente. É uma ferida que ela vai levar para o resto da vida. Muitas vezes, não cura, pois fica fragilizada emocionalmente para sempre. Tem quem, depois de anos, vem registrar a ocorrência sobre um fato que não tinha coragem de denunciar.
Há ainda situações em que as ocorrências são registradas na Polícia Civil, mas não se confirma o abuso. Geralmente, em razão de guarda dos filhos, quando os pais criam histórias para prejudicar o cônjuge. Outros casos enquadrados como violência sexual são situações de namoro antes dos 14 anos, pois mesmo consentido, por lei, configura-se estupro de vulnerável.
REDUÇÃO DE CASOS?
Chama a atenção a redução de registros de ocorrências em 2020, quando começou a pandemia. Naquele ano, foram 123 casos. Já no ano passado, 190. A diferença é de cerca de 35%. O motivo que efetivamente fez baixar o percentual de registro no primeiro ano da pandemia não, necessariamente, significa a redução de casos e pode envolver duas situações: a ausência da escola, que percebe muito as situações de abusos e maus-tratos dos alunos e faz denúncias ou porque as crianças ficaram mais vigiadas em casa por outros cuidadores, e não sozinhas com o abusador.
Estava sentada no sofá quando ele começou a passar a mão nos meus seios dizendo que estava crescendo” (vítima de 8 anos)Frase extraída dos relatos das próprias vítimas e de depoentes em trechos de procedimentos policias
Órgãos alertam para a responsabilidade coletiva
A violência contra crianças e adolescentes pode decorrer de um ato de omissão. O artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) determina que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
O defensor público estadual Juliano Ruschel atua na área da Infância e da Juventude em Santa Maria e região há quase uma década. A rotina de trabalho do defensor esbarra em casos de violência, que, segundo ele, deveriam ser evitadas. Ele chama a atenção para o zelo com os menores de 18 anos e cobra uma responsabilidade que deve ser compartilhada socialmente.
– Geralmente tomo conhecimento (dos casos de violência) quando as crianças são retiradas do lar, após o abuso, e encaminhadas ao acolhimento institucional. Mas, daí, a intervenção é tardia. Devemos, enquanto sociedade, agir preventivamente, construindo políticas públicas e educação nesse sentido – enfatiza.
Começou a fazer toque nas partes íntimas”, disse a vítima que nunca entendeu , pois só tinha 9 anosFrase extraída dos relatos das próprias vítimas e de depoentes em trechos de procedimentos policias
No Ministério Público, o promotor Fernando Barros, que também atua na área da Infância e da Juventude acrescenta:
– Importante para o combate do abuso sexual é a orientação a pais e menores, inclusive via escola. Com relação à exploração, além da orientação, é preciso a fiscalização de locais de prostituição. Nos abusos, são casos que sempre preenchem aqueles requisitos clássicos: abusador da família ou próximo, percepção do abuso pela escola e silêncio temeroso do menor – destaca.
A importância de se fazer denúncias e procurar ajuda para que os casos sejam investigados é ressaltada pela delegada da DPCA.
– Muito colegas questionam como consigo trabalhar aqui, diante dos crimes mais bárbaros. Entendo que partir do nosso trabalho é que a criança vai, em primeiro lugar, sair da situação de risco e que levaremos a responsabilização do agressor. É recompensador ver famílias e vítimas que chegam em um estado muito abalado e saem mais tranquilas, pois embora demore, em função de procedimento judicial, sabem que o abusador será responsabilizado.
Leia o restante desta reportagem especial:Pelo fim da violência sexual contra crianças e adolescentes30% dos casos de abuso sexual no Husm são de crianças e adolescentes
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*Por Pâmela Rubin Matge, [email protected]