Homeschooling: entenda as implicações da regulamentação do ensino em casa

Eduarda Costa

Homeschooling: entenda as implicações da regulamentação do ensino em casa
Fotos: Eduardo Ramos (Diário)/

Enviado para discussão no Senado, o Projeto de Lei 3262 de 2019, altera o código penal para permitir que a educação de alunos possa ser feita em casa, sem configurar como abandono escolar. O texto, que é uma das prioridades do governo de Bolsonaro (PL), já foi aprovado na Câmara dos Deputados no último mês, e torna a educação em casa uma alternativa de livre escolha e responsabilidade dos pais ou responsáveis legais. 

Quem defende a iniciativa diz que o ensino domiciliar permite maior acompanhamento da família quanto a educação das crianças e adolescentes. Já quem critica, teme a falta de socialização dos alunos, a lacuna na aprendizagem e a precarização do trabalho docente. Se aprovado, sua aplicação em Santa Maria demandaria discussão entre diversos âmbitos e profissionais da educação, para a construção de um modelo que não prejudique professores e alunos.

O projeto do Homeschooling

O modelo se popularizou com o termo em inglês homeschooling (que significa ensino em casa), como é chamado nos Estados Unidos, país que serviu de modelo à iniciativa defendida por Bolsonaro. No projeto de lei brasileiro, as principais exigências para permissão desta forma de ensino são: a comprovação de escolaridade de nível superior do responsável; a matrícula de professor e aluno na mesma instituição e; a prestação de relatórios de avaliação à escola a cada trimestre.

O texto brasileiro não especifica que o ensino fique restrito apenas àqueles que possuam alguma limitação ou recomendação de saúde. Desta forma, qualquer responsável que optar por retirar seu filho da escola, o pode fazer.

Para a doutora em Educação e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Dóris Pires Vargas Bolzan, a forma com que o Projeto de Lei foi escrito, deixa uma lacuna para beneficiar pais que querem aplicar os próprios métodos de ensino aos filhos, sejam por questões pessoais, religiosas ou por insatisfação com o conteúdo apresentado:

— Eu vejo que não há, ainda, uma clareza de como nós vamos operacionalizar uma proposta desta natureza que pudesse beneficiar quem de fato precisaria estudar em casa, e não privilegiar aqueles que não querem ir para a escola — afirma a pedagoga.

Em alguns, dos mais de 60 países em que o ensino domiciliar já foi aprovado, o atendimento tem objetivo de favorecer o aluno, que por algum motivo, seja de saúde ou comportamental, não pode estar na escola. Esta regulamentação já ocorre em alguns países como os Estados Unidos, Dinamarca, Canadá, Inglaterra e França. Em contrapartida, há países que o proíbem, como Alemanha e Suécia.

Leia também:

Se seguir essa redução, a nossa Universidade e as universidades do país vão virar uma grande escola”, diz reitor da UFSM“Bergacida” produzido por estudantes do Ensino Médio é capaz de conter o mosquito da dengue

Em Santa Maria

Se aprovado em âmbito nacional, o ensino domiciliar ainda precisa ser debatido nos estados e municípios. Para começar a vigorar em Santa Maria, questões práticas ainda devem ser discutidas entre os órgãos de Educação da cidade. Conforme o presidente do Conselho Municipal de Educação e professor da rede municipal, Ronan Simioni, a falta de convívio entre os alunos é a principal preocupação dos educadores, uma vez que suas consequências já são observadas após o retorno presencial.

— O que nos preocupa muito nesse projeto é como garantir esse espaço de socialização, se o aluno está fechado no ambiente em casa, e em contato apenas com o núcleo familiar. A escola não é só transmissão de conhecimento formal, mas é sobretudo um espaço de socialização e de encontro entre os diferentes.

Com seis anos de atuação como professor da rede municipal, Ronan afirma ainda que na construção de uma possível regulamentação do homeschooling na cidade, o debate estaria voltado à garantia de um melhor cenário para professores e alunos, em que nenhum saia prejudicado:

— Essa discussão está ocorrendo fora dos espaços onde ela deveria ocorrer, que são nos cursos de formação de professores, nos fóruns de educação e nos seminários. Os especialistas devem ser ouvidos para esse assunto. Porque o profissional de hoje precisa ter capacidade de conversar com diferentes públicos, em diferentes contextos, e penso que o homeschooling não prepararia para isso, seria um grande atraso no cenário da educação e da sociedade como um todo — enfatiza.

No Rio Grande do Sul, um projeto de autoria do deputado Fábio Ostermann (Novo), chegou a ser votado na Assembleia Legislativa em agosto de 2021, mas não avançou. Na época, o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) vetou o Projeto de Lei (PL) declarando-o como inconstitucional. Na votação, a maioria dos deputados gaúchos também foram contrários.

A precarização do social e dos professores

Para quem é contrário à regulamentação do ensino domiciliar, o principal argumento é que a iniciativa resume à escola apenas a apresentação de conteúdos, e a “descola” do espaço de socialização dos indivíduos e à função social de ensino de valores que só serão construídos por meio da convivência com outras pessoas.

— Com a pandemia ficou evidente que nós precisamos da escola, que as crianças precisam da escola. A escola é um espaço social e cultural onde as experiências éticas e políticas, do sentido das decisões que nós vamos tomar, são necessárias para que a gente possa se constituir um cidadão. Existem exigências no desenvolvimento que os pais não estão aptos a fazer — destaca a pedagoga Dóris Bolzan.

Ainda segundo Dóris, além da privação de convivência dos alunos, outros dois pontos centrais da discussão são a precarização do trabalho dos docentes, junto à desoneração do Estado de sua obrigação de educar os cidadãos. Quanto ao Estado, a pedagoga analisa que não fica claro no projeto de quem será a responsabilidade sobre o pagamento do ensino, bem como quanto aos direitos dos professores:

— O professor não é um empregado do aluno, e esta ideia vai levar a uma precarização do trabalho assustadora, porque este professor vai ficar submetido a algo que aquela instituição vai ofertar para atender a uma demanda específica. E quem me garante que eu vou ter o mesmo salário, um plano de carreira ou aposentadoria? Porque se tem a ideia de que como é apenas um aluno, o professor não estará tão cansado, e dependendo da área de conhecimento ele vai ter mais ou menos horas de trabalho.

Maior acompanhamento do ensino dos filhos

A pedagona Ana Cristina Souza Rangel, professora aposentada da UFRGS, participou da audiência pública em Porto Alegre, defendendo as questões pedagógicas do homeschooling para o Projeto de Lei gaúcho. Para ela, o principal ponto positivo deste método de ensino é a educação particular deste aluno, com a elaboração de métodos de aprendizagem e de avaliação conforme seus interesses e necessidades, o que não seria possível de ser aplicado em sala de aula com turmas grandes de alunos.

— Quem educa desta forma não está pensando só no agora, mas no futuro dos filhos. Em casa, os pais são modelos e os filhos aprendem pelo exemplo. Não se pode prejudicar quem tem condições de estudar em casa somente porque a escola pública é defeituosa. Muita coisa teria que mudar, o problema não é de agora, a educação precisa ser diferenciada, assim como a valorização dos professores.

A professora acompanha de perto casos de ensino em casa, e até de famílias que montam uma “rede homeschooler” para que os seus filhos possam conviver e praticar juntos atividades além das curriculares. Nestes casos, enquanto não existe a regulamentação, ao encerrar os estudos e completar 18 anos, os alunos precisam passar pela avaliação do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), para poderem acessar o ensino superior.

— É como se quem praticasse homeschooling fosse contra a escola, eu não sou contra a escola, eu defendo a escola. Passei toda a minha vida formando professores para atuarem nas escolas, mas o homeschooling é uma outra modalidade de ensino e que dá certo. Não existe pai abusador ou negligente fazendo homeschooling, porque é preciso se comprometer radicalmente com a educação dos filhos, e educar não é fácil, não é para qualquer pai, e nem queremos que seja — declara a pedagoga Ana Cristina.

Saiba as principais exigências previstas na PL para regulamentação do ensino domiciliar

Quanto ao professor, aluno e aos responsáveis:

Pais ou responsáveis precisam comprovar escolaridade de nível superior;Pais ou responsáveis devem apresentar certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital;Professor e aluno devem estar regularmente matriculados na mesma instituição de ensino;Envio de relatórios trimestrais de atividades pedagógicas realizadas;Envio de avaliações anuais de aprendizagem.

Quanto às instituições de ensino e aos responsáveis:

Manutenção de cadastro, pela instituição de ensino, dos estudantes em educação domiciliar nela matriculados;Conteúdo curricular deve cumprir os estudos previstos na Base Nacional Comum Curricular;O aluno deve realizar exames de avaliação da educação básica, sejam dos sistemas nacional, estadual ou municipal;As atividades devem estimular a formação integral do aluno;Pais ou responsáveis legais, devem garantir convivência familiar e comunitária do aluno.

Eduarda Costa, eduarda.costa@diariosm.com.br

Leia as últimas notícias

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Termina em julho prazo de envio de documentação para programa Bolsa Juventude Rural Anterior

Termina em julho prazo de envio de documentação para programa Bolsa Juventude Rural

Próximo

Valderez Oliveira: quando deletar é o que resta

Geral