Conheça a história de Nara Bigolin, uma das homenageadas do 1º Prêmio Ana Primavesi

Foto: Divulgação

Reconhecer as contribuições de mulheres na ciência é uma pauta antiga e um passo importante na busca por uma sociedade mais igualitária e justa. Cumprindo essa missão, o 1º Prêmio Ana Primavesi deve homenagear dez profissionais de Santa Maria e região em 2024. A cerimônia ocorrerá no dia 31 de julho, no palco do Theatro Treze de Maio.

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Entre as homenageadas desta edição, está a cientista da computação, filósofa e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Nara Bigolin.

Trajetória

Filha de agricultores, Nara Martini Bigolin nasceu em 26 de julho de 1969, no município de Três de Maio. Cresceu ao lado das irmãs na área rural da cidade.

Eu nasci no campo e sou da geração que viveu 300 anos em 30. Tive acesso a rede elétrica com 12 anos. Eu assistia o filme “Jornada nas estrelas” ainda com televisão à bateria e não entendia como eles usavam macacões fechados, mas não morriam de calor, além das portas que abriam e fechavam automaticamente. Sou disléxica, aprendi a ler e escrever com 12 anos. No 7º ano, percebi que era boa em matemática. No final do Ensino Fundamental, fiquei em primeiro lugar na Feira de Ciências. Fiz o Ensino Médio interno em colégio de freiras. Comecei a fazer Enfermagem e percebi que não era bem o que queria. Em 1984, fui para a Escola Estadual Pio XII e fiz dois cursos técnicos: um em Química e outro em Administração – conta.

Entre as lembranças importantes da infância e adolescência, está o primeiro contato de Nara com a área da computação. O episódio ocorreu ainda na escola, quando um computador foi apresentado aos alunos, junto a uma breve explicação do funcionamento. Fascinada com a descoberta, Nara tomou uma decisão:

Eu cheguei em casa e disse para os meus pais: “eu vou fazer informática”. Meu pai perguntou o que era, e eu disse que não sabia, mas que não iria mais passar frio ou calor (risos). Na época, entrar em Informática era difícil. Acredito que de 60 vagas, eu ocupei a 59 e no curso, só tinha seis meninas. Fiz a graduação na PUC. E ainda dos 60 alunos, apenas sete terminaram a faculdade em 4 anos.

Após se formar na graduação em 1991, Nara iniciou o mestrado em Computação na Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS). Perante os inúmeros avanços acadêmicos, resolveu tentar um doutorado no exterior.

O Mestrado da UFRGS, na época, era um dos melhores do país. Tanto que depois, existiam 20 bolsas para fazer doutorado no exterior e os alunos da UFRGS ficaram com 10. Então, a nossa turma era realmente muito forte. Eu terminei o meu mestrado em 2 anos, mas geralmente, os alunos levavam até 3. Em seguida, fui aceita para fazer doutorado na França. Na época, eu não tinha certeza, mas acabei indo para lá sem saber falar uma palavra em francês.

Mesmo com as adversidades, a cientista em computação iniciou os estudos em uma instituição em Paris. Em pouco tempo, os esforços e a dedicação à pesquisa possibilitariam uma nova chance para Nara:

– Eu só fui descobrir que não aceitaria o meu mestrado no final de novembro, e as aulas tinham começado em 1º de setembro. Tive que fazer aulas e não sabia nem onde preencher meu nome nas provas. Acabei fazendo um ano de mestrado, mas não tive como concluir. Então, resolvi mudar de universidade. Só que eu já tinha gasto um ano de bolsa. Então, pedi ao CNPQ para trocar de tema, e eles autorizaram. Mais tarde, eu fiquei sabendo que haviam ligado para a UFRGS e perguntado por mim, e alguém disse que poderia permitir a troca, porque sabiam que eu ia terminar o projeto, afinal, eu tinha acabado o mestrado em 2 anos.

Na Université Pierre et Marie Curie (UPMC), Nara deu início ao doutorado em Inteligência Artificial, sendo estimulada a dar mais um passo na carreira: lecionar.

Sou disléxica, então, aprender uma língua estrangeira é mais difícil. Ainda na França, decidi que iria dar aula. Fui assistir à aula de uma colega minha e não entendi nada, sendo que no dia seguinte, eu iria dar aula. Eu era corajosa. Cheguei “analfabeta” na França e, dois anos depois, já estava dando aula na universidade. Passei minhas dificuldades, mas deu tudo certo. Quando estava acabando o doutorado, fiz um concurso. De 10 universidades, passei em cinco. Eu estava na minha sala e um dia, vendo a Torre Eiffel da minha janela, eu pensei: “Quer saber de uma coisa? Vou para o Brasil ter três filhos”. Isso foi no final de 1999, início de 2000. Eu consegui visto permanente para trabalhar lá em 27 de fevereiro e, no dia 3 de março, voltei para o Brasil.

Registro de família. Na foto, Mariana (à esq.), Nara, Paulo, Natália e Lucas (ao centro)

Hoje, Nara é considerada pioneira na incorporação da Ciência da Computação no currículo da Educação Básica pública no Brasil. Além da trajetória na área de tecnologia, a pesquisadora também é graduada em Filosofia pela Universidade Paulista. Em agosto de 2009, ela tomou posse como docente no curso de Sistemas de Informação da UFSM no campus Frederico Westphalen.

Maternidade

Assim como muitas mulheres que estão no mercado de trabalho, Nara teve que encontrar formas de conciliar a maternidade e o trabalho, desenvolvendo uma nova versão de si mesma.

Dos 18 aos 30 anos, eu era uma nerd da computação. Eu vivia dentro de um laboratório. Quando eu decidi ter filhos, nem sabia o que crianças comiam. O meu pai sempre me tratou como o ‘filho menino’ dele. Por isso, a Nara mãe é o maior desafio que enfrentei, justamente porque eu não fui treinada para o papel e nunca pensei nisso. Quando eu estava grávida da Mariana, eu tinha uma agenda complexa. Pensei que iria fazer tudo que atrasei quando saísse em licença-maternidade, mas não. Sinto que posso fazer coisas extremamente difíceis e complexas com os olhos fechados, mas a questão básica de uma casa e de ser mãe é um dos maiores desafios da minha vida – reflete Nara.

Nara e as filhas foram homenagedas pela Assembleia Legislativa em algumas ocasiões. Em 2016, na entrega do Prêmio Meninas Olímpicas e em 2018, no Prêmio Mulher Cidadã

A pesquisadora é mãe de Mariana, 22; Natália, 20, e Lucas, de 17 anos, que já demonstram interesse na ciência. Juntas, Mariana e Natália têm mais de 80 medalhas conquistadas em Olimpíadas de Conhecimento nacionais e internacionais. O número reduzido de meninas e jovens nos eventos chamou a atenção de Nara. Em 2016, ela criou o Movimento Meninas Olímpicas:

Descobrimos que as meninas são 50% no 6º ano e conforme vai aumentando o nível, vão desaparecendo. No Ensino Médio, são 5% e nas Olimpíadas Nacionais, elas são 2%. Isso nos motivou a criar o movimento. Nós acreditamos que se não tiver meninas nas Olímpiadas hoje, não teremos mulheres nos espaços de poder amanhã. As Olimpíadas treinam você para chegar nos espaços de poder, porque envolvem conhecimento, habilidade e competitividade. O nosso objetivo é aumentar esse número.

Ao ser questionada sobre as principais inspirações para lutar, Nara se emociona e relembra a caminhada como “mãe olímpica”:

Tudo que eu fiz até hoje não foi por motivação pessoal. Mas, sim, por conta do que as minhas filhas passaram com relação às Olimpíadas. Com certeza, elas são o motivo de eu ter feito e continuar fazendo as coisas hoje em dia. Eu não tenho dúvidas disso.

Atualmente, as jovens estudam nos Estados Unidos. Conforme Nara, Mariana cursa Computação na Universidade de Stanford, na Califórnia, e Natalia faz Engenharia na Universidade de Rochester, em Nova York. Já Lucas ingressou no Técnico em Informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (Iffar) de Frederico Westphalen, contabilizando algumas premiações na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).

Nara (ao centro) na cerimonia de Premiação OBMEP em julho de 2015, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Mariana (à esq) e Natália receberam Medalhas de Ouro

Prêmios

Entre as conquistas mais recentes de Nara, estão os prêmios Mulheres na Ciência Amélia Império Hamburger, concedido pela Câmara dos Deputados, e o Cidadã Transformadora, da prefeitura de Frederico Westphalen, ambos em 2024. Além disso, ela integra a Ordem Nacional do Mérito Educativo desde 2018. A honraria é dada a personalidades nacionais ou estrangeiras que tenham contribuído de maneira excepcional com o desenvolvimento da educação no país.

No dia 31 de julho, Nara deve subir ao palco do Theatro Treze de Maio para receber o Prêmio Ana Primavesi. A notícia de que seria uma das homenageadas foi dada pela jornalista Fabiana Sparremberger, idealizadora do prêmio.

Eu dedico a minha vida a criar prêmios. Hoje, estamos tentando criar prêmios em todas as assembleias do Brasil. Temos projetos na Câmara de Deputados, Senado e nas prefeituras. Um dia, Fabiana me ligou e lógico que eu já estava me metendo no prêmio dela. Foi quando ela disse que não tinha ligado para isso, mas para dizer que eu seria uma das homenageadas. Fiquei muito feliz – relembra.

Na primeira foto, a medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico entregue a Nara em dezembro de 2018, em Brasilia. No segundo registro, a pesquisadora recebeu o Troféu Cidadã Transformadora, concedido pela Prefeitura de Frederico Westphalen em abril de 2024

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