No dicionário não consta, mas, para muitos, doação de órgãos é sinônimo de recomeço. Nos últimos anos, o processo que salva e promove maior qualidade de vida entrou em segundo plano para que os esforços fossem focados no combate ao coronavírus no Estado. Porém, com os avanços da vacinação e a baixa nos índices de internações e óbitos em decorrência da doença em diversos municípios gaúchos, os hospitais e profissionais da saúde têm retomado gradativamente as ações, e buscam correr contra o tempo, diminuindo os impactos da pandemia da Covid-19 no cotidiano.Em 2020, o Estado registrou 564 notificações sobre potenciais doadores vindas de hospitais habilitados. Deste quantitativo, apenas 183 resultaram em doações efetivas, ou seja, no qual houve autorização para a captação dos órgãos e, consequentemente, foi realizado o transplante em um receptor. Em 2021, o número de notificações aumentou. Em compensação, o índice de doadores efetivados entrou em queda. Foram 673 notificações e 161 transplantes de órgãos realizados.Em 2022, o cenário passou por mudanças, mas ainda não está nem perto do número ideal para a demanda, que é de mais de 2,5 mil pessoas a espera por um transplante. De janeiro a maio deste ano, a Central Estadual de Transplantes registrou 231 notificações e 71 doadores efetivados. Em Santa Maria, a situação não é diferente. A partir das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), que buscam aumentar a captação de órgãos e apoiar as atividades da Central Estadual de Saúde, instituições como o Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo, o Hospital São Francisco de Assis, o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) e o Hospital Regional de Santa Maria lutam para recomeçar em um cenário de muitas notificações e ausência de doadores efetivados.
SANTA MARIA
Conforme o Ministério da Saúde, é obrigatório a existência de uma CIHDOTT em hospitais com Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do tipo 2 ou 3, em hospitais de referência para urgência e emergência e, acima de tudo, em hospitais transplantadores. São os casos de quatro hospitais de Santa Maria. No entanto, desde 2020, os números de notificações e doadores efetivos têm caído nas quatro instituições. Há dois anos, 21 notificações resultaram em quatro doações; em 2021, foram 18 notificações e uma doação; e, neste ano, são 15 notificações e duas doações.
EFETIVAÇÃO
Os dados de hospitais de Santa Maria vão ao encontro do que é registrado pelo Estado também. Em anos anteriores como 2017, 2018 e 2019, o número de doadores efetivados no Rio Grande do Sul chegou a variar de 243 a 295 por ano. Com o início da pandemia, as notificações continuaram crescendo, mas o número de doadores caiu. Em 2020, o Estado recebeu 564 notificações, sendo que apenas 182 doadores foram efetivados. Em 2021, o índice de notificações cresceu, entretanto, o de doadores entrou em queda: 673 registros resultaram em 161 doações feitas. O coordenador da Central Estadual de Transplantes, Rafael Ramon da Rosa, reconhece que a pandemia impactou significativamente no processo:– Houve uma queda tanto no número de doadores quanto no número de receptores pelo risco de fazer um transplante em um paciente com Covid e que precisa ser medicado por estar com as defesas baixas. Então, houve uma queda muito grande neste período. Em 2022, estamos nos reorganizando. Os hospitais voltaram a normalizar o atendimento.Conforme o coordenador da Central Estadual de Transplantes, de janeiro a maio de 2022, já foram recebidas 231 notificações e os órgãos de 71 doadores efetivados foram captados e, posteriormente, transplantados em receptores compatíveis.– Já teve um aumento com relação ao ano passado nos transplantes, mas esse período da pandemia deixou uma fila de espera enorme de pessoas aguardando na lista. Por outro lado, a oferta de órgãos decorrente disso não tem sido tão grande para suprir.Nesta reportagem, saiba como funciona o processo de doação de órgãos por morte encefálica e inter vivos, como tem sido a espera de quem está lista do Sistema Nacional de Transplantes, o importante papel da família nesta ação e como ser voluntário nesta caminhada.
Total de notificações e doadores efetivados no Estado
2020 – 564 notificações e 182 doadores efetivados2021 – 673 notificações e 161 doadores efetivados2022 – 231 notificações e 71 doadores efetivados (até maio)
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Doações em Santa Maria
Os números de notificações e doações efetivas na cidade estão em queda nos últimos dois anos. Conforme Juliana Lima, vice-coordenadora da Comissão Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) do Hospital São Francisco de Assis, a equipe está retomando o processo de doação de órgãos, uma vez que o número de pacientes internados em decorrência da Covid-19 é baixo na instituição. Entretanto, nenhum doador efetivo foi registrado nos últimos dois anos. Isso se deve também ao foco do serviço durante a pandemia.
– O período de pandemia afetou drasticamente o nosso processo de abertura de protocolo de morte encefálica e, consequentemente, de captação de órgãos no São Francisco. Como nossos atendimentos foram direcionados para pacientes com Covid, não foi dado foco nessa captação – afirma Juliana, destacando que a última doação de órgãos no hospital ocorreu junho de 2020.
Husm
Uma condição semelhante é relatada pela fisioterapeuta e professora Janice Soares. Membro da CIHDOTT do Husm, que existe desde dezembro de 2000, ela conta que a equipe observou queda no número de notificações de pacientes que seriam potenciais doadores, assim como uma redução no número de conclusão dos protocolos e implante dos órgãos, assim como de autorizações para tal ação.– Em 2021, foram quatro famílias que aceitaram fazer a doação. Em 2022, apenas uma família aceitou e, nesse ponto, tivemos um decréscimo – relata Janice.Apesar das autorizações, o hospital também não registrou nenhum doador efetivo nos últimos dois anos, ou seja, não houve implantação do órgão em um receptor.
Regional
No Hospital Regional de Santa Maria a situação é semelhante, mas leva-se em consideração que, desde 2020, quando foram abertos leitos na instituição, o hospital se dedicou exclusivamente ao tratamento de pacientes com Covid-19. Atualmente, já são feitos os atendimentos gerais conforme as especialidades e serviços ofertados no Regional. Em março de 2022, o hospital realizou a primeira captação de órgãos. Na oportunidade, foram removidos dois rins e um fígado de um doador efetivo. O material foi encaminhado de avião para a sede da Central Estadual de Transplantes, em Porto Alegre.
Astrogildo de Azevedo
Em 2020, o Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo recebeu 11 notificações, sendo apenas um doador efetivo. No ano passado, foram cinco notificações e uma doação. Já no primeiro semestre de 2022, o número aumento, mas o resultado foi o mesmo. De seis notificações, apenas uma resultou em doação efetiva. Conforme a CIHDOTT da instituição, foram captados apenas rins nos últimos anos.
Veja como foi o quadro de notificações e doadores nos hospitais de Santa Maria:
Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo
2020 – 11 notificações, dois doadores efetivos com os seguintes órgãos captados: rins e fígado2021 – cinco notificações, um doador efetivo com os seguintes órgãos captados: rinsPrimeiro semestre de 2022 – seis notificações, um doador efetivo com os seguintes órgãos captados: rins
Hospital São Francisco
2020 – Uma notificação, um doador efetivo com dois órgãos captados (dois rins)2021 – Não houve notificações ou doadores efetivados Primeiro semestre de 2022 – Não houve registro de notificações ou doadores efetivados
Hospital Universitário de Santa Maria
2020 – Nove notificações, dois doadores efetivos com cinco órgãos captados (quatro rins e um fígado)2021 – 13 notificações, zero doadores efetivosPrimeiro semestre de 2022 – Nove notificações, zero doadores efetivos até o momento
Hospital Regional de Santa Maria
Em 2020 e 2021, os serviços do Regional eram voltados exclusivamente a pacientes infectados com a Covid-192022 – Um doador efetivo com três órgãos captados (dois rins e um fígado). Não há informações sobre o total de notificações do hospital
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por Arianne Lima – [email protected]