Sou uma entusiasta do autoamor, acredito piamente que temos o direito a nos amar incondicionalmente. Cultivar este amor é um ato sublime e básico da nossa condição humana. Reconheço que muitas vezes por inúmeras razões não nutrimos este amor adequadamente. Não falo aqui do individualismo ou da indiferença perante o outro, mas do saudável amor que devemos ter por nós mesmos, um amor com alegria, leveza, uma dose considerável de paixão, que nos faz ser capaz de olhar no espelho e gostar do que se vê.
Não me entenda mal, muito longe do velho Narciso, cultivar o amor próprio é essencial para uma vida feliz, livre de amarras que nos prende a modelos ou estereótipos construídos por uma sociedade excludente e multifacetada.
Para nós mulheres negras o amor próprio é um ato de resistência e sobrevivência. Numa sociedade onde não nos encaixamos no modelo de beleza europeu, assumirmos nossos traços e gostarmos disso faz toda diferença. No nosso meio, muito se fala em empoderamento da mulher negra. Mas empoderamento é empoderar-se de si mesma, gostar, assumir e ser capaz de brigar com unhas e dentes por uma vida digna, feliz e livre.
Por isso, o empoderamento está intimamente ligado à construção desse amor-próprio. Nas atividades que desenvolvemos com mulheres negras trabalhamos com ênfase essa questão e por diversas metodologias. Uma delas é a construção da nossa boneca preta ou negra. Muitas de nós, ou a maciça maioria, não teve uma boneca preta na infância, brincávamos com bonecas brancas que não nos representavam, por isso, hoje, mesmo adultas, ao nos depararmos com uma boneca negra acionamos um gatilho que nos remete à infância, a representatividade, a identificação a afro identidade. Ter nas mãos uma boneca da nossa cor gera uma sensação incrível, é como se estivéssemos fazendo um grande afago a nossa criança interior.
Fotos: arquivo pessoal
No projeto Quilombolando pelo Mundo, que estamos desenvolvendo no Quilombo Arnesto Pena Carneiro, em Santa Maria, iniciamos nossas atividades exatamente com a oficina de bonecas negras E te conto que foi mágico, foi lindo ver cada uma costurando com dedicação e cuidado a sua bonequinha, colocando a melhor roupa, desenhando os traços do rostinho, como se aquela boneca fosse uma obra de arte valiosíssima.
Na oficina utilizamos a técnica do fuxico, e vamos fazendo todas as partes do corpo, pés, mãos, a cabecinha, para depois passarmos para a montagem. Quando ela vai tomando forma é como se o rosto de cada uma se iluminasse com um sorriso revelador de uma história de vida única. É mágico, é um encontro que aciona o gatilho do amor próprio para o empoderamento.
A partir de uma ferramenta simples, mas envolvente nos abrimos para construir o amor próprio necessário para nos empoderarmos ou potencializar o poder que cada uma tem dentro de si, que serão bases fundamentais para uma vida cheia de significado e felicidade.