NathSchneider
O número de casos envolvendo violência policial aumentou 41% em 2022, na comparação com 2021, conforme levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS). Os dados dizem respeito somente aos atendimentos da DPE e foram divulgados na última terça-feira pela instituição, em evento que abordou o tema.
Registros nas delegacias de Polícia Civil ou então diretamente com a Brigada Militar (BM) ou judiciário não estão contabilizados, o que deve indicar um aumento dos casos e um cenário ainda mais grave. Na região, um exemplo é o caso Gabriel, que teve primeiro registro na Polícia Civil, foi um dos mais recentes e emblemáticos casos de violência policial. Em agosto de 2022, Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, foi encontrado morto em um açude, no município de São Gabriel, dias após uma abordagem de policiais da BM. Um sargento e dois soldados estão presos.
Ao longo de todo o ano de 2021, foram registrados 751 atendimentos, enquanto que, em 2022, foram 1.061. A Capital gaúcha e municípios da Região Metropolitana lideram as ocorrências. Quatro municípios da região central do Estado também denunciaram agressões: Cruz Alta (1), Nova Palma (1), Restinga Sêca (1) e Rosário do Sul (5).
Entre os 625 casos recebidos apenas pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDDH) da DPE, 493 envolveram relatos de violência perpetrada por agentes da BM; 88 por agentes da Polícia Civil; 13 por agentes de guardas municipais; oito casos com relatos de agressão perpetrada, conjuntamente, por agentes da BM e da Polícia Civil; quatro por agentes da Susepe; e 19 casos em que não houve identificação da instituição.
Choques, sufocamentos e mortes
Entre as formas de violência estão sufocamento, choque elétrico, injúria racial, além do registro de seis mortes no Estado. Desses 625 casos, 239 geraram novos expedientes administrativos para acompanhamento do Núcleo, o que representa um aumento de 71% quando comparado ao ano anterior, no qual haviam sido instaurados 139. Porto Alegre é a cidade que concentra quase metade dos relatos (300), seguida por Canoas (40), São Leopoldo (33), Alvorada (27) e Viamão (23).
Conforme a dirigente do NUDDH, Aline Palermo Guimarães, apesar do aumento dos números, é possível observar, no ano de 2022, a elaboração e a implementação de iniciativas em prol da garantia de direitos humanos, tais como os esforços dos poderes Executivo e Legislativo para adoção de câmeras corporais no uniforme de policiais, bem como a continuidade do trabalho das diversas corregedorias no intuito de investigar e solucionar as denúncias recebidas:
— Os dados aqui apresentados dizem respeito apenas à atuação da Defensoria Pública, mas espera-se que o levantamento oportunize a órgãos e instituições públicas a reflexão conjunta e a implantação de medidas voltadas à compreensão e superação de violações de direitos humanos — conclui Aline.
Ainda sobre os casos recebidos exclusivamente pelo NUDDH, a grande maioria dos denunciantes disse ter sofrido violência física. Outros relataram ainda ameaças verbais, sufocamento, invasão de domicílio, choque elétrico, destruição/apreensão de bens, entre outras formas de violência. O mesmo relatório mostra ainda que, no período de 2022, aconteceram seis mortes em decorrência de ações policiais.
Já as audiências de custódia pularam de 677 em 2021 para 10.476 em 2022. Segundo Aline, esse dado foi fortemente impactado pelo contexto da pandemia de Covid-19, uma vez que as medidas de isolamento social impediam a transferência dos presos e a própria presença de servidores e membros do sistema de Justiça.
No evento da última terça, a defensora pública e assessora técnica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Mariana Py Muniz, falou sobre a problemática, a qual não está apenas no campo jurídico, mas também no social:
— Essas pessoas não se percebem vítimas de violência policial porque no território delas isso já é a realidade. Precisamos perceber a institucionalização desse fenômeno e a estrutura que o compõe, porque não estamos falando de casos isolados. Não é a maçã podre. Estamos falando de algo que permeia a construção das instituições policiais.
Racismo
Já o advogado criminalista Marçal Carvalho participou do debate chamando a atenção para a relação do racismo e a violência policial, lembrando que as polícias militares surgiram após a abolição da escravatura, como forma de evitar que os negros circulassem em determinados espaços. Segundo ele, o Estado exclui os negros, marginalizando-os, fragilizando-os e, depois, prendendo-os.
— É o Estado que decide quem vive e quem morre. E é o Estado que decide de acordo com a cor da tua pele. Estar sob atividade suspeita significa ser negro — lembrou.
Para especialista, debate pode estimular aumento de denúncias
O maior número de registros de violência policial se dá por vários fatores. Em geral, tem relação com aprofundamento das discussões sobre os direitos humanos e no combate a violações. A eficácia do trabalho desenvolvido nas audiências de custódia também impacta, conforme contextualiza o professor da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma) e idealizador do primeiro curso superior do Tecnólogo em Segurança Pública 100% online no Brasil, Eduardo Pazinato.
— Importante destacar o esforço da Defensoria Pública em produzir um estudo detalhado, com base em evidências e trabalhando com uma série de elementos relacionados à integridade com uso da força. O impacto da realização das audiências de custódia tem sido uma grande evolução nos últimos cinco anos, pois é possível fazer levantamento de dados, a identificação de situações de violação de direitos humanos por parte das polícias no âmbito dessas audiências – explica.
Outros fatores, segundo o especialista, refletem das repercussões em torno dos “grandes casos” que podem, sim, estimular o maior nível de denúncias e de situações que ganham notoriedade internacional:
— Um comparativo foi o efeito da Lei Maria da Penha. A medida em que se visibilidade à agenda, a tendência é que tenhamos um registro maior de casos, reduzindo a subnotificação. Outro aspecto é o impacto internacional desta agenda como é o que vem acontecendo nos Estado Unidos (EUA) a partir do movimento social chamado Black Lives Matter (em português, vidas negras importam). O movimento tem colocado os órgãos de controle, isto é, as polícias atentas para que tenham maior efetividade no processamento dos casos e na apuração das responsabilidades. Para ilustrar, aqui, depois da denúncia de possível envolvimento da Brigada Militar nos casos trabalho análogo à escravidão na Serra Gaúcha, vimos a postura institucional do atual comando da BM e do próprio Estado. Foram enviados 70 servidores para fazer as oitivas dos policiais e identificar os fatos com rigor.
Pesquisa aponta que mais de 18 milhões de mulheres sofreram violência no Brasil em 2022
A quarta edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, permite estimar que cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras foram vitimizadas em 2022, o equivale a um estádio de futebol com capacidade para 50 mil pessoas lotado todos os dias. Em média, as mulheres que foram vítimas de violência relataram ter sofrido quatro agressões ao longo do ano, mas entre as divorciadas a média foi de nove vezes.
Em comparação com as edições anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no ano passado. Segundo o levantamento, 28,9% das brasileiras sofreram algum tipo de violência de gênero em 2022, a maior prevalência já verificada na série histórica – 4,5 pontos percentuais acima do resultado da pesquisa anterior.
Os resultados ainda mostraram que 11,6% das mulheres entrevistadas foram vítimas de violência física no ano passado, o que representa um universo de aproximadamente 7,4 milhões de brasileiras. Isso significa que 14 mulheres foram agredidas com tapas, socos e pontapés por minuto.
Entre as outras formas de violência citadas, as mais frequentes foram as ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças de violências físicas (12,4%), ofensas sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto que foi atirado nelas (4,2%) e esfaqueamento ou tiro (1,6%).A pesquisa apresentou um dado inédito: uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida.
São mais de 21,5 milhões de mulheres vítimas de violência física ou sexual por parte de parceiros íntimos ou ex-companheiros, representando 33,4% da população feminina do país.
Pela primeira vez, o estudo apontou o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%).
O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%). O que mostra que o lugar menos seguro para as mulheres é a própria casa – 53,8% relataram que o episódio mais grave de agressão dos últimos 12 meses aconteceu dentro de casa. Esse número é maior do que o registrado na edição de 2021 da pesquisa (48,8%), que abrangeu o auge do isolamento social durante a pandemia de Covid-19.
Assédio sexual
A pesquisa mostrou também que 46,7% das brasileiras sofreram assédio sexual em 2022, um crescimento de quase 9 pontos percentuais em relação ao ano anterior, quando a prevalência de assédio foi de 37,9%. (Agência Brasil)
O que diz a corregedoria
Desde a última quinta-feira, a reportagem tem entrado em contato com a Corregedoria-Geral da Brigada Militar. O órgão investiga possíveis casos de abuso de autoridade e lesão corporal e possui canais presenciais e virtuais para as denúncias. Até o fechamento desta edição, não houve retorno às solicitações.
Denúncias de violência policial na DPE
Em 2021: 751
Em 2022: 1061
Aumento de 41%
Denuncie
Centro de Referência de Direitos Humanos da DPE –0800-644-5556
Disque Direitos Humanos – Disque 100 e WhatsApp (61) 99656-5008