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VÍDEO: Santa Maria tem 277 mil habitantes e apenas 15 semáforos para pedestre

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Fotos: Renan Mattos (Diário)

Maria Cenira Dias Nunes, 64 anos, andava pela calçada, na Avenida Dores, quando morreu após ser atropelada por um carro no último dia 28 de janeiro. Quatro dias depois, Alcemar da Silva, 55 anos, morreu após ser atropelado por um carro na RSC-287, a Faixa Nova de Camobi, próximo do acesso à Vila Maringá. Ambos os casos expõem uma realidade que Santa Maria ainda tenta combater: a violência no trânsito.

Na área urbana, o problema coincide com outro problema histórico, que é o de a cidade não priorizar a mobilidade de quem é pedestre. São diversos os cruzamentos que são apontados como perigosos por quem anda a pé. Entre eles, trechos da Avenida Dores, Avenida Medianeira Avenida Rio Branco. Nesses locais, é comum flagrar motoristas que ignoram as regras. Para quem é pedestre, resta longas esperas para conseguir chegar ao outro lado da via. Os motivos são diversos: tempo curto nas escassas sinaleiras específicas a quem não está de carro, vias mal sinalizadas, faixas de segurança apagadas e a extrema falta de educação no trânsito.

A propósito, Santa Maria tem 277 mil habitantes, apenas 15 locais com sinaleiras para pedestres e 77 pontos semafóricos (o que pode incluir semáforos para veículos e/ou pedestres).

ASSISTA AO VÍDEO:


 Para pedestres, são 14 na área central e um no Bairro Pinheiro Machado, na esquina das ruas Rio Branco e Maranhão. A prefeitura diz que trabalha na ampliação dos aparelhos:

 - Recebemos (gestão atual) um trânsito com sinaleiras analógicas e digitais. É tudo manual. Estamos estudando para torná-las digitais com GPRS e serem acessadas de uma central. Queremos ampliar, mas é preciso estudo. O objetivo do trânsito é harmonizar a convivência entre pessoas e veículos mas, principalmente proteger a vida e pensar no pedestre - enfatiza o secretário de Mobilidade Urbana, Orion Ponsi.

Baseado em princípios globais - ONU, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e nas políticas de mobilidade urbana sustentável adotadas pelo governo brasileiro - Ministério do Desenvolvimento Regional, o professor Carlos Félix, doutor em Mobilidade Urbana do Departamento de Transportes do Centro de Tecnologia (CT) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), menciona diversas necessidades. Segundo o professor, faz-se necessário que as cidades elaborem seus Planos de Mobilidade Urbana - PDMU alinhados aos Planos Municipais de Desenvolvimento Urbano para a construção de cidades com ambientes urbanos - assentamentos humanos - inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

Félix relembra que entre as principais linhas estratégicas do PDMU de Santa Maria, está a de tornar o PEDESTRE o principal protagonista da mobilidade, além de aumentar a utilização do transporte público, desestimular o uso do veículo individual e favorecer o uso de meios alternativos como a bicicleta.

Na prática, ele menciona algumas melhorias na infraestrutura e de operação semafórica em alguns pontos da cidade propostas pelos alunos em seus trabalhos de conclusão do curso ou projetos do Grupo de Estudos em Mobilidade (GeMob) da UFSM. Entre eles, uma análise de caminhabilidade para a Rua do Acampamento e a implantação de mais uma faixa de pedestres e conjunto semafórico para atender, com segurança, o expressivo movimento diário de pedestres (mais de 20 mil pessoas por dia) junto ao calçadão e Rua Dr. Bozano ou mesmo a implantação de um Parklet, assumida pela Fundação Eny, também na Bozano. 

 - Essencialmente, a gestão municipal tem que se capacitar tecnicamente e dispor de recursos: pessoal e financeiro para implantação de uma infraestrutura e de sistemas de operação para bem atender a mobilidade, de forma ativa e sustentável - afirma o professor.

AS 15 SINALEIRAS PARA PEDESTRE

  • Rua do Acampamento com a Rua Dr. Turi
  • Rua do Acampamento com a Rua Astrogildo de Azevedo
  • Rua do Acampamento com Rua Tuiuti
  • Rua do Acampamento com Rua Pinheiro Machado
  • Rua do Acampamento com Rua José Bonifácio
  • Avenida Dores Com Rua Padre Caetano
  • Rua Pinheiro Machado - Em frente ao Hospital de Caridade
  • Avenida Walter Jobim com Avenida Maurício Sirotsky Sobrinho
  • Avenida Walter Jobim com Aveina Perimetral
  • Rua Floriano Peixoto com Rua Dr. Bozano
  • Rua Visconde de Pelotas com Rua Niederauer
  • Rua Visconde de Pelotas com Rua Silva Jardim
  • Rua André Marques com Rua Venâncio Aires
  • Avenida Presidente Vargas com Rua Appel
  • Rua Rio Branco com Rua Maranhão

CRUZAMENTOS PERIGOSOS

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Fotos: Renan Mattos (Diário)

Nos últimos dias, a reportagem percorreu ruas e avenidas centrais de Santa Maria para verificar o comportamento do trânsito em relação a pedestres, identificar vias que dificultam a mobilidade e o relato de quem anda a pé.

Diversos trechos das avenidas Presidente Vargas, Medianeira, Rio Branco e Dores lideram desabafos de quem já passou por apuros.

- São muito largas (as vias). Os carros passam em alta velocidade, e a gente precisa quase correr. Em vários trechos nem existe a sinaleira para pedestre. Com o carrinho de bebê se torna muito perigoso, é sempre um risco - comenta a aposentada Mirian Miqueli, 52 anos, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua dos Andradas.

As reclamações ou mesmo os flagrantes de locais onde o pedestre não é prioridade foram diversos. Na esquina da Rua Duque de Caxias com a Avenida Medianeira, por duas vezes, o aposentado Orlando Arend, 76 anos, deu alguns passos e recuou antes de atravessar a via com o sinal fechado para os carros:

- Moro aqui no bairro (Medianeira) e acho muito perigoso. Não dá tempo de atravessar. Ali na esquina da Heitor Campos também é horrível. Passo trabalho para ir à missa na Basílica.

A manutenção das faixas de pedestres e calçadas também influenciam na segurança, conforme relatou o servidor público aposentado José Carlos dos Anjos, 72 anos, enquanto esperava na esquina da Avenida Presidente Vargas com a Rua Serafim Valandro:

- O pedestre tem suas obrigações, mas ainda falta acesso para quem anda a pé e para quem é cadeirante. Como atravessar isso aqui? (a rua). São calçadas e ruas péssimas. Não tem nem onde esperar o sinal enquanto está aberto (para carros).

Alguns trechos temidos por quem anda a pé

  •  Avenida Medianeira até o canteiro central, na saída da Rua do Acampamento, e do canteiro central até outro lado da calçada na Avenida Medianeira, ao lado da subida da Avenida Fernando Ferrari
  • Na Avenida Dores, junto à subida da Gal. Neto e próximo à Rua Pinto Bandeira; 
  • Avenida Rio Branco com Rua dos Andradas; 
  • Rua do Acampamento, com as ruas Tuiuti e Pinheiro Machado;
  • Avenida Presidente Vargas com Serafim Valandro; 
  • Avenida Medianeira com Duque de Caxias e com a Rua Heitor Campos 
  • Rua Venâncio Aires com André Marques

ESTÍMULO PARA CAMINHABILIDADE

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Fotos: Renan Mattos (Diário)

O professor Carlos Félix destaca o fato de as cidades, historicamente, foram construídas para funcionarem da melhor forma para o processo produtivo, contrastando com a necessidade de se construírem cidades ambiental e estruturalmente adequadas, bem como de relações sociais harmônicas, para atender as mínimas condições da vida humana. Hoje, o grande desafio impõe-se, nestes espaços urbanos não preparados em priorizar o sentido humano, as "cidades para as pessoas". Essa seria uma das principais razões para o estímulo da caminhabilidade, do andar a pé.

_ Paris, na França, seguindo exemplos de outras cidades europeias, articula um planejamento com o conceito da Cidade em um Quarto de Hora, ou seja de que a maioria das atividades ou as principais estejam até 15 min de caminhada ou uso de transportes não motorizados (bicicleta, especialmente) caracterizando a chamada mobilidade ativa. 

Santa Maria é uma cidade de porte médio, com tempo ainda para favorecer a mobilidade sustentável. Nesse sentido tem que dar máxima prioridade ao pedestre e ao transporte público, sem proibir, mas restringir o uso do transporte privado individual, como previsto no PDMU, as zonas de prioridade aos Pedestres - ZPPs, oferecendo condições, tanto de mentalidade quanto de uso modal, em termos de infraestrutura, para essa mudança de paradigma para os deslocamentos.

CIDADE CAI DA 3ª PARA 8ª POSIÇÃO DE MORTES EM ACIDENTE NO ESTADO*

O ranking de Santa Maria no cenário estadual quanto ao número de mortes no trânsito em 2018 foi alarmante. Conforme estatísticas do Departamento de Transito do Rio Grande do Sul (Detran-RS), a cidade ocupava a a terceira colocação, com 37 óbitos, atrás de Porto Alegre e Gravataí. Já no ano passado, o Coração do Rio Grande passou para oitava posição, ainda assim, registrando 25 mortes até 30 de novembro.

O diretor-geral do Detran/RS, Enio Bacci, defendeu que a queda das mortes é reflexo do trabalho desenvolvido no último ano. São blitz educativas, operação Balada Segura, tudo junto do movimento chamado Empatia no Trânsito, cujo foco é humanizar as relações no trânsito e tentar entender os motivos que levam as pessoas a agirem de forma tão automática e irracional. Além dos valores que o movimento carrega, peças institucionais vêm sendo compartilhadas no YouTube e demais redes sociais. Embora o objetivo seja melhorar as relações entre motoristas, ciclistas e motociclistas, o pedestre e a proteção à vida são prioridades.

- A segurança para o pedestre depende de várias ações, não de uma medida isolada. São campanhas, leis, construção de locais adequados e fiscalização. Lembrando que o pedestre também tem suas obrigações. Mas, nesta gestão, nosso principal instrumento é a educação e fazer com que o cidadão seja mais empático. As pessoas não tem de ser educadas por medo das multas, mas se colocando no lugar do outro, pensando na vida que alguém pode perder e da família dessa pessoa, que se desestrutura - enfatiza Bacci.

EM MAIO DE 2020

Em nível estadual e com sede em Porto Alegre, deve começar a funcionar a 1ª Escola Pública de Trânsito, já anunciada pelo governo do Estado em setembro do ano passado. Bacci acredita que as atividades iniciem até maio deste ano. As ações serão voltadas a todos os públicos: interno (servidores, credenciados e terceirizados) e externo; crianças, jovens e adultos; pedestres, ciclistas, motociclistas ou motoristas.

- Nosso vetor principal será as crianças. Também buscaremos parcerias, inclusive com o Judiciário, para capacitações aos próprios infratores. A tendência é que possamos ampliar para vários municípios - explica o diretor-geral do Detran/RS.

* As informações referentes a 2019 levam em consideração o levantamento até 30 de novembro. Estatísticas de dezembro do mesmo ano ainda não foram concluídas

ENDEREÇO REINCIDENTE

Em abril de 2011, dois acidentes de trânsito chamaram a atenção do Diário de Santa Maria. No primeiro, o padre Bernardino Trevisan morreu depois que um veículo o atropelou na Avenida Dores. O segundo caso tirou a fala e a locomoção de Luiza Toledo de Moraes, então com 5 anos, que passou 125 dias hospitalizada após sofrer traumatismo cerebral ao ser colhida por um carro sobre uma faixa, na mesma via. Os casos motivaram a campanha de conscientização do Diário junto de outros veículos de comunicação local: Viva a Faixa! - Com Respeito, a Vida é Mais Bonita. Por algum tempo, o número de acidentes na cidade próximo ao local reduziu, mas, voltou a retroceder. Quase uma década depois, a metros de onde Luiza foi atropela a idosa Maria Cenira Dias Nunes foi morta. O acidente aconteceu após um engavetamento, enquanto a idosa estava na calçada, a cerca de 10 metros da faixa de segurança. Um Ford K estaria parado para dar passagem. Um segundo automóvel parou atrás, quando, então, um terceiro carro não freou a tempo e atingiu o carro já parado. A colisão impulsionou o Ford Ka para frente, atingindo a vítima.  

A reportagem tentou contato com a família da idosa - por telefone e no local onde vivia, mas não encontrou ninguém. O caso é investigado pela Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP). Conforme a delegada Elizabeth Shimomura, o inquérito deve ser finalizado no final de fevereiro. Dois motoristas envolvidos ainda precisam ser ouvidos e os laudos periciais concluídos.

- A conduta de cada um dos envolvidos está sendo investigada, mas ainda não podemos afirmar a causa da perda do controle do carro - informou a delegada.

Já Luiza, desde 2013, vive com a família na cidade de Lagoa Vermelha. Hoje ela tem com 14 anos.

- Ela está bem, é uma adolescente feliz. Fomos para Tailândia há três anos, depois de uma campanha para R$ 200 mil para o tratamento de células-tronco. Houve uma pequena evolução, mas o quadro neurológico é o mesmo. Ficaram grandes sequelas do acidente. Ela ainda não fala, sinaliza sim e não com a cabeça. A campanha de 2011 foi muito importante, mas a educação no trânsito é necessária todos os dias - defendeu a mãe de Luiza, Gabriela Toledo.

CIDADE CAI DA 3ª PARA 8ª POSIÇÃO DE MORTES EM ACIDENTE NO ESTADO

Em 2018

  • 1º Porto Alegre - 82
  • 2º Gravataí - 42
  • 3º Santa Maria 36
  • 4º Pelotas - 34
  • 5º Caxias do Sul - 33
  • 6º Viamão - 28
  • 7º Canoas - 27
  • 8º Passo Fundo - 26
  • 9º Rio Grande - 25
  • 10º Novo Hamburgo - 25 

Em 2019*

  • 1º Porto Alegre - 68
  • 2º Caxias do Sul - 56
  • 3º Pelotas - 49
  • 4º Gravataí - 41
  • 5º Viamão - 27
  • 6º Canoas - 27
  • 7º Passo Fundo - 26
  • 8º Santa Maria - 25
  • 9º São Leopoldo - 22
  • 10º Santa Cruz do Sul - 20

* As informações referentes a 2019 levam em consideração o levantamento até 30 de novembro. Estatísticas de dezembro do mesmo ano ainda não foram concluídas

A SEGURANÇA DEPENDE DE TODOS

style="width: 100%;" data-filename="retriever">Fotos: Renan Mattos (Diário)

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) também prevê punição para pedestres. De acordo com o Artigo 254, atos como andar no meio da rua ou atravessar fora da faixa de segurança, passarela ou qualquer outra passagem destinada para quem anda a pé está sujeito a multa de 50% do valor da infração de natureza leve. O pedestre, assim como o ciclista, motorista e o motociclista também faz parte do sistema de trânsito, e têm seus direitos e deveres assegurados pelo CTB. 

Direitos

  • Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas de pedestres terão prioridade de passagem;
  • Nos locais em que tiver semáforo, terão prioridade de passagem os pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo se a sinalização tiver mudado liberando a passagem dos veículos;
  • É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais, para circulação;
  • No caso de não houver passeios, ou quando não for possível o acesso, será feita com prioridade sobre os veículos, pelas bordas da pista, em sentido contrário ao dos veículos. 

Obrigações

  • Atravessar sempre andando na faixa de pedestre;
  • Olhar para os dois lados antes de atravessar uma via;
  • Aguardar a passagem do veículo ou que ele pare;
  • Atravessar sempre em linha reta, sem correr;
  • Olhar atentamente para os lados ao descer de um carro ou de um ônibus e esperar sempre que o veículo saia para então atravessar a via.

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