reportagem especial

VÍDEO: 'Meu nome estava na parede e nela dizia que ali não era o meu lugar', desabafa aluno que foi alvo de ataque racista na UFSM

Pâmela Rubin Matge

Foto: Renan Mattos (Diário)

Com uma bandeira em punho, a qual trazia a frase "Racismo basta", o estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Elisandro Ferreira, 45 anos, foi a última pessoa a pedir o microfone, mostrar apoio e, principalmente, resistência, durante a mobilização antirracista ocorrida na Universidade Franciscana (UFN), na última terça-feira.

Leia a reportagem especial do Diário sobre os 6 ataques racistas ocorridos nas duas maiores instituições de ensino Superior de Santa Maria

A postura é bem diferente do Elisandro de cerca de um ano atrás. Em 15 de setembro do ano passado, e outra estudante, foram alvos diretos de um ataque racista na frase que estampava a parede do Diretório Livre do Direito (DLD) da UFSM: "Elisandro e Fernanda, o lugar de vocês é no tronco, fora negros, negrada fora".


À época, chegou a se afastar da universidade, mas com o apoio dos amigos, de professores e da família, retomou às aulas na UFSM. Orgulha-se ao dizer que chegou a "fazer 14 disciplinas e passar em todas sem exame":

- Só tomei frente porque sofri esses atos. Fiquei muito vulnerável. Sentir na pele a maneira que fui exposto me machucou muito. Não era qualquer universidade, mas a UFSM. Lembro da primeira vez que entrei na sala de aula do curso: eram uns 40 alunos brancos. Eu era o único negro e não queria desistir. Quando entrei, ainda era vestibular. Antes, fiz supletivo. Tive que estudar, trabalhar muito. Trabalhava de noite pintando prédios. Tive sorte de conhecer o professor Terra, que me deu o cursinho. Tentei passar (na federal) duas vezes e batia na trave. Quando aconteceram esses ataques comigo e com a Fernanda me senti impotente porque meu nome estava na parede e nela dizia que ali não era meu lugar. E foi ali o primeiro lugar na minha vida onde baixei a guarda.

Elisandro é casado e tem um filho de 18 anos. Atualmente, faz estágio em um escritório de advocacia e trabalha na construção de uma ONG para comabater quaisquer que sejam os preconceitos:

- Eu tive que tomar uma postura. Não adiantava eu sofrer aquilo ali, chorar e me vitimizar. Eu tive e nós temos que reagir. Quando tu tens uma agressão direta, fica complicado. Tu te sentes mais vulnerável, parece que aquilo é pessoal. Eles escolhem aleatoriamente e pegam aquelas pessoas que menos são ativistas. No meu caso, eu ainda não tinha participado de movimento nenhum. Só que eles deram azar, porque eles não conhecem a minha história, não conhecem de onde eu vim, não sabem quem eu sou. Eu tive que reagir porque a minha história não permitiu que eu aguentasse aquilo.

ALFABETIZADO AOS 14 ANOSFoto: Renan Mattos (Diário)

Antes de ingressar na UFSM, o estudante chegou a cursar até o quarto semestre na UFN, mas não avançou por não ter condições de pagar. Depois, passou no vestibular da Ulbra e também não conseguiu arcar com os gastos. Mas ele queria (e ainda quer) se formar em Direito. 

Nem mesmo a dura trajetória de vida de Elisandro ceifou seus sonhos e suas expectativas. Natural de Santa Maria, é o mais velho de nove irmãos. Com problemas de violência doméstica com o padrasto e com a mãe, foi viver como os avós. Depois, vieram os problemas com os tios. Aos 9 anos, passou a viver na rua e, aos 16, foi para antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor" (Febem). Lá, o primeiro livro que leu foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

- Por indicação da tia Izolete, monitora da Febem, li o ECA e decidi que queria fazer Direito. Praticamente não tive infância porque na rua você não tem tempo para brincar. Cresci com três pensamentos: viver, ter algo para comer e ter onde dormir. Minha maior preocupação era saber se estaria vivo no outro dia. Comecei a me alfabetizar com 14 anos graças à ajuda do pessoal da garagem dos Correios. Eles me davam comida e roupa. Muitas vezes, eu dormia no meio dos malotes. Em relação ao preconceito, recebi muitas piadinhas. Me chamavam de coisas como "guardanapo de mecânico", mas eu não tinha tempo para me importar e nem sabia o que era racismo. Quando batia na porta das pessoas, muitas vezes, elas falavam coisas como "toma isso aqui, neguinho" ou "toma e sai daqui". Depois, quando tive mais entendimento, fui saber o que de fato acontecia. Entretanto, não me permitia sentir isso.

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