reportagem especial

Santa Maria não tem equipe de futebol feminino de campo

Pâmela Rubin Matge

Área situada às margens da Avenida Hélvio Basso foi palco de grandes partidas e da estreia do primeiro time de futebol feminino de Santa Maria, em 1981

Foi ali, que aconteceram o primeiro campeonato e os primeiros toques de bola do mais antigo time de futebol de campo feminino: a equipe Índia do Grêmio Atlético Imembuy.

Somente quase quatro décadas depois, as meninas que disputaram partidas naquele campo poderão assistir a uma Copa do Mundo de Futebol Feminino, democraticamente, em TV aberta. É que a Rede Globo, maior emissora do país, que alcança uma audiência de 100 milhões de pessoas, fará, pela primeira vez, a transmissão dos jogos ao vivo. O torneio, sediado na França, começa na próxima sexta-feira, e a nossa Seleção estreia no dia 9 de junho, diante da Jamaica.

A atmosfera que antecede as partidas faz bater mais forte os corações de torcedores ou de quem está ou já esteve em contato com bola. De Porto Alegre, Taiane Flores, a santa-mariense que joga no Sport Club Internacional, espera ansiosa. Ela aposta no placar de 1 a 0, com gol de Marta. Já concentrada para o jogo, Andressinha (Andressa Marchry), craque convocada para a Copa e descoberta em peneiras na região quer fazer bonito em campo. Na edição deste fim de semana, o Diário traz uma reportagem especial que faz um resgate da modalidade no Coração do Rio Grande, uma panorama da atual situação do esporte no município e relatos de jogadoras, pesquisadoras e dirigentes.

LEIA MAIS DESTA REPORTAGEM ESPECIAL
:: Andressinha, a número 17 da Seleção concede entrevista exclusiva ao Diário, e santa-mariense Taiane brilha nos campos do Sport Club Internacional
:: VÍDEO: Tuca e Sonia, ex-jogadoras da cidade, relatam o sucesso do futebol feminino na década de 1980

Daqui, Sonia e Maria Marinho, ex-jogadoras de 49 e 55 anos, ambas das equipes do Grêmio Atlético Imembuy, Inter-SM e Riograndense, acompanharão as partidas tomadas de nostalgia. É que é impossível não lembrar do tempo em que a cidade teve sua época de ouro no futebol feminino, um cenário distante do que se vê hoje.

SANTA MARIA SEM TIME DE FUTEBOL FEMININO

Não há, pois, um só time que represente Santa Maria, nem sequer campeonatos voltados à modalidade. Danilo Silva, presidente da Liga Santamariense de Futebol Amador, lembra que o Citadino, tradicional competição da modalidade no município, chegou a contar com 16 times. As últimas campeãs foram as atletas do Ser Vitória, em 2013. Há seis anos, a competição não tem participação feminina.

Ex-atletas e praticantes cobram do município e das empresas mais incentivo, além do apoio da sociedade e dos torcedores, que costumam lotar estádios em jogos masculinos.

- Se fizessem torneios, apareceria mulher de monte. Há interesse - afirma Maria , " a goleira Tuca".

A prefeitura alega que, por meio dos seminários do Programa Municipal de Apoio e Promoção do Esporte (Proesp), tem orientado como captar recursos e desenvolver projetos. Porém, as entidades, na maioria das vezes, não apresentam projetos para o futebol feminino. O que existe fica na conta do futsal feminino, com pelo menos 12 times, que participam do Citadino de Futsal, da Taça CDM e da Copa Oreco.

- As entidades não nos procuram. O que temos é o aumento do futebol de salão feminino, que forma time com cinco (meninas) ou do futebol 7, pois não existem equipes para o futebol 11. Mas, vamos ao exemplo da Taiane, que começou nos jogos escolares e hoje está em clube profissional. Essa Copa do Mundo é muito representativa. Não tenho uma camiseta do Neymar, mas comprarei a da Marta. Ela é o exemplo do atleta brasileiro, de superação, humildade e respeito - fala, com esperança, Givago Ribeiro, superintendente de Esporte e Lazer e ex-atleta de canoagem.

PROJETO COM 70 MENINAS ACABOU POR FALTA DE PPCI EM ESTÁDIO
Fábio Belous, professor de educação física e coordenador-técnico das categorias de base masculina do Novo Horizonte, também atua com equipes femininas na Escola Marista Santa Marta. Trabalhando em projetos escolares desde 2005, junto do professor Maicon do Santos, percebeu a necessidade de difundir a prática do o futebol de campo a outras meninas da cidade.

Em 2017, desenvolveu um projeto no Riograndense Futebol Clube. Em menos de ano, as atividades precisaram ser interrompidas.

- No nosso melhor momento, tínhamos 70 meninas de 9 a 17 anos, treinando semanalmente, participando de campeonatos regionais e se destacando. O projeto ia a mil maravilhas, mas, por problemas de liberação do Estádio, pela questão do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), acabamos parando por falta de espaço (para treinar). Durou 10 meses - conta Belous.

O professor lamenta que, em Santa Maria, a modalidade ande na contramão do cenário atual.

- O futebol feminino cresceu muito no país e no mundo. Estamos engatinhando e muito atrás de outros locais. Tem meninas que treinam junto com meninos por não ter onde jogar. Na nossa escola, ficamos entre as três melhores escolas do Estado em 2018, vencendo a etapa municipal, regional e chegando a estadual do Bom de Bola, maior campeonato escolar de futebol de campo. Então, há perspectiva de melhora pela quantidade e qualidade de meninas com 12, 14 anos. Porém receio porque elas estão queimando etapas e atuando com as adultas pela falta de competições (para faixa etária correspondente) - explica o professor.

5ª MAIOR CIDADE DO ESTADO NÃO TEM TIME NO GAUCHÃO FEMININO

Em Santa Maria, outra Andressa também faz história com competência, apito e cartões em punho. Árbitra da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) e da Confederação Brasileira de Futsal (CBFS), a educadora física Andressa Hartmann, 26 anos, é uma entusiasta da modalidade e crítica da discrepância que ainda separa homens e mulheres, do pouco incentivo das instituições privadas e da falta de políticas públicas que valorizem equipes femininas.

- Acredito que seja relevante falarmos, sempre, sobre as mulheres no esporte. Quais são as mulheres que fazem a diferença no esporte de Santa Maria? Será que é de conhecimento da sociedade? Em relação ao futebol feminino, a modalidade carece de oportunidades. Em 2017, o Riograndense criou um projeto de iniciação ao futebol feminino, o qual não seguiu seu andamento. Em 2019, teremos Gauchão feminino nas categorias adulto, sub-18 e sub-16, e não temos nenhuma participação de equipe da região - lamenta.

São iniciativas e o trabalho de educadores como os da Escola Sérgio Lopes (leia mais na página 25), que a árbitra sugere que sirvam de exemplo:

-A Taiane Flores, hoje, é atleta do Sport Club Internacional, em Porto Alegre. Por que não investir no futebol feminino de Santa Maria para que possam surgir mais Taianes?

Andressa é natural de São Paulo das Missões, e formada pela UFSM. Chegou a ser convocada para seleção brasileira sub-17 e vestiu a camisa de times como o ADJ Malwee, em Jaraguá do Sul. Atualmente, vive no Coração do Rio Grande. Em 2017, ela ganhou uma ação de danos morais, ingressada junto à Justiça no ano anterior, após ter sido humilhada por expulsar um dirigente durante uma partida de na região.

PARA TORCER E RECONHECER

A seleção feminina estreia na Copa do Mundo da França no domingo, dia 9 de junho, diante da Jamaica. Depois, enfrenta a Itália, dia 13, e fecha a primeira fase, dia 18, contra a Austrália. Os jogos serão transmitidos em TV aberta. Além da paixão nacional pelo futebol, sobra orgulho das particularidades das nossas meninas.  

A meio-campista Formiga entrará em campo mais uma vez pela seleção brasileira no Mundial e pode estabelecer um novo recorde. Será sua sétima edição de Copa do Mundo, desde a primeira disputa, em 1995, quando tinha 17 anos. Não há, na história do Mundial masculino, nenhum jogador que tenha disputado tantas edições.

Há 20 anos na Seleção, ela disputou todas as edições olímpicas desde 1996 e detém a impressionante marca de ser a jogadora (entre homens e mulheres) que mais vestiu a camisa da seleção brasileira, ultrapassando os 149 jogos de Cafu.

Marta, a maior artilheira da história da Seleção (entre homens e mulheres) e a jogadora com mais Bolas de Ouro - Prêmio Fifa - na carreira (tem seis, ultrapassando Messi e Cristiano Ronaldo) já acumula 15 gols marcados nas quatro Copas disputadas, de 2003 a 2015. Ela está empatada com Ronaldo como maior artilheira do Brasil no torneio e deve ultrapassar o alemão Miroslav Klose, detentor, hoje, da marca de maior artilheiro da história das Copas, com 16 gols. Se marcar apenas mais duas vezes no Mundial da França, a brasileira considerada a maior jogadora de todos os tempos colecionará mais um recorde no futebol.

Gols, títulos, aplausos enobrecem trajetórias, mas não bastam. Ainda é preciso valorização, respeito e reconhecimento. Um exemplo prático: em 2019, Neymar está recebendo 91,5 milhões de euros (equivalente a R$ 396 milhões). Marta, 340 mil euros (R$ 1,47 milhão). O levantamento com os jogadores mais bem pagos do futebol feminino e masculino foi feito pela revista France Football, divulgou no dia 13 de maio. Os números escancaram a desigualdade de salários entre homens e mulheres no esporte.

No ano passado, Marta foi anunciada pela ONU Mulheres como embaixadora da Boa Vontade. Sua trajetória também representa a luta pela igualdade de gênero, inspirando meninas de todo o mundo a enfrentarem barreiras dentro e fora dos campos.

Às vésperas da Copa Feminina de futebol, o que dizem pesquisadoras, atletas e ex-jogadoras

"A apresentação dos jogos da seleção de mulheres na televisão aberta é extremamente significativa do ponto de vista simbólico, principalmente em um Brasil onde as mulheres reivindicam cada vez mais por igualdade de gênero, ou seja, uma igualdade de tratamento e de oportunidades nas mais diversas áreas. Inclusive, há uma lei em que afirma que os jogos oficiais da Seleção deveriam todos ser transmitidos na televisão aberta. A lei não informa o gênero, entretanto, para o feminino, é descumprido. "
Cláudia Kessler, professora na UFSM e doutora em Antropologia Social 

"Admiro muito e sou fã da Marta. Seis Bolas de Ouro! É um grande exemplo para gente pois, com certeza, deve te passado por dificuldades e, hoje, é a melhor mundo. Com a Copa do Mundo transmitida pela TV, terá mais visibilidade. É fundamental para que o futebol feminino seja reconhecido. Esses avanços são importantes porque é a valorização das mulheres e de um esporte que está crescendo cada vez mais."
Taiane Flores, santa-mariense e jogadora do Sport Club Internacional 

"A diferença salarial ocorre no futebol e em todas as outras modalidades esportivas e até mesmo nos outros setores. É uma cultura enraizada no Brasil que, dificilmente, mudará enquanto não mudar a concepção preconceituosa e machista. Acredito que a copa pode dar um estímulo para as equipes femininas conquistarem um espaço entre clubes e patrocinadores, mas, daí a ter uma igualdade salarial frente aos homens, vai levar um tempo bem além da Copa. Vejo que a mídia é uma grande influenciadora. Se, através dela, o feminino tiver um destaque, as empresas irão investir. Portanto, acredito que a Copa transmitida em rede nacional pode, sim, alavancar contratações e melhorar salários"
Sonia Marinho, ex-jogadora do Inter-SM, Riograndense e Grêmio Imembuy 

"Ainda que tardia, a visibilidade gerada pela transmissão ao vivo no canal aberto de maior audiência do país pode trazer consequências positivas para a modalidade feminina do esporte, seja pela atração de novos patrocinadores, pela conscientização do público sobre a existência de atletas mulheres que merecem reconhecimento ou pela valorização financeira dessas atletas que ainda recebem infinitamente menos que atletas homens, tendo que exercer a profissão, muitas vezes, fora do país, porque lá encontram melhores oportunidades. A televisão tem o potencial para atuar como um espaço de educação, conscientização e formação crítica de seus telespectadores, rompendo estereótipos de gênero e não só em relação às atletas, mas, também, às próprias jornalistas que cobrem essa editoria, que passam a ganhar mais respeito dentro de uma área marcadamente masculina. A própria Globo já anunciou a presença de comentaristas mulheres nos jogos da Seleção feminina, algo inédito, até então "
Lauren Santos Steffen, jornalista e doutoranda em Comunicação na UFSM 

"Felizmente, nesse ano, teremos a transmissão em TV aberta dos jogos da Seleção Brasileira Feminina na Copa do Mundo de Futebol Feminino. Conquista a ser comemorada e que representa um marco histórico de muita luta e superação! Esperamos que isso sirva de incentivo para as pessoas acompanharem e torcerem pelo futebol das mulheres brasileiras da mesma forma que fazem quando são os homens em campo"
Andressa Hartmann, ex-atleta, educadora física e árbitra da FGF e CBFS

A Copa pode ajudar a quebrar muitos conceitos, como já vem acontecendo, abrindo caminhos para a nova geração. Quanto ao salário, a diferença é muito grande, como acontece em outras profissões. Mas eu acho que sempre tem alguma coisa para mudar, porque não deveria ter esta diferenciação. Deveria ser por capacidade individual, daí, sim, mostraríamos a força da mulher, seguindo aquela frase: "Lugar de mulher é onde ela quiser"
Maria Marinho, "Tuca",  ex-goleira do Inter-SM, Riograndense e Grêmio Imembuy

AS CONVOCADAS EM 2019

Goleiras 

  • Aline - UD Granadilla Tenerife (Espanha)
  • Bárbara - Avaí/Kindermann (Brasil)
  • Letícia - Corinthians (Brasil)

Defensoras

  • Camila - Orlando Pride (EUA)
  • Érika - Corinthians (Brasil)
  • Fabiana - Internacional (Brasil)
  • Kathellen - FC Bordeaux (França)
  • Letícia - Sportclub Sand (Alemanha)
  • Mônica - Corinthians (Brasil)
  • Tamires - Fortuna Hjorring (Dinamarca)
  • Tayla - Benfica (Portugal)

Meio-campistas

  • Luana - KSPO Women Football Team (Coreia do Sul)
  • Andressinha - Portland Thorns (EUA)
  • Formiga - Paris St Germain (França)
  • Thaisa - Milan (Itália)

Atacantes:

  • Andressa Alves - Barcelona (Espanha)
  • Bia Zaneratto - Incheon Hyundai Steel Red Angels (Coreia do Sul)
  • Cristiane - São Paulo (Brasil)
  •  Debinha - North Carolina Courage (EUA
  • Geyse - Benfica (Portugal)
  • Ludmila - Atlético de Madrid (Espanha)
  • Marta - Orlando Pride (EUA)
  • Raquel - Sporting Club Huelva (Espanha)
  • Treinador - Vadão

FOTOS: Renan Mattos, Fernanda Ramos, Laura Zago e CBF/Divulgação

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