reportagem especial

Plano Diretor prevê 3 eixos de ciclovias em Santa Maria, mas não há projeto para sair do papel

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Fotos: Gabriel Haesbaert e Pedro Piegas (Diário)

Com seus 280,5 mil habitantes e mais de 160 mil veículos, Santa Maria ainda não conseguiu verificar, em larga escala, os benefícios que o Plano Diretor de Mobilidade Urbana - aprovado em 2015 - é capaz de trazer aos seus moradores. A situação do plano pode ser comparada a de um ciclista, que ao se deparar com uma subida resolve pedalar em pé e, assim, imprimir mais potência e força na pedalada.

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Durante o trabalho de campo para elaboração do plano, desenvolvido pela empresa espanhola Idom, alguns dados apontaram o que talvez muitos já suspeitassem: o transporte privado corresponde a 47,2% dos deslocamentos. A regra, que deveria ser o transporte coletivo (de qualidade e eficiente), fica com a fatia de 24,7%. Índice, inclusive, menor que os deslocamentos a pé, que correspondem a 27,2%.

E as bicicletas - por inexistir uma estrutura condizente e viável para pedalar de forma segura - representam ínfimos 0,6%. Mas engana-se quem pensa que o plano não prevê ciclovias. São pelo menos 3 eixos na cidade ( avenidas Borges de Medeiros, Presidente Vargas, Faixa Velha e bairro Tancredo Neves). O problema é que não há sequer projetos para tirá-los do papel.

O resumo de tudo é que o Plano Diretor de Mobilidade Urbana hierarquizou, da seguinte forma, as linhas de atuação: pedestres, bicicletas, transporte coletivo, veículo privado e, por fim, carga/descarga. Porém, nos últimos anos, o ensaio que a cidade teve em torno de espaços para bicicletas não passou de um rascunho do que inicialmente fora proposto.

A CULTURA DO CARRO PREVALECE
O engenheiro civil e doutor em Transportes João Fortini Albano entende que por mais que se tenham avanços e adesões ao deslocamento em duas rodas por meio de bicicletas, a cultura do carro é ainda muito forte junto ao brasileiro. Porém, pontua que entre os jovens há um entendimento que já se assemelha em muito ao do europeu - que, ao longo das décadas, tem deixado o carro de lado - para se valer de um modo de transporte barato e sustentável: 

- Obviamente que a cultura do carro ainda é muito forte e arraigada junto ao brasileiro. Se trata de um status, de uma certa ascendência ao comprar um carro. Algo que as gerações mais novas têm dado demonstrações que não é o objetivo delas. Veja, por exemplo, que os jovens preferem ter um bom celular, investir em qualificação e em viajar e conhecer o mundo do que a ter um carro. É, notoriamente, uma mudança que vem ocorrendo.

Para o especialista, o maior limitador em torno do êxito desse modal, seja numa ciclovia ou em uma ciclofaixa, se dá em decorrência da inexistência de uma rede integrada entre si que permita ao máximo o deslocamento do usuário:

- Uma ciclovia ou uma ciclofaixa só pode ser considerada uma modalidade de transporte se ele permite o deslocamento do trabalhador até o trabalho. Se isso não ocorre, se não cumpre com esse propósito, o que se tem é um espaço meramente de lazer ou para fins recreativos.

No entendimento de Yuriê Baptista César, representante da União de Ciclistas do Brasil, a sociedade ainda é "carrocrata" e ainda se mostra avessa às mudanças. Além disso, ele pontua que os gestores públicos nem sempre se mostram propensos a fazer frente a esse processo de virada de chave:

- Qualquer ação que tire o privilégio do carro é algo que não é bem visto pela sociedade. E essa é uma barreira que um gestor precisa estar disposto a comprar essa briga. Até porque não é possível se ter uma rede cicloviária de qualidade tendo o automóvel como prioridade.

O que acontece, no máximo, por parte dos gestores é colocar uma ciclovia ou uma ciclofaixa em uma zona que não traga conflito, resume Yuriê:

- É comum, por vezes, colocar uma ciclovia em um parque ou em uma via que não tem cruzamento ou demanda. Aí é claro que não se resolve problema algum. Tudo perpassa por uma mudança cultural, que é um processo lento, demorado, mas que precisa ocorrer.

A PASSOS LENTOS
Albano enfatiza que o entendimento europeu, de priorizar a bicicleta, começa a ser replicado junto ao brasileiro ainda que de forma tímida. O engenheiro pontua os ganhos - econômicos à saúde - que se tem ao optar pelo deslocamento em duas rodas.  

- Quem pedala obtém, de uma só vez, ganhos econômicos - com uma economia significativa - e, principalmente, à saúde. Ao pedalar, o ciclista diminui o risco de doenças cardiovasculares e também de morte prematura. É um combo de ganho.

O doutor em Transportes acredita que a curva de adesão à bicicleta apenas terá um acréscimo considerável com investimentos em infraestrutura, em segurança nas vias e, claro, com locais para guardar as bicicletas.

MUDANÇA DEPENDE DOS GESTORES DA DA SOCIEDADE
A colocação em prática do Plano Diretor deve ser uma venda casada em que o poder público e a sociedade precisam sinalizar juntos para que isso ocorra. A leitura é feita por Juliana Guma, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana (UFN) e mestre em Planejamento Urbano pela UFRGS:

- No que se trata da mobilidade urbana é preciso que o pedestre e o ciclista sejam as prioridades para que as ações sejam iniciadas e, junto a isso, a questão do transporte público. Enquanto nos preocuparmos apenas em tapar os buracos das ruas, por exemplo, é difícil que consigamos evoluir para a implantação de um plano cicloviário ou para as zonas prioritárias para os pedestres, que o plano também prevê.


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