infecção intestinal

Causa de novo surto pode não ser descoberta, diz especialista

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)

As fotos de Antônia Pradie Borchardt, 5 anos, e Murilo Brasil Brum, 4 anos, impressas em camisetas de familiares estampam a saudade pelas perdas e materializam a gravidade do problema que pegou Santa Maria de surpresa na véspera do último Natal. Ambos foram vítimas fatais do que tem sido denominado surto de infecção intestinal ou diarreia infecciosa aguda. As duas crianças eram alunas da Escola Infantil do Sesi, no Bairro Patronato. Contudo, ainda não se sabe se a instituição tem relação direta com a infecção ou se foi causa externa. A doença registrou, ao todo, seis casos graves (veja os desdobramentos na página 7) e cerca de 1,8 mil atendimentos de pessoas com sintomas afins, segundo informado por boletins, mas esses últimos podem ser casos comuns do verão.

Paralelo aos casos recentes, um filme também passou à cabeça de diversos santa-marienses, já que, pela segunda vez, em menos de dois anos, a cidade enfrenta um surto. É preciso esclarecer, porém, que o surto de toxoplasmose, em 2018, não tem relação com o surto de infecção intestinal.

Segundo o secretário de Saúde, Francisco Harrisson, o último surto está controlado, e ele assumiu o compromisso de serem os pais os primeiros a saberem do resultado dos exames. Ele também esclareceu os casos de quatro crianças, todas alunas do Sesi, que apresentaram procuram atendimento médico desde a última quarta-feira: de duas crianças que passam férias em Santa Catarina, e outras duas em Santa Maria. Nenhum caso é grave, mas todos estão sob observação da Vigilância em Saúde.

Na cidade, a Vigilância Sanitária comprova, com laudos e relatórios, o trabalho de campo em busca da origem da infecção. O Sesi coloca-se à disposição das famílias e confia à prefeitura a credibilidade das inspeções: as atuais e que há anos têm sido feitas e certificadas. O Ministério Público também entrou na linha de frente de frente e cobra informações da escola e do município. Em meio ao luto, pais das crianças criaram rede de apoio, cobram providências e, principalmente, amparam-se uns aos outros. Em comum, todos aguardam o resultado de exames, que segundo os próprios profissionais da saúde, podem não trazer respostas.

- Não quero culpar ninguém, quero sinceridade e coerência. Cada vez que escuto que tem uma criança doente entro em pânico. Não quero que mais nenhuma família passe por isso - diz Suelen Pradie Borchardt, mãe de Antônia, que não pôde comparecer àquele encontro.

O pai de Murilo, Vinícius Brum, expressa um misto de indignação e dor:

- O único fato concreto que tenho é que meu filho estava saudável, teve febre por volta da meia-noite, às 3h58min foi atendido no hospital, depois transferido para UTI e, às 10h, veio a óbito. E aí?

A reportagem levanta esses e outros questionamentos, relembra os acontecimentos que antecederam a deflagração do surto e os dias seguintes, além de trazer explicações médicas e de utilidade pública.

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AMBIENTE SEGURO, GARANTE SESI

Nos cerca de 40 minutos que Juliano Colombo, superintendente Regional no Serviço Social da Indústria (Sesi), concedeu entrevista por telefone ao Diário na última quinta-feira, repetiu por seis vezes, que, diante dos acontecimentos surto de infecção intestinal que teve por consequência a morte de dois alunos da escola, a prioridade da instituição é a de acolher as famílias.  

Questionado, Colombo, que está em Porto Alegre, também explicou por que ainda não foi possível um contato com a gestão local:

- Trocamos informações, conversamos com a gestora, mas é um protocolo do Sesi que o superintendente fale em momentos de crise. Não é um assunto de Santa Maria, é um assunto do Sesi no Rio Grande do Sul. Nada nos impactou tanto quanto as perdas do Murilo e da Antônia. Em sete décadas trabalhando com educação, nunca passamos por isso. Nem imaginamos o que esse pais estão sentindo.

O superintendente afirmou que a instituição fará qualquer medida que for necessária. Ele assegurou condições sanitárias da escola e atribuiu, também por diversas vezes, a responsabilidade das inspeções à prefeitura.

- O Sesi recebeu um selo de qualidade como uma das escolinhas referência do município, atestado pela própria prefeitura. Temos um ambiente seguro e apto. Não sabemos se houve alguma relação com o que aconteceu (surto) - concluiu Colombo.

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CONTRAPONTOS E ESCLARECIMENTOS
Abaixo, uma série de perguntas foi remetida à prefeitura (Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária e Epidemiológica) e ao Sesi. Algumas são direcionadas, outras comuns aos dois órgãos. A prefeitura respondeu via e-mail, por meio da superintendência de Comunicação. O Sesi respondeu por telefone, pelo superintendente regional, Juliano Colombo. 

Que providências foram tomadas pela escola diante do surto?

Sesi - Como é um assunto de saúde pública e o Sesi não atua em saúde, não podemos tomar nenhuma ação (específica). Nossa preocupação foi nos colocamos à disposição dos órgãos competentes como a Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária. No dia 25, fomos para Santa Maria pensando exclusivamente na atenção e acolhimento das famílias. No dia 26, à tarde, fizemos uma reunião com os pais, pois nossa preocupação era dar alguma informação naquele momento sobre o que estava se fazendo, quais procedimentos, além das orientações da Secretaria de Saúde quanto aos sintomas. Nesta reunião, oferecemos todo suporte psicológico aos pais afetados, que perderam o Murilo e a Antônia, e aos demais, pois indiretamente todos sentiram as perdas.

Pais de alunos afirmaram que havia vazamento da água do poço da escola, cujos exames apontaram haver coliformes. Isso procede?

Prefeitura - Há um vazamento do poço artesiano e isso foi questionado à escola. A instituição apresentou documentação referente ao não uso desse poço. Foi verificado isolamento de acesso das crianças ao poço. Mas, a escola foi notificada a providenciar um isolamento total desse vazamento.

Sesi - O poço artesiano não tem nenhuma relação com a escola. O poço fica em um local em que os alunos não têm acesso. Não há vazamento, há uma extravasão natural da água que acontece por oscilação do lençol freático. O poço está no outro lado da unidade, e os alunos não circulavam lá. Essa água originalmente foi pensada para irrigação e hidrantes dos campos, mas no momento, estava fechado há meses. Mesmo que tivesse sendo utilizado, essa água não entraria em contato com as crianças. E mesmo que tivesse em contato, não há relação dessa água com a bactéria (causadora da doença).

Foi solicitado à escola alguma desinfecção?

Prefeitura - Foram recomendadas, além das medidas em legislação para obtenção do alvará sanitário, medidas adicionais de biossegurança. A escola tem toda a documentação em dia relacionada à desinfecção de caixa d'água, de ambientes e estrutural. Toda a documentação está regularizada.

Sesi - Nós vamos seguir todas as orientações da Vigilância. Era um ambiente que precisava ser preservado para poder fiscalizar. A escola volta ao seu funcionamento dia 10 de fevereiro. Estamos estudando o que vamos fazer, mas tudo será com aval da Vigilância Sanitária de Santa Maria. Não podemos nem afirmar, nem descartar (a desinfecção).

Que testes foram feitos na água do poço? Podem ser conclusivos?

Prefeitura - São testes para cloro residual livre e para fluoretos, que é a análise química. Também foi feita a parte bacteriológica, onde se verifica coliformes totais e fecais. Foi feito teste para turbidez. Esses foram os testes realizados em todas as amostras. A conclusão parcial é de que nenhuma amostra apresentou indicativo de contaminação potencial relacionada ao surto.

Foram coletadas amostras da areia da pracinha ou de quadras de esporte da escola?

Prefeitura - A Prefeitura foi informada, na quinta-feira (9 de janeiro), de que o Laboratório Central (Lacen) vai receber as amostras de areia, das dependências da escola para análise. O material será coletado, provavelmente, na segunda-feira (13 de janeiro).

Sesi - No dia 26, nós abrimos as portas para os especialistas fazerem o que foi necessário. As coletas devem ser verificadas com a Vigilância Sanitária.

Por que a demora nas coletas, uma vez que os casos de óbitos ocorreram 22 e 24 de dezembro?

 Prefeitura - As primeiras coletas foram feitas no dia 26 de dezembro, já que havia a necessidade de levar em conta o tempo e a disponibilidade do Lacen.

No boletim, foram encontrados coliformes na água do poço. Que bactérias foram encontradas? Providências foram tomadas?

Prefeitura - Foram encontrados Coliformes totais, o que é diferente de coliformes fecais. Coliformes totais indicam materiais orgânicos. Os encontrados no poço apresentaram baixo nível de contaminação, sem a presença da bactéria Escherichia coli, que é a suposta bactéria dos sintomas apresentados

Sesi - Coliformes se encontram em qualquer lugar, mas a relação com a bactéria suspeita não foi demonstrada nos laudos.

Foram feitas coletas na casa em que surgiu o primeiro caso? (11 de dezembro)

Prefeitura - Foram feitas coletas em todos os pontos de água necessários da casa. Resultados apontaram que não há indicador de contaminação por material biológico.

Por que não se fala no diagnóstico das pessoas que foram tratadas e curadas?

Prefeitura - Não há diagnósticos, já que os laboratórios particulares e o Lacen não encontraram nenhum indicador, nem no sangue, nem nas fezes, de positividade para contaminação bacteriana. Não se fala em diagnóstico, já que não houve indícios.

A escola é segura para reabrir as portas?

Prefeitura - Em relação aos riscos sanitários, a escola está relativamente segura para reabrir. Em relação a risco sanitário, nunca se fala em 100%, pois nenhum local está 100% seguro para contaminação. Mas, se avaliar os riscos sanitários e os indicadores de cuidados, atendendo a todas as recomendações da Vigilância em Saúde, a escola estaria relativamente segura para reabrir.

Sesi - O Sesi tem todos os alvarás de funcionamento, todos os laudos necessários. O Sesi recebeu um selo de qualidade como uma das escolinhas referência do município atestado pela própria prefeitura. Temos um ambiente seguro e apto. Não sabemos se houve alguma relação com o que aconteceu (surto). A gente ressalta que todas as questões referentes à saúde, o Sesi não emite opinião. O que valem são os laudos da prefeitura de Santa Maria. Os órgãos do município nos atestam que nossa escola é segura e atende a todos os requisitos. 

INFECÇÕES PELO MESMO AGENTE PODEM VARIAR PARA CADA PESSOA 
Jane Costa, médica infectologista em Santa Maria explica que qualquer infecção depende de três fatores combinados em uma fórmula: N x V/ RH, que são o número (N) de bactérias, vírus, protozoários ou fungos, vezes a virulência do agente (v) dividido pela resistência do hospedeiro (RH). Assim, pode-se ter muitas pessoas com infecção com um agente pouco virulento, ou poucas pessoas com agente agressivo. Por exemplo, quando há várias pessoas expostas a uma mesma situação, tudo vai depender da combinação do N, do V e do RH. Algumas pessoas vão ter ou não a infecção, outras poderão ser portadoras por um tempo, mas não é matemático, pois as manifestações das infecções dependem sempre das variações desses itens.

Quanto às infecções intestinais, são ocorrências que surgem muito na proximidade do verão:

- Infecções intestinais sempre surgem nesta época do ano. A partir da segunda quinzena de novembro, começamos a observar aumento dos casos geralmente associados às comemorações de final de ano, coincidindo com aumento da temperatura ambiente e geralmente relacionado à contaminação de alimentos - diz a médica.

O CASO DE SANTA MARIA
Não se sabe ao certo como o surto anunciado somente no dia 25 de dezembro começou. Os exames laboratoriais dos pacientes tinham indicativo de infecção bacteriana, mas não se identificou qual a bactéria.

Conforme a médica, essas situações, em geral, se dão por ingestão, diferente das doenças transmitidas pelo ar, que são inalatórias, em que o foco é respiratório. Como o foco do surto de Santa Maria foi intestinal, com sintomas como dor abdominal, vômito e diarreia, a entrada do agente ocorre por ingestão e não por inalação. Neste caso, a transmissão é feco-oral.

 - É preciso parar de elucubrar e de achismos. O que temos hoje são infecções bacterianas. É possível que não consigamos chegar a que bactéria é essa - afirma Jane.

ÁGUA E AREIA
Normalmente, quando a transmissão é por um veículo comum como a água da rede de abastecimento, a situação não é tão pontual, e o número de casos costuma ser maior, conforme a análise da infectologista. Porém, nada se descarta, pois quando se fala em ingestão se entende que essa possa ser de água ou de alimentos. Em relação à água de poços, o correto é conhecer da realidade da cada local, por isso, a médica evitou comentar sobre o reservatório do Sesi. Já em se tratando de areia, é preciso ter cuidados. Ela lembra que qualquer animal, seja gato ou cachorro, bem como qualquer criança que teve diarreia e entrou em contato com espaços em que há areia poderá contaminar o local com coliforme fecal, também sendo necessário analisar os casos isoladamente.

NÃO É MENINGITE
Os exames não identificaram a bactéria meningococo. Jane diz que as mortes foram por septicemia (infecção generalizada), cujo quadro pode ser igual à meningite. Muitas vezes, os tratamentos para meningites chegam a ser uma opção até que seja descartada. Inclusive, o meningismo, que é um sinal clínico, pode ser desencadeado por infecções generalizadas. Entre os sintomas, estão a rigidez na nuca.

NÃO É TOXOPLASMOSE
Embora a cidade tenha vivido o maior surto da doença registrado em escala mundial em 2018, e até hoje, sem origem identificada, esse segundo surto não tem relação com o primeiro, isto é, os quadros de infecção intestinal não são casos de toxoplasmose. A evolução dos sintomas bem como o agente causador, o Toxoplasma gondii, na toxoplasmose, e bactéria, nos casos de infecção, não são os mesmos. Já o fato de fragmentos do protozoário Toxoplasma gondii terem sido encontrados em quatro amostras de água de mananciais e reservatórios de água de Santa Maria, no final do mês passado, não significa, necessariamente, o risco de contaminação por toxoplasmose. A capacidade deste material em causar a doença somente poderá ser avaliada mediante a realização de um teste em animais. Os fragmentos das amostras também não têm qualquer relação com as infecções intestinais relacionadas ao surto.

RECOMENDAÇÕES

  • Lavar rigorosamente as mãos com água e sabão antes e após as refeições, antes de preparar e manipular alimentos e após usar o sanitário e após brincadeiras em locais como caixas de areia;
  • Consumir água potável (em caso de dúvidas fervida), e alimentos bem lavados, preferencialmente cozidos e sem casca;
  • Higienizar o local de preparo dos alimentos, com água e sabão antes do preparo dos mesmos, mantendo os utensílios limpos e secos (os mesmos podem ser lavados e enxaguados com água quente);
  • Manter os alimentos crus e cozidos separados, cozendo completamente até levantar a fervura (na fervura a água/alimento estarão a 100 graus) e após manter em locais com tampa para evitar o acesso de insetos como moscas e baratas e sob refrigeração;
  • Utilizar substâncias desinfetantes ou álcool 70 para materiais e superfícies que tenham contato com as mãos (corrimão, maçanetas, fechaduras, etc);
  • Os panos e utensílios utilizados na limpeza de superfícies e locais suspeitos devem ser lavados separadamente e mantidos separados dos demais materiais e utensílios utilizados no local.

*Colaborou Janaína Wille  

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