reportagem especial: elas e o esporte

'A realidade é diferente, estão nos crucificando', diz presidente do ATC sobre a premiação da Copa Docelina

Pâmela Rubin Matge


Foto: Pâmela Rubin Matge

Presidente do Avenida Tênis Clube (ATC) há cerca de um ano, Marcelo Portella, 41 anos, falou ao Diário, na última quinta-feira pela manhã, na sede do clube. Por 37 minutos, antes de comentar a repercussão negativa da 26ª Copa Docelina, que ocorreu no fim de semana de 18 de março, e deu como prêmio de primeiro lugar masculino R$ 7 mil e feminino, R$ 250, Marcelo lembrou da sua carreira como tenista. Contou que começou por volta dos oito anos e foi até os 24, quando optou por seguir a faculdade de engenharia civil e ter o esporte como segunda opção. Assegurou ter propriedade no âmbito esportivo, conhecendo as dificuldades, o dia a dia. Mencionou, ainda, a temporada que morou na Espanha com intuito de profissionalização e a participação em torneios pela América do Sul. Atualmente, é casado e pais de duas meninas. A mais velha, de 13 anos, é atleta e representa o clube na natação.

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A reportagem também tentou contato com o vice-presidente de esportes do ATC, Rui Carlos Garcia Paixão, mas foi informada, por telefone, que "devido a um probleminha recente e para proteger a entidade, a diretoria decidiu que somente o presidente se manifestaria". É que nos comentários de uma postagem sobre a Copa Docelina, na fanpage do ATC no Facebook, em 9 de março, Paixão foi alvo de críticas, sobretudo, ao referir um comentário onde dizia "lutamos para formar atletas. Porém, perdemos feio para todas as outras opções como shopping, celular, namoro, etc..."

A ENTREVISTA
Diário de Santa Maria - Como o clube recebeu a ampla repercussão da diferente premiação de R$ 7 mil para homens e R$ 250 para mulheres na última Copa Docelina? 

Marcelo Portella - Essas são competições que os clubes, junto da Federação Gaúcha de Tênis, criam. É um evento comercial, para fomentar o esporte em nível regional. O ATC se enquadra nisso. Eventos como esse acontecem há muitos anos com aval da Federação, para atletas terem um ranking estadual. Mas não dão retorno financeiro, não classificam em nível nacional. É apenas uma busca pessoal. Alguns eventos nem dão prêmios. Aqui, temos alguns patrocinadores que buscamos para valorizar o pessoal que participa. Quanto ao valor da premiação, sempre foi assim. Toda história da Copa Docelina, a mulher nunca passa de R$ 550, R$ 600. E, o masculino, varia de R$ 2 mil a R$ 15 mil. 

Diário - O patrocinador é quem decide destinar o maior valor para os homens?
Marcelo - É uma decisão comercial nossa de onde alocar melhor o prêmio. Primeiro, tem mais homens jogando, em todo o mundo, não só aqui. Depois, o nível, por ter mais gente (no masculino), é mais alto. Por exemplo, a mulher conseguiu no Grand Slam, só em 2007, igualar à premiação. Isso depois de muita discussão na ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) e WTA (Associação de Tênis Feminino). E o tênis é de 1800 e pouco...  

Diário - Apesar desta lógica e em continuar insistindo em uma premiação diferente, tu não concordas que isso não incentiva a profissionalização das mulheres?
Marcelo - Essa discussão é relevante na sociedade que a gente vive hoje. Eu gostaria que o nível feminino fosse igual ao masculino e que pudéssemos distribuir a mesma quantidade de prêmio. Mas a realidade é diferente do que eu desejo. 

Diário - O que fazer para mudar essa realidade?
Marcelo - Investir nas crianças. Mas, hoje, se tu fizeres um levantamento da escolinha infantil de tênis, nem 10% é feminina. Há disparidade em outros esportes. É um absurdo, mas há. É só vermos a diferença no caso da seleção brasileira de futebol feminina e masculina. Mas estão nos crucificando (o ATC). Já, se tu pegares um país forte no tênis, a Rússia, que tem a Sharapova, provavelmente, tem maior premiação para mulher. Aqui, o interesse pelo esporte sobressai pelo homem. Infelizmente, mesmo, infelizmente. Mulher tem outras opções que atraem mais, agora, o porquê, eu não sei.   

Diário - O clube se arrepende de dar essa premiação?
Marcelo - Não. Até hoje, todos clubes fizeram isso. Aqui só vieram quatro mulheres e 35 homens, como vou dividir R$ 7 mil? Veio cara que tem 180 de ranking no ATP, nenhuma mulher tem isso no Brasil. Não tem como igualar os desiguais. Mas estou aberto a fazermos um torneio feminino com premiação em dinheiro, o clube ajuda a captar. Em maio, teremos um Festival de Tênis Feminino (sem premiação em dinheiro). Eu acredito que tem que ter mérito esportivo, independentemente do gênero. Anos atrás não tinha premiação no masculino. 

Diário - Mas ao que tu atribui o tênis feminino não crescer tanto quanto o masculino?
Marcelo - Falta de interesse. Não adianta eu colocar R$ 10 mil de prêmio, que não vão vir mais mulher. O pessoal do masculino, que veio aqui, vive a vida para o tênis. 

Diário - E no ano que vem, como será a 27ª Copa Docelina quanto à premiação. Será igual?
Marcelo - Queremos rever e aumentar a premiação. Vai haver uma mudança. Até está sendo estudado fazer a premiação proporcional ao número de inscritos. Estamos discutindo, tudo isso é uma novidade para nós, mas não vai ser igual. 

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