PL da Dosimetria: entre a política e o método

“Sem dosimetria, sem dosimetria”, gritam as palavras de ordem. À esquerda, o bordão circula, viraliza, mobiliza. À direita, a contrapartida. Entende-se o impulso. Há certa espirituosidade na simplificação. Mas o problema começa quando temas técnicos passam a ser tratados como slogans. O Direito Penal não é linguagem de protesto: é técnica de contenção do poder. E a dosimetria da pena é uma de suas garantias centrais.


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O ruído e a técnica

O leigo é leigo. Isso não é defeito. O defeito surge quando o sistema jurídico passa a decidir como se também o fosse. O Direito Penal é complexo por essência, não por presunção. Simplificá-lo em nome da comunicação pública pode ser útil; reduzi-lo em nome do aplauso, jamais.

A dosimetria como garantia
Dosimetria não é favor, é direito. Trata-se do mecanismo que individualiza a pena, ajustando-a à conduta concreta, às circunstâncias e à culpabilidade. É precisamente ela que impede respostas penais automáticas e desproporcionais. Todos têm direito à justa dosimetria, mesmo quando o clima político clama pelo contrário. O que se deve objetivar, em um Estado de Direito, é a um critério que opere indistintamente para todos ao sistema penal.


O erro técnico originário 
É preciso reconhecer: houve erro técnico na aplicação da pena. Crimes-meio foram tratados como crimes autônomos; o concurso de crimes foi aplicado de forma inadequada; circunstâncias que deveriam modular a pena foram desconsideradas. Penas desproporcionais, portanto. Trata-se de leitura amplamente compartilhada na doutrina penal mais qualificada.


A resposta legislativa

Para corrigir um erro técnico da Corte Constitucional, improvisou-se uma solução normativa. O chamado “PL da Dosimetria” altera regras de progressão, reafirma institutos já existentes e cria disposições casuísticas. O problema não é legislar, é legislar para um caso específico. Quando a lei nasce como resposta a um erro pontual, enfraquece o sistema que pretende salvar.


O Código e a solução

A resposta adequada estava, e está, no Código Penal. Concurso formal, absorção de crimes-meio, atenuantes relacionadas ao contexto: tudo isso já integra o sistema. O problema não foi falta de norma, mas falta de técnica na aplicação. Criar regras para suprir más decisões não fortalece o Direito, fragmenta. 


O efeito acumulado
Quando o Judiciário erra tecnicamente e o Legislativo responde de forma improvisada, a sociedade assiste à corrosão da confiança institucional. O Direito deixa de ser sistema e passa a ser reação. E o penal, que deveria ser o campo da máxima cautela, torna-se o laboratório da pressa. Ao que parece, tudo resolvido em um grande acordo.


Último limite
O problema do Direito Penal não é o excesso de garantias, mas a recorrente ausência de rigor técnico. Sem técnica, resta o improviso; sem sistema, o casuísmo; sem justa dosimetria, a arbitrariedade. Encerrar o ano reafirmando isso é um compromisso civilizatório. Ao fim, não é o slogan que protege direitos, mas a técnica bem aplicada. Precisamos de penalistas no Supremo Tribunal Federal.

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Guilherme Pitaluga

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