na quarta colônia

Em Silveira Martins, Festival da Uva movimenta a economia e mantém tradição dos parreirais no interior

José Mauro Batista

Fotos: Janio Seeger (Diário)

A disposição e a alegria contagiante de Adermo Visentini contrastam com a angústia de quem vê a produção de uva e derivados, uma cultura centenária da comunidade de origem italiana, no interior de Silveira Martins, perdendo espaço. Aos 92 anos, o patriarca da família Visentini toca, com dois filhos, uma propriedade de três hectares, em Val Feltrina, no município da Quarta Colônia de Imigração Italiana. Adermo, Jovino e Osvino são proprietários de uma das quatro cantinas (pequenas vinícolas) da localidade.

- Ele é que é o gerente aqui. É quem manda - brinca Jovino, 61 anos, o filho mais velho.

Com o irmão, Osvino, 55 anos, Jovino é quem, de fato, garante a sobrevivência da propriedade rural. A família colhe, nesta época do ano, de 20 a 25 toneladas de uva de várias espécies. Além da uva, que é vendida in natura a R$ 3 o quilo, os Visentini produzem de três a quatro mil litros de vinho e em torno de dois mil litros de suco.  

Toda a produção é vendida na propriedade, que é visitada por turistas, principalmente nesta época do ano, em que é realizado o Festival da Uva e das Águas, uma iniciativa da prefeitura de Silveira Martins e da comunidade de Val Feltrina com apoio da Emater.

O festival, que está na sua 14ª edição dá visibilidade à produção de uva, vinho, suco, geleia e outros produtos produzidos a partir dos parreirais e é responsável por não deixar morrer essa tradição dos imigrantes italianos.

Falante, Adermo é um típico colono italiano. O avô, Caetano Visentini, veio de Feltre, uma pequena comunidade localizada na região de Vêneto, província de Belluno, nordeste da Itália, em 1877, e acabou se instalando na Quarta Colônia. Viúvo há cinco anos de Ana Corono Torri Visentini, Adermo já produziu milho e feijão, mas, hoje, seu orgulho são os parreirais de onde a família tira o sustento para todo o restante do ano.

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Embaixo do parreiral, Adermo se diverte colhendo cachos de uva, mas está sempre atento à mudança de tempo.

- Quando cai uma chuva de pedra (granizo), num minuto a gente perde tudo - lamenta, relembrando safras perdidas pelos colonos de Val Feltrina por conta de temporais.

Com excelente memória, o patriarca dos Visentini vai contando histórias ricas em detalhes. Ao olhar o repórter manuseando o celular, Adermo lembra que, apesar das dificuldades, a tecnologia trouxe mais conforto.

- O final da guerra (Segunda Guerra Mundial) foi uma das piores épocas que vivi. Faltava querosene, sal, açúcar. Não tinha como acender o lampião (a energia elétrica só chegaria em 1979) por falta de queresone. Então, a gente molhava um pano na banha e acendia - recorda Adermo.

Enquanto conversa, galinhas ciscam no pátio onde estão a casa e a "fábrica" de vinhos e sucos, com as pipas gigantes e máquinas de moer uva. A máquina substituiu o amassamento da uva com os pés, uma prática antiga nas vinícolas.  

VINHO SUBSTITUI CAFÉ  
Ajudando na colheita, além dos dois filhos, estão os gêmeos Mateus e Marcos, 17 anos, netos de Adermo. Os guris estudam na cidade e, como a maioria dos jovens de Val Feltrina, um dia, vão deixar o pequeno lugarejo. Dois filhos de Jovino, formados em Ciência da Computação, já foram embora. O filho mora em Santa Catarina, e a filha, nos Estados Unidos.

Quando perguntado sobre a terra de onde vieram seus antepassados, Adermo lembra que teve uma oportunidade de conhecer a Itália, anos atrás, mas por medo de navio e avião, acabou desistindo da viagem.

A vida na colônia impõe um ritmo "puxado". Passada a colheita da uva, que vai até fevereiro, começa a preparação dos parreirais para a safra seguinte. A rotina de trabalho começa cedo, por volta das 6h, mas, antes disso, o pessoal já está acordado. No almoço e na janta, Adermo costumava tomar uma taça de vinho no lugar do café, mas ele lamenta que o médico impôs uma dieta de meia taça.

Em Val Feltrina, o mais velho dos Visentini se sente na Itália e, embora seguidamente vá a Silveira Martins e a Santa Maria para visitar familiares e para consultas médicas, prefere o clima bucólico e o ar fresco com cheiro de uva que exala das matas e das pipas. Diferentemente das gerações mais novas, Adermo pretende viver o resto dos seus dias no lugar onde nasceu.

NEGÓCIOS PASSARAM POR VÁRIAS GERAÇÕES

Com 33 anos de idade, Rafael Torri é um dos poucos jovens no comando de uma cantina na localidade de Val Feltrina. Ele é o proprietário e se  encarrega de várias da tarefas, como administrar o negócio e, também, por outras atividades, entre elas, a produção da vinícola que existe desde 1947, quando o bisavô dele, José Torri, montou o empreendimento. José era filho dos imigrantes Giuseppe e Angela, que, como os demais da região, atravessaram o oceano para viver em terras brasileiras, no interior do Rio Grande do Sul.  

Em uma área de um hectare e meio, Torri produz uvas de variedades distintas, como Niágara, Isabel, bordô e massacarra. Por ano, ele colhe 25 mil quilos. A cantina produz 30 mil litros de suco, produção que é vendida em supermercados de Silveira Martins e de Santa Maria. O vinho ainda está em processo de registro para ser comercializado em escala, mas quem chegar na cantina pode adquirir a bebida.

Torri tem uma visão de mercado para o seu negócio. Até o ano passado ele vendia seus produtos para compradores do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas desistiu pelo pouco retorno.

- Tem muito problema com transportadora, por exemplo. Agora, só quero o mercado local - diz.

O PARAÍSO DE MARIAZINHA

Na última casa de uma pequena estrada rural, subindo o vale (aspecto geográfico da região que denominou a localidade de Val Feltrina), fica a moradia de Maria Verônica Torri Padoin, 83 anos, conhecida como Mariazinha. Cunhada de Adermo Visentini, Mariazinha também contagia com sua alegria de viver e suas histórias.

- O vale é o paraíso, meu filho, é a sobrevivência - afirma para o repórter, convidando para apreciar a bela vista do morro.

Nas árvores que dão ainda mais vida ao local, há dezenas de plaquinhas de madeira com frases positivas. São produzidas pelas duas filhas de Mariazinha, que moram em Santa Maria.

Viúva há 40 anos de Antonio Luiz Padoin e com dificuldade para caminhar, Mariazinha deixou para os filhos homens a tarefa de tocar a pequena cantina. Bisneta de imigrantes que vieram de Feltre e de Toscana, Mariazinha só não abre mão do trabalho doméstico. Além de preparar almoço e janta, ela faz quitutes, cucas, doces e pães caseiros, e cuida do jardim e do arvoredo.   

Os filhos Isaias, 54 anos, e Isac, 48, cuidam da lavoura de milho, mandioca e feijão, e do pequeno pomar que produz laranja e bergamota. Na área de dois hectares, a família produz uva e vinho. Por safra, a colheita rende 10 mil quilos de uva e 1,5 mil litros de vinho. 

- A produção dá para manter carro, o tratorzinho e as ferramentas, mas não pensa que dá para guardar dinheiro no banco - diz Isaias.

A família calcula que as chuvas vão resultar numa perda significativa da produção de uva.

- Este ano, vamos perder 60% pelo tempo - lamenta Isac.

Sobre a produção de vinho na localidade, os filhos de Mariazinha acreditam que a tendência é a redução gradativa.

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- Hoje em dia, todo mundo pega uva de Caxias do Sul para fazer vinho - acrescenta Isac.

O pomar ajuda a reduzir o impacto do tempo e da concorrência sobre os parreirais. De 100 a 120 caixas de frutas, cada uma com doze dúzias, são vendidas a feirantes pelos Padoin.

Mas como está escrito nas plaquinhas espalhadas no pequeno sítio, as adversidades não tiram a alegria de Mariazinha, que vai contando histórias. O brilho dos olhos azuis da matriarca dos Padoin e o abraço apertado ao se despedir da equipe do Diário reforçam o recado de uma das placas: Vale a pena viver!

CRIAÇÃO DE GADO AJUDA NO SUSTENTO
Na entrada de Val Feltrina, os Sala mantêm uma cantina comprada por seus ancestrais em uma área de terras que pertencia a um imigrante alemão. Na propriedade de 70 hectares, Vicente Sala, 83 anos, e a mulher, Nilce Feltrin Sala, 73, casados há 45 anos, plantam milho e mandioca e criam gado de corte. Dois hectares são reservados para a produção de uva.

A estimativa de Vicente é que a safra deste ano renda de 15 mil a 20 mil quilos de uva.

Além da venda de uva in natura, a cantina produz quatro mil litros de vinho e mil litros de suco por ano. A garrafa da bebida é comercializada a R$ 7, e a de suco, a R$ 10. A venda é feita na própria cantina, bastante procurada por quem vai à Quarta Colônia.

- A gente vende durante todo o ano - conta Vicente, enquanto Nilce vai mostrando como funciona a fabricação das bebidas nas enormes pipas.

Como todos os agricultores que dependem de tempo bom para garantir alguma renda, Vicente teme o excesso de chuvas e temporais. No ano passado, ele perdeu boa parte da produção das parreiras com uma chuva de granizo.

- Caiu pedra e não deu para colher nem a metade - recorda Vicente, enquanto abre a torneira de uma pipa semelhante a um barril de onde jorra o vinho recentemente produzido.

O casal tem dois filhos, Delciano, 34, e Gilsiano, 32, que cursa Engenharia da Produção na UFSM. Quando não têm outras atividades, os filhos se somam aos pais na lida da lavoura e da cantina.

FESTIVAL FOI CRIADO PARA MOVIMENTAR A ECONOMIA


Segundo o Escritório Municipal da Emater em Silveira Martins, há quatro cantinas e 10 produtores de uva, vinho e suco em Val Feltrina. Houve uma redução na área de plantio e, há algum tempo, os parreirais começaram a perder espaço para a cultura da soja. E, com essa nova cultura, veio, também, um problema: os efeitos do herbicida 2,4-D.

- É um herbicida muito volátil. Mesmo que Val Feltrina não tenha plantação de soja, a aplicação do 2,4-D em uma área causa danos em uma distância de até sete quilômetros - afirma a engenheira agrônoma Katiule Morais, chefe do Escritório da Emater em Silveira Martins, reforçando a queixa de produtores de uva.

Outro fator que interfere na continuidade dessa tradição familiar em Val Feltrina é a migração dos jovens para a cidade.

- É uma cultura muito tradicional, e não há mais sucessão nas propriedades - ressalta Katiule.

Foi nesse contexto que nasceu o Festival da Uva e das Águas, uma tentativa de não deixar essa tradição morrer. Em parceria com a prefeitura de Silveira Martins e com a comunidade de Val Feltrina, a Emater encampou o festival, que, neste ano, chega a sua 14ª edição.

- O festival gera bastante movimento, o pessoal circula muito nas propriedades. A gente espera que o tempo melhore para que mais visitantes apareçam em Val Feltrina no final de semana - torce Katiule.

Não há exatidão em relação ao número de pessoas que passam por Val Feltrina durante o Festival da Uva e das Águas. O prefeito de Silveira Martins, Fernando Cordero (MDB), disse ao Diário, com base em outras edições, que a estimativa de público seria de quatro mil a cinco mil pessoas. O secretário de Cultura, Turismo, Desporto e Eventos, Sadi Tolfo, acredita que o público seja de duas mil pessoas. Já a Emater trabalha com um público de mil pessoas.

MAIS DIAS DE ATRAÇÕES
A novidade da 14ª edição é que o festival foi ampliado e passou a ter dez dias de duração. A programação teve início na noite de sexta-feira da semana passada, na Sociedade Assistencial, Recreativa, Esportiva e Cultural de Val Feltrina (Sarec), com a realização do Filó da Amizade e da Paz, uma confraternização trazida pelos imigrantes italianos.

Durante a semana não há programação festiva. No entanto, a prefeitura indica o Roteiro da Uva, com 26 atrações gastronômicas e turísticas, com cantinas, adegas, agroindústrias, restaurantes, monumentos, igrejas, cascatas e trilhas. Durante o passeio, é possível comprar uva, sucos e vinho diretamente nas propriedades familiares.

O 14º Festival se encerra neste domingo, mas uma das atividades - curso sobre produção de derivados de uva - ficou para a próxima quarta-feira. Confira, abaixo, a programação do final de semana.

PROGRAMAÇÃO  

Sábado

  • 8h - Início do Torneio da Uva (bocha), na Sarec
  • Meio-dia - Almoço típico italiano, na Sarec
  • Das 14h às 19h - Roteiro da Uva nas propriedades rurais de Val Feltrina

Domingo

  • 8h - Retorno do Torneio da Uva (bocha), na Sarec
  • Meio-dia - Almoço típico italiano, na Sarec
  • Das 14h às 19h - Roteiro da Uva nas propriedades rurais de Val Feltrina

Onde buscar informações

  • Informações sobre reservas de almoço e jantar, inscrições para os torneios e a organização do evento podem ser obtidas pelos telefones (55) 9840-45180 e (55) 99986-6121 ou página do festival no Facebook (facebook.com/events/369421027159110).

Como chegar a Val Feltrina

  • Após a Base Aérea de Santa Maria, entre à esquerda, no trevo de Palma, e siga em direção a Silveira. Antes de chegar na cidade, dobre à esquerda, logo após a Produtos Coloniais Moro. A partir desse ponto, siga mais alguns quilômetros até Val Feltrina. Há placas indicando o caminho e as cantinas têm identificação.z Do Bairro Camobi, passando pela Base Aérea, pegue a RS-804 e siga em direção a Silveira Martins


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