Com 20 anos de idade, Jéssica dos Santos está no 9º ano do Ensino Fundamental e estuda em turma regular de um colégio municipal de Santa Maria. Ela deixou de frequentar a escola por todo o ano de 2015 e, por problemas familiares, ficou longos períodos sem comparecer ao colégio em anos anteriores. Ao deixar de frequentar a escola, Jéssica recebeu o status de "aluna evadida". Contudo, no ano passado ela retornou ao ambiente escolar.
A jovem comenta que gostaria de estudar à noite na Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas precisa estar em casa para cuidar do irmão de 8 anos enquanto o pai trabalha. Jéssica sente uma grande diferença entre ela e os colegas, que têm entre 13 e 15 anos, mas destaca que precisa e quer concluir os estudos. Esporadicamente, ela perde algumas aulas à tarde para ficar com o irmão, mas faz questão de conversar com a direção para encontrar formas de recuperar o conteúdo e para não receber faltas injustificadas.
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Jéssica é um caso de evasão escolar que o Estado conseguiu fazer com que a estudante volte a estudar. Porém, a Promotoria Regional de Educação de Santa Maria faz acompanhamento da desistência escolar no município, por meio da Ficha de Aluno Infrequente (Ficai) e apresenta informações que preocupam. Santa Maria tem 118 colégios, sendo 40 estaduais e 78 municipais e o levantamento, com dados de março a agosto deste ano, mostra 449 casos de alunos que deixaram de frequentar as salas de aulas de 84 escolas públicas, municipais e estaduais, da cidade.
Deste total, agosto ficou com segundo maior número de registro nos últimos seis meses: 105 entradas na Ficai, sendo 24 de crianças e 81 de adolescentes. O número é muito próximo ao mês de maio, que apresentou o maior número de registros na Ficai: 107 casos computados.
São considerados casos de evasão escolar quando o aluno tem 20% de faltas em um mês, o que equivale a cerca de 7 dias de infrequência escolar, levando em consideração que a maioria dos meses letivos têm de 16 a 20 dias com aulas, segundo a promotora regional de Educação, Rosangela Corrêa da Rosa.
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Ela comenta que o sistema da Ficha tem atualmente 6.844 casos comunicados em todo o Rio Grande do Sul, de janeiro a agosto deste ano. Neste mesmo período, 789 estudantes voltaram a frequentar a aulas, mas 6.415 registros ainda estão em tramitação.
O CAMINHO
Rosangela explica que o processo de tentar diminuir a evasão começa ainda na escola, que busca os pais e responsáveis para entender os motivos pelo qual o aluno está infrequente. Se mesmo com muitas tentativas de contato com a família, o colégio não consegue obter as respostas ou o aluno não retorna às salas de aula, o processo é repassado para o Conselho Tutelar.
Em Santa Maria são três conselhos tutelares: Centro, Leste e Oeste, que atendem 84 escolas públicas que utilizam o sistema Ficai. Entretanto, os conselhos não souberam informar quantos colégios são municipais e quantos estaduais.
O Conselho Tutelar Centro atende também as regiões Norte e Sul do município e é o que recebe o maior número de Ficais, de acordo com a coordenadora do órgão, Greta Valério. Em parceria com a escola, o Conselho Tutelar utiliza de ferramentas para contatar pais, responsáveis e o próprio aluno para entender os motivos da infrequência e fazer com que o estudante retorne para a escola.
Greta explica que uma notificação é dada à família do estudante com uma data em que os responsáveis devem retornar ao Conselho para apresentar o comprovante de frequência da criança ou adolescente. A coordenadora do Conselho Centro comenta que a o Ministério Público é acionado quando for constatado que o estudante precisa de algum auxílio para manter-se na escola.
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Apesar de todos os esforços da escola, dos conselhos tutelares e até do Ministério Público, para Greta o maior problema é o descaso dos pais ou responsáveis com a vida escolar das crianças e adolescentes.
– Ser responsável não é só fazer a matrícula na escola. Vai muito além, tem que ter um acompanhamento do aluno. É preciso que os pais ou responsáveis demonstrem interesse na vida escolar do estudante para que o próprio estudante tenha interesse pela escola – finaliza a coordenadora do Conselho Tutelar Centro.
EM NÚMEROS
NÚMEROS REAIS PODEM SER MAIORES, SEGUNDO PROMOTORA DE EDUCAÇÃO
O levantamento apresentado pela Promotoria Regional de Educação leva em consideração os dados cadastrados na Ficai, mas estes números poderiam ser ainda mais alarmantes, segundo a promotora Rosangela Corrêa da Rosa. Ela explica que algumas escolas não utilizam a Ficai para registrar os casos de evasão. Assim, a Promotoria Regional de Educação não consegue ter um quadro real sobre infrequência.
A promotora comenta que há casos em a instituição constata a evasão do estudante e consegue fazer que esta criança ou adolescente retorne à sala de aula sem o auxílio do Conselho Tutelar ou do Ministério Público. Ela comenta que é maravilhoso quando isso ocorre, porém, destaca que estes são os casos que acabam não sendo registrados na Ficai. Também há as situações em que o colégio simplesmente não utiliza o sistema, o dado não chega à Promotoria de Educação e a infrequência escolar é detectada de outra forma.
MAIS COLABORAÇÃO
Além das escolas que não fazem uso da Ficai, a coordenadora do Conselho Tutelar Centro, Greta Valério, faz um pedido às instituições que registram as evasões no sistema: fazer o repasse aos conselhos com mais frequência. Greta comenta que os colégios costumam repasses as Ficais a cada trimestre ou semestre, assim o trabalho fica mais difícil para o órgão trabalhar com os alunos evadidos. Ela sugere que se os repasses fossem semanais, ou pelo menos mensais, ajudaria muito.

Outro ponto que a coordenadora comenta é a falta de estrutura dos conselhos tutelares conseguirem chegar a todas as crianças e adolescentes que estão infrequentes. Para Greta, os conselhos não conseguem fazer um acompanhamento mais próximo dos alunos e das famílias porque não há carro para ir até a casa e pela grande demanda que os órgãos recebem. Apesar desta "fiscalização" dos conselhos tutelares, a coordenadora reforça que os pais não podem confundir o trabalho que os conselheiros fazem com a responsabilidade que é dos responsáveis das crianças e adolescentes.
COMO É O TRABALHO DAS ESCOLAS QUE MAIS REGISTRAM FICAI
Entre os dados apresentados pela Promotoria Regional de Educação está uma lista com as cinco escolas que mais registram casos de evasão em Santa Maria (veja no quadro). Destas, três são escolas estaduais e duas municipais. Segundo a promotora de Educação, estes colégios não são, necessariamente, os com maior infrequência de alunos, pois, Rosangela lembra que algumas escolas de Santa Maria não mantém a Ficai atualizada. Assim, estas instituições são as com mais casos registrados no sistema de acompanhamento de infrequência.
O Diário tentou contato com as direções dos cinco colégios, mas as instituições estaduais estão em greve desde o dia 5 de setembro e as direções não quiseram conversar com com a reportagem. Nas três escolas do Estado, as direções alegaram que os professores responsáveis pela Ficha de Aluno Infrequente não estão indo às instituições por causa do movimento grevista.
Por outro lado, as escolas municipais conversaram com a reportagem e contaram como fazem o trabalho de buscar os alunos que estão no caminho de abondar a vida na escola.
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A diretora do colégio Aracy Barreto Sachis, Nara Ferreira, comenta que o a equipe de gestão trabalha em conjunto para fazer uma avaliação de frequência dos alunos. Inclusive a escola tem cadernos específicos para as faltas justificadas dos estudantes.
– Quando notamos que um aluno está há dois ou três dias sem comparecer, ligamos para os pais. Se há uma justificativa para a falta, como estar doente ou coisa assim, nós anotamos neste caderno, junto com o tempo que o aluno ficará infrequente. Assim, toda a equipe gestora tem acesso ao caderno e à informação sobre o estudante. Queremos nossas crianças na escola, com bom desempenho e com aprovação – explica Nara.
Entre os casos da escola, a diretora avalia que os maiores registros de infrequência são feitos nas turmas dos anos finais, quando os alunos são adolescentes entre 12 e 18 anos. A professora também comenta que a negligência dos pais aumenta nesta fase, pois acreditam que "os adolescentes deveriam se governar". Mas Nara afirma que os pais ou responsáveis devem ficar muito atentos, principalmente com os filhos desta faixa etária.
INFLUÊNCIA DA LOCALIZAÇÃO
Já a Escola de Ensino Fundamental Luizinho De Grandi, que fica junto ao Caic, tem a questão territorial como agravante para a evasão escolar, de acordo com a vice-diretora, Malize de Oliveira. Ela comenta que muitos alunos vivem em ocupações em áreas próximas ao colégio e se mudam com frequência, por causa de reintegrações de posse solicitadas pelos proprietários dos terrenos.
– Quando tem estes desmontes de ocupações é uma fase uma leva de alunos para de comparecer. Às vezes é por que estão ajudando os pais a reconstruir a casa em outro local, até em outro bairro, às vezes é por que vão para casas de parentes, que ficam muito longe da escola e não têm como vir à aula. É muito deliciado, mas nós vamos atrás, conversamos com estudantes que são, ou eram, vizinhos dos faltantes para sabermos onde estão e irmos conversar com os pais – conta Malize.
Outro fator, segundo a vice-diretora, está ligada ao problema de violência escolar, que envolve alunos que fazem parte de grupos rivais. Ela diz que, na maioria das vezes, as brigas entre estes jovens não acontecem dentro das dependências da escola, mas são frequentes nos horários de saída e entrada das aulas. Assim, há estudantes que deixam de comparecer ao colégio.

E o último motivo que pode afastar os alunos é a gravidez ou paternidade na adolescência. Malize comenta que o colégio tenta dar condições para que jovens pais e mães sigam estudando, mesmo que seja no Ensino a Distância, porém, comenta que é uma das situações mais complicadas de fazer os adolescentes voltarem às salas de aula.
OS 5 COLÉGIOS
Das cinco escolas que mais têm Ficais registradas, três são estaduais e duas são municipais. A promotora de Educação destaca que estes podem não ser os colégios com maior evasão em Santa Maria, mas são as com mais casos das que utilizam o sistema Ficai. Confira os nomes e quantos registros cada instituição teve este ano:
– Doutor Walter Jobim (estadual): 11
– Dom Antonio Reis (estadual): 10
– Aracy Barreto Sachis (municipal): 10
– Professora Naura Teixeira Pinheiro: 8
– Luizinho De Grandi (municipal, junto ao Caic): 7