Vias públicas

Quais as alternativas para a situação do comércio informal do centro de Santa Maria?

Quais as alternativas para a situação do comércio informal do centro de Santa Maria?

Fotos: Nathália Schneider (Diário)

Em Santa Maria, desde 2010, segundo o decreto número 65, da lei nº 4847 de 2005, os camelôs, ambulantes e artesãos foram transferidos para o Shopping Independência e passaram a ser denominados comerciantes populares. O artigo 5º do decreto estabelece a proibição da "prática do exercício da atividade de comércio nas modalidades anteriormente denominadas nas vias e logradouros públicos". Passados quase 13 anos da aprovação, a lei teve modificações, mas o comércio de rua, que não tem a aprovação de funcionamento pelo poder público municipal, continua proibido. A discussão sobre o trabalho informal envolve questões econômicas e sociais para a cidade.


+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp

O trabalho informal é caracterizado por pessoas sem vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente, logo sem benefícios como remuneração fixa, férias pagas e 13º salário. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2023, a taxa de trabalhadores informais no país corresponde a 38,6 milhões, uma taxa de 38,8%. Em 2021, no primeiro trimestre do ano, a taxa estava em 39,5%.


A alta taxa de trabalhadores informais no país também se reflete em Santa Maria, onde não é difícil encontrar pessoas comercializando seus produtos, principalmente próximos ao Calçadão Salvador Isaia. Nos últimos meses, a percepção é de que aumentou o número de cidadãos nestas condições, assim como a fiscalização. Para mostrar a realidade local e entender o dinamismo do comércio informal, a reportagem conversou com entidades do comércio; representantes do poder municipal; do Shopping independência; com o Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da Universidade Federal de Santa Maria (Migraidh UFSM), para entender a situação de migrantes e refugiados; e também, com os próprios comerciantes de rua.

Dados de Santa Maria

Segundo informações da Secretaria de Licenciamento e Desburocratização, em Santa Maria, a atividade de comércio ambulante na cidade, que se enquadra como trabalho informal, atualmente conta com uma média de 12 comerciantes de rua, nos espaços que inclui a Avenida Rio Branco, Rua do Acampamento e parte da Pinheiro Machado. Além disso, após a pandemia de Covid-19, percebeu-se um aumento no número de pessoas que comercializam produtos na rua.Conforme o secretário de Licenciamento e Desburocratização, Beloyannes Orengo de Pietro Junior, por causa da lei municipal, a Superintendência de Fiscalização tem canais de denúncias relacionados a esse tipo de circulação de produtos.


– Atuamos de duas formas: ofícios e denúncias. Por causa do surto de dengue no município, os fiscais estavam envolvidos nos locais de foco do mosquito. Há um mês, intensificamos algumas fiscalizações na área central, onde o comércio ambulante é mais forte. Em um primeiro momento, as pessoas são informadas que tem uma legislação que proíbe a venda (em vias públicas). Depois, se não é comprida a norma, ocorre a abordagem com a apreensão e multas – explica o secretário.


Neste ano, foram feitas seis apreensões, até o momento. Para o comerciante retirar os produtos apreendidos é preciso pagar uma multa em torno de R$ 200. Outra questão levantada por Pietro é sobre a venda de produtos porta a porta:


– Quando é realizado diretamente com alguém, indo nas portas das residências, dessa forma, a princípio não é proibido. Estamos trabalhando com demais entidades, porque a intenção não é simplesmente atacar essas pessoas e retirar seus sustentos. Estamos em diálogo para fazer uma formalização desses trabalhadores para continuarem a se sustentar e prover as famílias.


Pietro explica que em relação aos povos originários, que geralmente ficam em cima do Viaduto Evandro Behr, começou no início do mês de julho algumas abordagens. Isso porque a comunidade indígena tem permissão apenas para vender o artesanato produzido, de acordo com o Estatuto dos povos originários, mas não produtos industriais, como manta, touca e meia. Assim, o secretário afirma que alguns comerciantes voltaram a expor apenas artesanato, mas que ainda será feita uma reunião com os representantes das comunidades para conversar a respeito do assunto.  


Relatos dos comerciantes de rua*


Pela Rua do Acampamento, Pinheiro Machado e Alberto Pasqualini vários trabalhadores ambulantes vendem produtos como, meia, tênis, calças, relógios, panos de prato e artesanato. Um comerciante, de 60 anos, trabalha há 30 como vendedor de rua na cidade. Para ele, nos últimos meses, a fiscalização aumentou bastante, mas conta que nunca teve os produtos apreendidos. Ao ser questionado se nas abordagens a equipe de fiscalização informa outras alternativas de trabalho, ou até mesmo ações do Executivo, ele comenta:


– Às vezes eles informam sobre a proibição de ficar vendendo na rua e pedem para retirarmos os produtos antes de apreenderem. Mas, as alternativas que eles dão é para sair do centro da cidade.


O vendedor de artesanato, de 30 anos, que atua como artesão há 12, comenta que para quem expõe apenas produtos artesanais, na maioria das vezes, a fiscalização não é tão severa.


– Eu e mais um grupo de artesãos conversamos com a prefeitura, há um tempo atrás, e  nos deram algumas opções de espaço e um deles seria a Gare. Mas, lá é um local que não tem muito movimento, por isso pedimos para ficar aqui. Uma das condições deles foi para não ficarmos no Calçadão.


Um imigrante senegalês, de 35 anos, vendia roupas, calçados e meias em outros lugares da cidade, contudo, em uma abordagem teve os produtos apreendidos pela fiscalização. Outra pessoa que teve os materiais apreendidos foi uma imigrante indígena do Equador, 37 anos. Ela relata que há um mês ocorreu uma ação da equipe de fiscalização pelo Viaduto Evandro Behr e na Rua do Acampamento, mas apenas as suas mercadorias foram apreendidas.


– Eu sei que indígenas podem vender apenas artesanatos, mas temos que comer, pagar aluguel, só com artesanato não conseguimos nos sustentar. Faz uns 4 anos que moro na cidade e a fiscalização começou a aumentar bastante de um tempo para cá.          

*Nenhum dos comerciantes que a reportagem conversou quis se identificar


Situação do Shopping Independência

Quem é de Santa Maria, ou mora há mais de 13 anos na cidade, deve lembrar dos camelôs que ficavam em boa parte da extensão da Avenida Rio Branco. Os trabalhadores desse espaço, em 2010, passaram a compor as bancas do Shopping Independência, localizado na Praça Saldanha Marinho. Para o comerciante e um dos membros do Conselho Gestor do Shopping Valdir Medeiros de Melo, atualmente, o local está com sete bancas para sortear, porém, segundo ele, a prefeitura não dá o respaldo suficiente na parte do controle dos comerciantes de rua:


– Nós saímos da rua há 13 anos porque queriam revitalizar a Avenida, mas não é isso que estamos vendo. Na fiscalização, deveriam falar para quem se enquadra no preenchimento das vagas do Shopping vir para cá. Porque quem está na rua acaba estragando o comércio. O objetivo com a construção desse local foi para não ter mais esse tipo de venda (em vias públicas) – reforça Valdir.


A Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo informa que o Independência tem 208 estandes, mas colocou que prefere não divulgar o número de espaços em processo de ocupação. Além disso, a pasta avisa que dentro dos próximos dias um novo edital de Homologação dos Cadastrados, considerando os termos do Decreto Executivo nº 15, de 2021, será publicado, habilitando aqueles que atenderem aos termos do edital visando o sorteio dos estandes vagos.



Migrantes no município

O decreto nº 15, de 2021, altera artigos do decreto nº 65 de 2010. O novo propõem que o preenchimento das vagas em editais do Shopping Independência "será através dos meios de comunicação, o qual o empreendedor interessado deverá apresentar os seguintes requisitos: residir no município de Santa Maria; possuir título de eleitor no município; não possuir outro tipo de renda, a que não seja algum benefício por parte dos órgãos públicos; e estar em dia com as obrigações federais, estaduais e municipais".  


A coordenadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da Universidade Federal de Santa Maria (Migraidh UFSM) e professora do departamento de Direito da UFSM, Giuliana Redin, explica que o problema do novo decreto impossibilita migrantes e refugiados a disputarem por uma banca no espaço:

– Imigrantes e refugiados ficam vedados os direitos políticos, eles não votam. Sem dúvida é um problema grande, então já é uma legislação que promove uma exclusão. Muitos não vão ter acesso por essa via, porque devia ser democratizado a todos o acesso ao Shopping, por isso a rua é a saída. Mas a fiscalização também é pesada – conta Giuliana.


Na cidade, são os imigrantes senegaleses que atuam nesse comércio. A coordenadora do Migraidh conta que para eles a prática da venda nas vias públicas é cultural, por isso a discussão sobre a atividade deve abranger essa parcela da população, sendo que desde 2017, a lei nº 13.445, garante a igualdade de tratamento e de oportunidades ao migrante e a seus familiares.


Além disso, a coordenadora ressalta que já foi tentado um diálogo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, mas não tiveram muito êxito.


– Se o Comitê Municipal de Atenção a Imigrantes e Refugiados de Santa Maria for instituído, vai ser um espaço excelente para começar o debate do comércio de rua dessa população.


Entidades de Santa Maria se unem para qualificar trabalhadores informais


O IBGE divulgou, em fevereiro de 2023, os dados da média anual de empregados sem carteira assinada do país, que mostra que o contingente também aumentou entre 2021 e 2022. O aumento foi de 11,2 milhões para 12,9 milhões de pessoas, também o maior patamar da série histórica, desde 2012. O trabalho informal entra nessa categoria. O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Marcio Rabelo, afirma que o aumento se deve por vários fatores: como a baixa escolaridade; alta evasão escolar; a entrada de marketplaces (Shopee, Shein e AliExpress), que refletem na indústria nacional; e a desigualdade social.


– É preocupante o aumento, porque causa uma série de consequências para a nossa economia. Nós temos a precarização do emprego com baixa remuneração, a pessoa não tem férias, 13º salário, não consegue contribuir para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e não tem direito a aposentadoria. Além do mais, tem muitas pessoas por trás dos trabalhadores informais, como organizações que fazem contrabando de mercadorias e colocam em vulnerabilidade os empregados –  informa Rabelo.


Outras problemáticas foram colocadas pelo presidente do CDL, como queda na geração de empregos e na produtividade econômica, com perda de participação da indústria e comércio no Produto Interno Bruto (PIB). Assim, como uma maneira de tentar auxiliar os trabalhadores das vias públicas, um grupo de 12 entidades vão assinar uma campanha de conscientização e estão desenvolvendo um programa de capacitação para as pessoas do comércio informal.


Ações das entidades  

Conforme o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Santa Maria (Sindilojas), Ademir José da Costa, a campanha está em processo e diálogo ainda. O objetivo é oferecer qualificação para as pessoas saírem da informalidade, em parceria com a rede Senac - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.  


– Pretendemos oferecer cursos de preparação para varejo, área administrativa e estamos em tratativa para que o Sesi e Senai também possam oferecer cursos na área da indústria. Queremos oferecer oportunidades para as pessoas terem dignidade e carteira assinada. Não queremos combater, mas sim achar uma solução.  


Ainda não tem mais informações sobre como funcionará o cadastramento dessas pessoas, mas o presidente do Sindilojas confirma que no mês de agosto sairá mais informações a respeito da campanha e da qualificação.


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Polícia Civil e Conselho de Engenharia investigam motivo da queda de prédio em obras em São Gabriel Anterior

Polícia Civil e Conselho de Engenharia investigam motivo da queda de prédio em obras em São Gabriel

UFSM divulga ponto de corte do Vestibular 2023 e outras 5 notícias Próximo

UFSM divulga ponto de corte do Vestibular 2023 e outras 5 notícias

Geral