plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Mau tempo
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Após o resultado das eleições presidenciais de 2018, circulou pelas redes sociais o poema 'Instruções para esquivar o mau tempo', do escritor argentino Alejandro Robino. O poema apresenta aconselhamentos para os dias difíceis: "Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor. Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo. Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura". Os conselhos foram apropriados para um 2019 duro: ano de perda de direitos trabalhistas, de uma política ambiental desastrosa, de cortes orçamentários na educação, para citar apenas algumas das intempéries. Não foi fácil. Mas nem imaginávamos a tempestade que estava por vir.

CONTEXTUALIZANDO

Agora, no início de 2021, quando o Brasil se tornou o pior lugar no mundo, voltei ao poema de Robino. Nosso furacão hoje tem a cara do desgoverno e da pandemia que varre o nosso país. Refugiar-se em casa virou medida de segurança, infelizmente, não possível para todas as pessoas. Não se pode mais compartilhar o mate, tampouco conversa, beijos e noites, à exceção de dividi-las com as pessoas que moram com você. Voltei ao poema para relembrar os conselhos e para verificar se, quem sabe, ainda há algum que eu possa por em prática diante do pior dos maus tempos? 

ESTRATÉGIAS

É mau tempo sob mau tempo. É ventania na tempestade e chuvarada no vendaval. Errado não está se falarmos que este período exige estratégias de sobrevivência. Estratégias que vão além daquelas recomendadas pela OMS. Falo de estratégias de conservação da pulsão da vida, da criatividade, da sensibilidade, do lúdico. Falo de aguentar, mas não embrutecer. Robino diz, em certo trecho do seu poema: "E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites". A escrita tem me salvado. É organizando palavras em linhas que desembaraço os meus pensamentos. Eu também corro. Não há como fugir dos problemas que estamos vivendo, eu sei. Mas cansar o corpo descansa a cabeça. Me informo o necessário: a realidade em excesso, às vezes, pode ser prejudicial.

Procuro saber das pessoas, manter o contato, enviar algum afeto, ainda que digital. Buscar e encontrar no cotidiano o extraordinário para que os dias não pareçam todos iguais. Vou esquivando-me das nuvens mais densas, fazendo com que este não seja apenas um tempo de espera, mas de resguardo, até a chuvarada passar.

Heim?
Eni Celidonio 
Professora universitária

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Você sabe me dizer o que seja uma pessoa desligada? Muito prazer! E você sabe se traz vantagens ou desvantagens, se é bom ou ruim? Eu não sei...

A idade me trouxe duas coisas que acredito me fizeram mais tranquila: uma é tolerância. Eu vejo multidões cancelando amigos nas mídias sociais por causa de política. Jamais fiz isso. Sabem por quê? Porque eu me divirto horrores com algumas postagens. Sério, tem vezes que dou gargalhadas sonoras pela falta de pé no chão e de memória de alguns. É aquela coisa: cada um vê o que quer, e se quer, quem sou eu pra dizer que não é bem assim?

Outra coisa que a idade me trouxe, ou sei lá se não é meu anjo da guarda, é a capacidade de me desligar completamente da realidade, do que me cerca, viajar nos meus próprios pensamentos e pensar em coisas totalmente diferentes. Exemplo: encontro uma conhecida que não vejo há tempos, e ela começa a me falar dos netos, que fazem isso e aquilo, que ontem o fulaninho falou vovó pela primeira vez e a conversa muda de rumo e aí vem a seção doença. Pronto! Instantaneamente, há uma troca de canal e eu me vejo nas férias, dentro de um avião com destino a uma praia. Vejo a praia, o dia lindo, sol torrando, caminho na areia, furo uma onda...

Quem vê a cena da conversa pensa que estou prestando a maior atenção, porque eu tenho a cara de pau de olhar fixamente para o meu interlocutor, como se o que ele diz fosse importante para a minha sobrevivência. E, geralmente, concordo com tudo. Tudo o quê? Sei lá, mas eu concordo. Que diferença isso faz? Nenhuma...

Lembro que há uns 20 anos, eu fazia mestrado e estava tranquilamente folheando uns livros no hall principal do Centro de Artes e Letras, quando um Professor/Doutor/PHDEUSYZEUS desceu as escadas aos berros, indignado, fazendo perguntas e mais perguntas. Eu continuei folheando meu Roland Barthes, até que uma colega, a Teruko, virou-se pra mim e disse: "Eni, eu acho que é com você". E era. Eu levei uma cara para entender. Se não fosse a Teruko, eu ia continuar folheando meu livro, como se nada estivesse acontecendo.

Mas isso tudo é um processo, um aprendizado. Eu sempre fui aquela que falava no banheiro de um clube que a festa estava morna, mais pra uma missa, e ouvia alguém dizer "é a festa de 15 anos da minha irmã", ou saía de bicicleta com uma turma, passava um senhor que, do nada, sorria pra gente e eu exclamava "Que velho sem noção!" e alguém dizia: "é meu pai". Hoje, isso é pagar mico, mas eu juro pra vocês que eu não pago mico, pago King Kong!

Na próxima, eu conto as maravilhas que eu já passei por viajar acordada. Aguardem!.

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