Diz-se que uma pessoa que tem ambição é aquela que mira seu alvo e, geralmente, sabe aonde quer chegar. Quando a ambição ultrapassa os limites da lucidez e avança em disparada em direção aos lucros, não interessando quem atropela no caminho, pode ser considerada, inclusive, uma doença. Nesse sentido, os conceitos de ambição e ganância podem ser, semanticamente, sinônimos. Segundo definição do vocábulo, ambição é definida como o forte desejo de riquezas ou poder, glórias ou honras, anseio constante de alcançar determinado objetivo, de obter sucesso, pretensão e aspiração. No dicionário, ganância é conceituada como cobiça, avidez, desejo exacerbado de ter ou receber mais que os outros, ânsia por ganhos exorbitantes. Assim, óbvia constatação: em algumas situações, a ambição pode se tornar ganância.
No Brasil, temos exemplos dessa transformação de ambição em ganância, em diferentes setores. No campo agrícola, são conhecidas (e, muitas vezes, abafadas) histórias de grilagem de terras, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Na indústria da grilagem, ao se apropriar de terras de terceiros ou públicas, o grileiro falsifica documentos para “comprovar” que a propriedade é sua. Não custa lembrar que a grilagem está associada a outros crimes, tais como o assassinato dos antigos proprietários.
Quando pensamos nas questões indígenas, o processo é ainda mais desanimador. A cultura generalizada de que o índio é preguiçoso e que não produz nada é anunciada de diferentes formas. Vai do livro infantil “inocente”, da marchinha de Carnaval até o filme de cowboys que nos leva, muitas vezes, a torcer para que o “homem branco” elimine os índios da face da terra. Essa ingenuidade, mesmo que inconsciente, acaba por prejudicar ainda mais a luta diária desses povos pela sobrevivência, pois deletamos de nossos scripts o protagonismo que lhes cabe.
Quando lemos, por exemplo, o belo livro “O som do rugido da onça”, da autora Michelyne Verunschk, e constatamos que os famosos Martius e Spix, no início do século XIX, raptaram crianças indígenas e as levaram para a Europa, ainda ficamos chocados. Para quem não lembra das aulas de História e Geografia, a dupla de pesquisadores, Johann Baptist von Spix (doutor em Medicina) e Carl Friedrich von Martius (médico, botânico e naturalista) desembarcaram no Rio de Janeiro em 1817. Seus estudos tinham como intuito realizar investigações científicas pelo bem da ciência e da humanidade. Realmente, exploraram a fauna e flora brasileiras e revelaram detalhes fascinantes do nosso bioma, catalogando quase metade de todas as espécies de plantas brasileiras conhecidas até os dias atuais. Entretanto, ultrapassaram todos os limites, quando sequestraram nossas crianças indígenas e as carregaram para um país distante, fazendo com que o destino delas acabasse tragicamente.
Ficamos aqui pensando: o que a história revelará no próximo século? Certamente, lá ainda estará estampada a manchete: Em pleno século XXI, pela mais pura ganância, continua o extermínio dos povos indígenas. E, se não bastasse a tragédia, livros trarão detalhes do desaparecimento seguido de morte do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari/Amazonas. Porém, a história fará sua parte e condenará todos aqueles que se calaram diante da barbárie. Afinal, qual medo de dar voz aos povos indígenas? O que eles revelariam para o mundo?
Essa situação, certamente, manchou, mais uma vez, a imagem do Brasil. O desaparecimento deles foi anunciado pela União das Organizações Indígenas do Vale do Javari. Este episódio evidencia que os povos que garantem a proteção das florestas e regulam o clima, abrigando a maior diversidade do planeta, estão ameaçados pela ganância de quem deseja o lucro a qualquer preço.
Que esse fato, ao menos, nos desperte para refletir, verdadeiramente, sobre os nossos povos originários. Perdão Bruno e Philipps, pela nossa ganância. Os limites foram extrapolados, nunca foi ambição.
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