Familiares de vítimas da tragédia organizaram publicação de cartas psicografadas

A tragédia da boate Kiss completará 1 ano e 11 meses neste sábado. E, desde a tragédia, inúmeros livros já foram lançados sobre o assunto. Uns mais polêmicos, como a obra intitulada "Kiss, Uma Porta para o Céu", de Lauro Trevisan. Outros, nem tanto. Recentemente, mais um livro com a temática Kiss saiu da forma. E, desta vez, ele chama a atenção por uma questão bem singular: a publicação reuniu cartas psicografadas por seis das 242 vítimas da Kiss.

Intitulado "Nossa Nova Caminhada", o livro foi lançado em Cachoeira do Sul, em novembro, e em Santa Maria, no começo deste mês. Com trechos que podem soar polêmicos para alguns, mas reconfortantes para outros, a obra, baseada nos preceitos do espiritismo, contou com o envolvimento de familiares dos jovens que psicografaram as cartas e conta com a assinatura da jornalista Lidiana Betega, tia de Daniela Betega Ahmad, uma das vítimas da tragédia.

Tudo começou na metade do ano passado, com a participação de alguns familiares em uma excursão para Uberaba, cidade mineira considerada a capital do espiritismo. Em busca de respostas para a dor e de notícias de seus entes queridos mortos na casa noturna, pais recorreram a centros espíritas – todos registrados na Federação Espírita Brasileira – em busca de um pouco de alento para suas angústias. E, segundo eles relatam no livro, o resultado foi alcançado. Este ano, o grupo retornou a Uberaba, e, durante a viagem, decidiu transformar as cartas em livro.

– Nós fomos com muita fé. Na primeira noite de visita a uma casa espírita, na primeira mensagem, recebemos a da Dani (Daniela Betega Ahmad). Eu já havia frequentado centros espíritas e conhecia um pouco da doutrina, mas a mensagem dela foi o que confortou e ajudou a superar. Foi, então, que surgiu a ideia de fazer o livro e dividir com outras famílias aquilo que faz tão bem para nós – conta Adriana Betega, uma das organizadoras do livro e mãe de Daniela, que morreu aos 19 anos.

As 103 páginas trazem descrições das vítimas, em mensagens psicografadas por quatro médiuns, que impressionam pelos detalhes – que, segundo os pais, só poderiam ter sido ditos pelos seus próprios filhos. Mas também revelam trechos que sugerem o perdão aos responsáveis pela tragédia.

Em uma das cartas, assinada pelo jovem Guilherme Pontes Gonçalves, ele pede que ninguém seja considerado culpado. Cita, ainda, a lei da causa e efeito, afirmando que muitos dos que morreram na boate Kiss teriam sido incendiários em outras existências – a doutrina espírita admite a reencarnação como forma de evolução do espírito.

Sobre o perdão

O presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira, não leu o livro, mas tomou conhecimento do conteúdo por amigos e outros pais. Segundo ele, os trechos que sugerem a não responsabilização são polêmicos porque têm opiniões divergentes entre pais de diferentes crenças:

– Caberá a cada família avaliar se concorda ou não. Mas perdão não pode ser confundido com justiça. O perdão deve vir do coração, mas a justiça deve ser feita acima de tudo.

Flávio da Silva, do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, tem a mesma opinião, mas é um pouco mais enfático:

– Não podemos confundir as coisas, achar que eles não devem pagar. Eu não vou abrir mão nunca disso. Enquanto eu não ver essas pessoas pagarem pelo que cometeram, não vou conseguir perdoar nem ter sossego.

Detalhes ajudam a identificar quem se comunica

A coordenadora da 4ª Região da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, Mary Ângela Amorim, explica que as cartas psicografadas devem ser identificadas pelas famílias a partir da forma de falar, de gírias ou até mesmo por nomes de familiares que são citados:

– A divulgação dessas cartas nos comprova que nós não perdemos nossos amados. Essa é a maior base da doutrina, a comunicação entre o físico e o espiritual e"