Um cenário triste e, ao que tudo indica, sem solução, repete-se todos os dias em Santa Maria: animais de grande e de pequeno porte são abandonados em rodovias, esquinas e calçadas da cidade. Ao deparar com um bicho abandonado ou machucado, muita gente entra em desespero em busca de ajuda, sem saber ao certo a quem recorrer.
Segundo voluntários e especialistas, a situação virou um problema social grave e que precisa ser tratado por meio de programas de conscientização a respeito de castração e adoção. Mas, afinal, de quem é a responsabilidade sobre esses animais abandonados? Do poder público, das associações protetoras de animais ou da própria comunidade?
Não é de hoje que a médica veterinária Marlene Nascimento enfrenta uma realidade cruel e que, segundo ela, aumenta a cada dia em Santa Maria: os maus tratos de animais. Ela e os demais voluntários da Organização não Governamental (ONG) Clube Amigos dos Animais lutam incansavelmente para abrigar, alimentar, medicar e castrar animais que foram abandonados na cidade.
– Há mais de 30 anos, buscamos soluções. Já levei inúmeros projetos à Câmara de Vereadores e temos muitas leis que precisam ser aplicadas. Essa é uma responsabilidade do poder público, mas deve contar com participação da comunidade. Às vezes, dá vontade de chorar com o descaso da sociedade com a causa – desabafa a veterinária.
Para diminuir o sofrimento desses bichos, Marlene é a favor das adoções comunitárias, onde vizinhos ou pessoas próximas comprometem-se em cuidar de um animalzinho abandonado, mesmo que ele permaneça na rua. Ela alerta que não se pode recolher um animal sem investigar se há alguém que possa cuidar dele:
– Se um animal estiver perdido e for retirado do local onde está, não será encontrado. Sou contra o recolhimento irresponsável ou lares temporários. Se recolher, adote! O lar temporário pode resultar em um segundo abandono.
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Além dos maus tratos, Marlene fala sobre outro problema: pessoas que mantêm em casa mais animais do que aqueles de que podem cuidar, condicionando-os ao estresse de um ambiente inadequado.
Mas Marlene não está sozinha nesta luta. Em Santa Maria, muitos voluntários têm se empenhado à causa e, na maioria vezes, são a única esperança desses animais.
Para Sônia Adolfo de Carvalho, voluntária da associação SOS Bichos de Rua, uma das grandes dificuldades encontradas na hora de resolver o destino dos animais abandonados é a falta de conscientização das pessoas que, com a intenção de tirar o bicho da rua imediatamente, agem com irresponsabilidade.
– Antes de pegar o animal, averigue a situação. Investigue se ele tem tutor e se há vizinhos no local que possam conhecê-lo. Se houver alguém que possa cuidá-lo, ofereça ajuda com ração, água e uma casinha – ensina.
Sônia afirma que é muito a favor de as pessoas ajudarem animais abandonados, mas insiste que a adoção tem que ser responsável:
– Não é simplesmente pegar o animal da rua e passar adiante. Temos que saber em que condições ele vai ficar. É preciso, antes de tudo, levar em conta o bem-estar do animal. Às vezes, ele fica melhor na rua do que amarrado pelo pescoço, sem comida e sem condições de lutar pela vida em um pátio.
Marlene e Sônia fazem parte de um grupo que, apesar das dificuldades, não desiste da causa. Atuantes em organizações sem fins lucrativos, contam com a ajuda de pessoas da comunidade para cuidar desses animais. Sônia lembra que nenhuma associação tem espaço suficiente para atender tantas denúncias de abandono.
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– Não adote só por adotar. E, se você encontrar um bicho na rua e alguém que queira adotá-lo, entregue o bichinho já castrado – instrui.
O secretário do Meio Ambiente de Santa Maria, André Domingues, reconhece a responsabilidade do poder público, mas acredita que o probema deve envolver a comunidade:
– A atribuição de ações relacionadas ao bem-estar animal é da Secretaria do Meio Ambiente. Recebemos apoio da Brigada Militar, da UFSM, da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos e da Secretaria de Mobilidade Urbana. Mas nos falta infraestrutura, e a comunidade também precisa assumir a responsabilidade.
A realidade local
Em Santa Maria, a lei 5.657, que institui a Central de Controle e Bem-Estar Animal, foi sancionada em 21 de junho de 2012. Criada pelo vereador Manoel Badke, a legislação ainda tem pontos que não são cumpridos, entre eles, a microchipagem para identificação e controle de animais domésticos.
– Há 15 dias, tivemos uma audiência pública na Câmara de Vereadores para buscar soluções. Queremos a implementação da lei que prevê convênios com clínicas e com o Hospital Veterinário de Santa Maria (HVSM), além de um leque de possibilidades com órgãos não governamentais – diz Maneco.
A Central de Bem-Estar Animal funciona junto à Secretaria do Meio Ambiente de Santa Maria, em parceria com a UFSM. De acordo com o responsável pela pasta, o secretário André Domingues, a central tem sido fortalecida, mas está longe de conseguir atender à demanda local.
– As instituições públicas não têm condições de atender todas as solicitações. Contamos, hoje, com ações em conjunto com a comunidade. Mas, isolados, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema), a Central do Bem-Estar, o hospital veterinário ou as associações não resolverão o problema. Há pessoas que maltratam ou abandonam um animal até ele morrer. Chegam a largar cadáveres de bichos nos contêineres da cidade! A solução é uma revolução de consciência. Estamos inquietos diante de tudo isso. Temos mapeado os casos existentes e buscado parcerias e, sem as associações, não conseguimos – friza.
Palavra do especialista
O advogado especialista em Direito Ambiental João Marcos Adede y Castro, de Santa Maria, explica que os animais são considerados sujeitos de direito por força das leis que os protegem. Ou seja, os bichos não pertencem às pessoas como um objeto, mas devem estar sob proteção e responsabilidade delas.
Segundo Castro, o artigo 225 da Constituição Federal responsabiliza o tutor como principal responsável pelo animal, porém, sem a identificação deste, a obrigação com os cuidados recai sobre o Estado. Ele afirma que, ao encontrar um animal em situação de maus tratos, deve-se acionar um poder público, que deverá recolher e levar o animal para uma instituição que dê assistência:
- Em caso de mordida de um cachorro ou de atropelamento por um cavalo, quem será responsabilizado? Quem vai responder criminalmente ou pagará indenizações? Segundo o código civil, os tutores são responsáveis pelos danos causados pelos seus animais. A ideia de manter animais comunitários é muito interessante, mas é preciso ter em mente que alguém vai ter que ser responsável por esse bicho – alerta.
A esterilização e a chipagem são ações defendidas pelo especialista como efetivas no controle da natalidade animal.
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– Quem adota deve estar ciente de que o animal precisa de vários cuidados. Se não tem como sustentar, não adote! Se o município não consegue dar conta, deve, no mínimo, contribuir com as entidades que têm tirado do bolso recursos para abrigar os bichos – assegura.
O médico veterinário e coordenador da Central de Bem-Estar Animal Alexandre Caetano conta que, em parceria com a UFSM, a entidade já resgatou mais de 286 cavalos, além de cães e gatos das ruas de Santa Maria. Ele enfatiza que o responsável pelo animal é o tutor e admite que o poder público conta com a ajuda de associações para atender as denúncias.
– O modelo ideal para solucionar essas questões é a conscientização. É muito triste ver as condições de maus tratos em que encontramos os bichos na cidade. Essa responsabilidade é de todos – diz.
Milhares sem castração
Segundo Caetano, em Santa Maria existem mais de 80 mil cães e 100 mil gatos e a maioria não é castrada. O coordenador aconselha que, ao encontrar um animal abandonado, deve-se, em primeiro lugar, comunicar à BM, que vai noticiar a Secretaria do Meio Ambiente e acionar o responsável, o qual será notificado.
– Temos trabalhado intensamente nesta causa. Internamos casos de maus tratos e temos outros projetos em andamento, como compostagem de resíduos domiciliares, para diminuir o peso das carroças, além da aquisição de uma área para incineração de cadáveres – conta.
Caetano também acredita que o animal comunitário deve ter um responsável e pede que a comunidade também abrace a causa e ajude o poder público.
Para quem pedir ajuda?
Em casos de abandono ou maus tratos a animais, é preciso ligar para o Batalhão Ambiental da Brigada Militar. A equipe deverá acionar a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que tomará as medidas necessárias Telefone - (55) 3286-1455
Como ajudar as instituições?
Projeto Quatro Patas
O que é – Projeto formado por um grupo de pessoas que amam os animais e tentam ajudá-los
Do que necessita – Doações de ração e contribuições em dinheiro
Contato – Pela página Projeto Quatro Patas Santa Maria ou pelo e-mail quatropatassm@yahoo.com.br
SOS Bichos de Rua
O que é – Associação faz ações comunitárias em favor da causa animal. Busca recursos para alimentar, castrar e promover a adoção responsável
Do que necessita – Quem quiser ajudar pode levar rações e créditos para tratamento veterinário e castração
Contato – (55) 99125-7939
Clube Amigos dos Animais
O que é – ONG que trabalha com conscientização, adoção e responsabilização da causa animal. Atualmente tem mais de 300 animais para doar
Do que necessitam – Recebem doações de ração, jornais e produtos de limpeza
Contato – (55) 99905-3791 ou pela página Clube Amigos dos Animais SM