E não é de hoje que temos essa tradição de prender apenas “peixe pequeno”. Desde os primórdios dos meus primeiros aprendizados no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUC/RS, tive a ilusão de que todos somos iguais perante a lei – art. 5º e seus incisos da Constituição Federal.
É texto expresso, sem fazer exceção e está lá nas cláusulas pétreas, vigente em todas nossas cartas políticas. Entretanto, a mesma carta que nos outorga essa igualdade dispõe nos artigos 102 “c”, art. 105 I, “a”, que serão julgados pelo STF e STJ as autoridades ali mencionadas. A partir daí, as constituições estaduais estenderam esse privilégio para outras autoridades, como prefeitos, por exemplo. Hoje, há no Brasil, se já não for mais, 54.990 pessoas que possuem foro por prerrogativa de função.
Desde a presidência e linha sucessória até alguns cargos bastante específicos, que constam em constituições estaduais, sendo cerca de 80% deles membros do Ministério Público e Judiciário. Não há em outro país lista numerosa como entre nós. É verdade que este instituto foi adotado também por algumas nações, mas em número bem reduzido. Na Alemanha, este privilégio está reservado apenas ao presidente. Nos Estados Unidos, Inglaterra e Cabo Verde, inexiste essa excrescência. Essas pessoas privilegiadas não são julgadas por juízes, como os mortais e os “bagrinhos”.
Está reservado a eles um colegiado, de no mínimo três julgadores, quando não 11. Por trás desse privilégio, emergem outras consequências, como corolário desse absurdo. Essas pessoas e outras com tipos diferentes de privilégio perecem ter sempre um juiz de plantão para que não sofram qualquer maldade ou injustiça. E isso seria absolutamente correto se fosse para todos os iguais.
Decretada a prisão preventiva do ex-Ministro da Educação, menos de 24 horas depois, foi colocado em liberdade. Não discuto as razões da preventiva que, pelo que li, não se sustentava e deveria ser mesmo relaxada. O que discuto é a presteza com que age do poder Judiciário quando se defronta com essas pessoas.
Para as pessoas comuns, aquelas que são iguais, o tratamento é bem diferente. Presos que já cumpriram a pena completa, em alguns casos, estão aguardando decisões. Outros esperam por hábeas corpus há mais de ano. Houve um caso no STJ que a paciente esperou dois anos para ver seu HC julgado. Foi arquivado, por perda do objeto porque foi absolvido e colocado em liberdade. Presos que satisfazem as condições para progressão de regime e aguardam pacientemente que essa decisão se concretize. Completamente diferente é o tratamento com deferências para outros presos.
Peguemos, como exemplo, porque todos os dias está na mídia, o ex-governador Sergio Cabral que recebe regalias por onde passa. Por outra, os condenados do mensalão, petrolão e outros “ãos” tiveram suas progressões deferidas no dia em que adimpliram as condições, computando-se tudo para a remissão da pena, até leituras em quadrinhos dentro do presídio.Essa distorção do nosso sistema punitivo é que leva a continuidade delitiva dos privilegiados, porque acreditam na impunidade; e dos iguais perante a lei, porque não vislumbram exemplos que possam ser buscados no Poder Judiciário. Nesse diapasão, a extensão de qualquer voz soa sem eco algum, sem ser notada.
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