
Muito além dos jogos, um momento para compartilhar e manter viva a cultura dos povos originários de Santa Maria. Esse foi o propósito da segunda edição dos Jogos Indígenas, que ocorreu nesta sexta-feira (19), na aldeia Kaingang Kéty Jug Tegtú. O evento, realizado no dia nacional dos povos indígenas, proporcionou aos alunos a prática de diferentes modalidades que fazem parte da cultura dos povos originários, como arco e flecha, corrida e arremesso de lança.
Por volta das 9h da manhã, no alto da estrada de Canudos, distrito de Arroio Grande, os alunos já se preparavam para as competições de arco e flecha, luta corporal, arremesso de lança e corrida. No local, moram 12 famílias indígenas caingangue. A segunda edição dos Jogos Indígenas foi sediada pela Escola Estadual de Ensino Fundamental Augusto Ope da Silva, centro de acolhimento de toda a aldeia caingangue, e teve a participação da aldeia Guarani Guaviraty Porã e também da escola não indígena Érico Veríssimo. Conforme o professor de história e língua caingangue Joceli Sales, o principal objetivo é integrar e promover a reflexão do que é ser indígena:
- A intenção é integrar os nossos visitantes não indígenas e nós guarani e caingangue. Claro que vai ter sempre aquela ideia de competição, mas é para estar junto e se integrar.
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Antes dos jogos, as boas-vindas ficaram por conta das lideranças da aldeia caingangue e guarani que colocaram a comunidade à disposição para futuros eventos e evidenciaram a importância de falar sobre a cultura indígena nos 365 dias do ano.
- É esse tipo de visita que fazem crianças e adolescentes mudarem de opinião em relação aos indígenas. Quanto mais cedo aprender sobre uma cultura, melhor. A pessoa vai levar isso para o resto da vida. Até anos atrás, os próprios livros colocavam apenas a história do indígena amazônico. Mas outras etnias existem, elas estão no meio de vocês. Então, esse momento é importante para nós, se sintam em casa - afirma Afonso da Costa, cacique da aldeia caingangue.

A primeira modalidade do dia foi o arco e a flecha. Dividido em grupos, de acordo com a idade, cada competidor tinha três chances para acertar o alvo. Para muitos, é uma prática comum, já para outros esse foi o primeiro contato com a modalidade. Esse foi o caso da estudante da escola Érico Veríssimo Alexia da Cunha da Silva, 16 anos, que teve o primeiro contato com arco e flecha:
- Eu nunca fiz antes e foi muito divertido e gostaria de ir de novo. É a primeira vez que venho aqui e estou gostando bastante porque é uma experiência nova, com tradições diferentes.
Já para o estudante da Escola Indígena Yvyra Ija Tenondé Vera Miri, localizada na aldeia guarani, Edson Alves Timoteo, 18 anos, foi um momento para praticar a modalidade que faz parte do seu cotidiano. Ele pratica arco e flecha desde criança e fala tanto português quanto a língua nativa.
- É importante poder praticar para acertar o alvo. E pra mim, está ótimo esse momento com os colegas.
Para o professor da escola Yvyra Ija Tenondé Vera Miri, Leandro da Silva, essas experiências são muito importantes porque evidenciam a vivência indígena a partir dos jogos. Segundo ele, as modalidades sempre foram uma parte importante da cultura:
- Tem diversos jogos que são praticados há muito tempo como brincadeiras e treinamentos, mesmo antes dos colonizadores chegarem. O mesmo vale para danças e cânticos que envolvem uma questão espiritual. As letras em si já falam sobre as lutas dos povos indígenas, sobre espiritualidade e conhecimentos ancestrais - afirma Leandro.
Além disso, a prática dos jogos é fundamental para evidenciar a cultura e afastar estereótipos ainda enraizados na sociedade:
- Como professor, eu acredito que agrega muito na formação das crianças não indígenas porque elas vem aqui e conhecem a nossa realidade. É importante para sair dos estereótipos que encontramos em filmes ou livros. Eles precisam ver que nossas crianças são seres humanos iguais a eles. É formação enquanto cidadão - comenta o professor Joceli Sales, que esteve na organização dos jogos.
Cultura presente no canto e na dança
Com o início das apresentações artísticas, que aconteceram antes dos jogos, o evento esteve completo. O coral da aldeia guarani e a dança do guerreiro, feita por moradores da comunidade caingangue, trouxeram o canto na língua nativa, a dança e os costumes para o evento.
- A gente faz a dança para conscientizar o pessoal e valorizar a cultura indígena em Santa Maria e no Rio Grande do Sul. A gente percebe que eles [não indígenas] não conhecem a nossa dança e poder passar isso é muito gratificante - conta Gabriel Claudino, morador da aldeia caingangue e um dos integrantes da dança do guerreiro.

Durante o evento, os participantes também puderam se aproximar da cultura por meio do artesanato. Uma das feirantes foi a Meri Medeiros, 42 anos. Segundo ela, peças como os filtros dos sonhos, brincos de pena e trabalhos feitos com cipó fazem parte de uma tradição que passa de geração em geração:
- Desde pequena, nossa mãe nos ensina o artesanato. Agora, adultos a gente faz para vender e ensina os filhos a fazer também. É a nossa cultura, vivemos assim - afirma Meri.

Ação faz parte do mês da visibilidade e consciência indígena
Os Jogos Indígenas são resultado da lei nº 6.755, aprovada no ano passado, que institui o Mês da Visibilidade e Consciência Indígena no âmbito do Município de Santa Maria. Segundo o professor Leandro da Silva, a lei incentiva a integração entre escolas indígenas e não indígenas da cidade. Esse tipo de encontro também busca levar discussões como saúde, educação e território dos povos originários para diferentes espaços:
- A gente considera essa lei essencial para que a gente tenha essas atividades em abril no calendário do município e também facilitou o acesso a outras escolas. Nos agrega à sociedade de Santa Maria - afirma o professor.